Os motéis do Grande ABC atravessam crise que não há suíte temática ou banheira com hidromassagem que dê jeito. A queda na frequência registrada nos últimos anos é fato atestado pelos proprietários. Com baixa procura, os donos não têm como repassar preços praticamente congelados há oito anos, de acordo com o sindicato do setor, o Sehal (Sindicato das Empresas de Hospedagem e Alimentação do Grande ABC). Se o fizerem, perdem clientes. Como resolver essa equação? Camas redondas, espelhos e cascatas não têm sido suficientes para atrair mais casais.
A queda na procura pelos motéis da região é estimada em 20% pelo Sehal, enquanto a redução nos lucros beira os 50%. Há grande quantidade de estabelecimentos do setor, que inclui uma rota de motéis na altura do Km 28 da Via Anchieta, em São Bernardo, a chamada Rota 28, e outra na região das avenidas dos Estados e Giovanni Baptista Pirelli, em Santo André. Para deixar a competição ainda mais acirrada, nos últimos tempos vários hotéis com perfil econômico foram abertos, sobretudo em Santo André. O Grande ABC conta com 184 estabelecimentos, entre motéis, hotéis e pousadas.
Os hotéis, que durante a semana têm como público-alvo empresários que precisam passar alguns dias na região para resolver negócios, aos fins de semana voltam marketing para casais formais que podem ter mordomias e sossego que nem sempre conseguem em casa. Isso sem o estresse da estrada, o que é quase regra em caso de viagem, e sem ter de pilotar fogão para saborear um prato especial.
É o caso do Quality Suítes, em Santo André que, aos sábados e domingos, dá atenção especial a clientes que poderiam optar por motéis considerados top. Durante a semana, a diária de um quarto para duas pessoas é de R$ 193. Aos fins de semana, o valor é menor, visando justamente o público que não é de negócios: R$ 168. “Atendemos executivos a serviço das empresas da região, em apartamentos com sala, cozinha, Internet com banda larga. Estamos em um segmento superior ao econômico” -- diz o coordenador comercial do Quality Suítes, Dalton Teixeira Filho.
A média de preços em motéis da região varia de R$ 35 (suíte simples) a R$ 55 (suíte com hidromassagem). Aos fins de semana, o período de estadia costuma ser de três a seis horas; durante a semana, os casais não precisam ter pressa: têm 12 horas para se divertir. O valor sobe de acordo com o tamanho da suíte e com os recursos disponíveis, que podem incluir cadeira erótica e piscina aquecida com cascata. Há megassuítes para até sete casais, muitas vezes alugadas para festas de casamento ou aniversário. Mas nem sempre o parabéns a você é cantado.
Vagas em dobro
“Não conseguimos fazer repasse de preços, e esse não é um problema só dos motéis, é de bares e restaurantes também” -- diz Wilson Bianchi, presidente do Sehal, ele mesmo proprietário de dois motéis, o Marrakesh, em São Bernardo, e o Taj Mahal, em Santo André. Bianchi lembra que o número de vagas disponíveis em hotéis e motéis dobrou nos últimos seis ou sete anos, e que não há mercado para todos.
A receita para a sobrevivência passa por talento para o negócio, que deve ser vivenciado todos os dias, diz ele. Uma nova concepção de motel também tem de ser encarada. Os proprietários avaliam que a idéia existente nos Estados Unidos -- onde os motéis têm associada a imagem de hotéis, e não apenas de locais de encontro de casais -- é opção viável e na qual se deve investir.
“Muito do público dos motéis é casal formal que quer ter uma noite diferente, um público que quer preservar o casamento, homens que, em vez de fantasiar com outras mulheres percebem que a própria mulher quer curtir também, e elas estão dispostas a isso, a fazer do motel momento especial” -- avalia Bianchi.
Opções não faltam para isso. O Grande ABC conta com aproximadamente 60 motéis, dos quais 30 em São Bernardo e 15 em Santo André. O setor movimenta mensalmente cerca de R$ 4 milhões e emprega em torno de sete mil funcionários.
Façam suas apostas
Apesar de o mercado estar saturado e a concorrência ser forte e agressiva, ainda há empresários que apostam no setor. São Bernardo conta há dois anos com o Mondrian, na Avenida Maria Servidei Demarchi, um dos caçulas da rota dos motéis. Para encarar a concorrência, o Mondrian optou por suítes com decoração em estilo clean, entre as quais se destaca a Master Mondrian, com TV de tela plana, ar-condicionado, frigobar, CD player, secador de cabelos, garagem privativa para cinco carros com portão automático, hidromassagem, sauna e piscina aquecida com cascata. De segunda a quinta-feira os casais podem ficar 12 horas; de sexta a domingo, seis horas. O preço é o de uma diária de hotel: R$ 220. Mas há opções de suítes mais em conta entre as 52 do Mondrian, a partir de R$ 48.
“É preciso inovar e investir na qualidade do que é oferecido ao cliente” -- diz o gerente do Mondrian, que preferiu não ser identificado. Ele afirma que não há como repassar aumentos de água e de luz e que os usuários de motéis levam tempo para ser fidelizados: há muita oferta de estabelecimentos, o que faz com que os usuários façam uma espécie de rodízio. Construído em uma colina, o Mondrian demorou oito anos para ficar pronto. Como está aberto há dois, isso significa que foi concebido há 10 anos, quando o mercado era bem mais favorável ao setor.
Meio desunido
Se o mercado é difícil, o fato de ser novo pode ser um ponto a favor. O Ramsés II, inaugurado há um ano e meio na Avenida Lauro Gomes, em São Bernardo, conta com bom movimento, de acordo com o gerente, Ricardo Smaniotti, também em função de ser novidade. Ele reclama da concorrência acirrada e considera que os donos de motéis da região deveriam se unir para encontrar solução para a impossibilidade de fazerem repasses de preços. “Mas há muita desunião nesse meio” -- lamenta.
Os negócios do Ramsés II vão bem a ponto de os proprietários já pensarem em ampliação. São 20 suítes decoradas em estilo clean. A mais incrementada leva o nome do estabelecimento e conta com dois canais de vídeo, cadeira erótica, ducha, frigobar, banheira com hidromassagem, som, spa e telão. De segunda a quinta, o casal paga R$ 168 por 12 horas de estadia; o mesmo valor é cobrado de sexta a domingo por período um pouco menor, de três horas.
Bem mais tradicional, o Le Moulin está instalado na Avenida Maria Servidei Demarchi, em terreno que chama a atenção pelo tamanho: 43 mil metros quadrados. O gerente Maurício Singer concorda que o mercado está esgotado na região. “Há excesso de quartos” -- observa Singer, para quem a saída são mesmo as promoções e a qualidade do serviço prestado. O estabelecimento conta, inclusive, com certificação de qualidade ISO 9001.
Quem for ao Le Moulin pode escolher entre 77 suítes, como a Presidencial, que oferece mimos como área de descanso, banheira com hidromassagem, lareira, piscina aquecida com cascata, sauna a vapor, teto solar e até sex shop. Quem quiser desfrutar terá de desembolsar R$ 208 de segunda a quinta-feira por 12 horas, ou o mesmo preço de sexta a domingo por seis horas. Quem optar pela diária vai gastar R$ 416.
A suíte top do motel, no entanto, é mesmo a Le Moulin, com itens que hotéis cinco estrelas dificilmente têm: duas lareiras, duas saunas a vapor, hidromassagem, piscina térmica com duas cascatas, pista de dança, secador de cabelo, som AM/FM, suíte triplex, teto solar e TV. O preço? R$ 460 (12 horas de segunda a quinta-feira ou seis horas de sexta-feira a domingo). Quem optar pela diária vai desembolsar o dobro: R$ 920.
“Há muita oferta e pouca ocupação” -- lamenta a gerente do Rarus, de São Bernardo, Ângela Roseti, para quem a queda no poder aquisitivo da população nos últimos anos reflete diretamente no movimento dos motéis. “Oferecemos pernoite para todas as suítes para quem chega após 20h, durante a semana, como forma de atrair os clientes” -- diz. Outra promoção no Rarus é o preço de R$ 39 em um terço dos quartos, em qualquer dia da semana -- a estadia varia de três a quatro horas, dependendo do dia, sendo sempre o menor número de horas aos fins de semana. “Criamos também um cartão de fidelidade” -- acrescenta Ângela.
Para quem quiser mais mordomias, o Rarus oferece a suíte que leva o nome do motel. Por R$ 205, o cliente terá à disposição dois canais eróticos, aquecedor central, ar-condicionado, cadeira erótica, garagem para dois carros, banheira com hidromassagem, piscina aquecida, sauna a vapor, secador de cabelo, teto solar, TV a cabo e até aquário de peixes ornamentais. De segunda a quinta-feira, o casal poderá desfrutar de tudo isso por período de 12 horas, que cai pela metade se a estadia for de sexta-feira a domingo.
Concorrência ferrenha
É claro que sempre há opções mais em conta, mas por esses valores citados tem-se noção mais clara da concorrência aberta entre hotéis e motéis do Grande ABC. Para se ter idéia, a diária para duas pessoas no Hotel Plaza Mayor, em Santo André, é de R$ 115 com direito a café-da-manhã e uma vaga de estacionamento, independentemente do dia da semana. No Íbis, com classificação entre duas e três estrelas de acordo com o próprio hotel localizado também em Santo André, diária durante os dias de semana é de R$ 85 e aos fins de semana de R$ 75. Quem quiser café-da-manhã terá de pagar mais R$ 9 por pessoa. Com classificação entre três e quatro estrelas pelo mesmo critério, estabelecido pela Embratur, o Mercure, também em Santo André, tem diária de R$ 160 durante a semana e de R$ 130 no fim de semana, direito a café-da-manhã.
Só a título de comparação: o motel Confidence, em Santo André, cobra R$ 93 por 12 horas de segunda a quinta-feira ou por quatro horas de sexta a domingo, na suíte Cayman, valor próximo ao da diária do Íbis ou do Plaza Mayor. Os hotéis não contam com hidromassagem dupla ou sex shop, mas aí tudo fica por conta do gosto do freguês, ou melhor, do cliente.
Rapidinha
Se a concorrência é grande, a solução pode ser absolutamente radical. Um motel localizado na Avenida Alda, em Diadema, chama atenção pelo modo com que decidiu atrair clientes. Fracionou ao máximo o tempo permitido nos quartos e cortou também os preços, não exatamente na mesma proporção. Por 10 minutos, cobra R$ 1,99. A associação que se faz com as lojas de produtos baratos é imediata. O golpe é considerado baixo e gera reações iradas dos proprietários de motéis porque, na prática, paga-se R$ 11,94 por hora ou pouco mais de R$ 143 por 12 horas, valor superior ao de muitas suítes de motéis.
“É uma imbecilidade” -- resume Wilson Bianchi, do Sehal. Ele lembra que esse é um dos motivos pelos quais seria necessária a criação de selo de qualidade para o setor. “Lutamos muito para poder trabalhar de modo legal. O proprietário que se expõe dessa forma é porque está passando por momento difícil, mas todos passamos por momento difícil. E o cliente também se expõe, porque com um preço desse não há como cuidar bem da higiene do local ou dos lençóis. O serviço só pode ser de péssima qualidade” -- diz. O método do fracionamento surgiu em motéis do Recife e de Salvador.
Direitos
Apesar de pouco levado em conta nesses casos, o direito do consumidor também deve ser respeitado. O Procon lembra que motéis e hotéis devem prestar esclarecimentos em relação aos preços praticados, como no caso do fracionamento da estadia. Com a cabeça fria, antes de utilizar a suíte o cliente deve conferir atentamente as acomodações, os preços, as formas de pagamento e quantas horas compreendem a diária ou o pernoite. O mais seguro para que um cochilo não custe caro é pedir para avisar quando a estadia estiver perto de vencer. No caso específico dos motéis, o Procon orienta que os preços dos itens do frigobar devem ser informados previamente, por escrito.
Para não ser pego de surpresa, uma boa opção pode ser uma consulta prévia à Internet. Vários motéis mantêm páginas que informam detalhes sobre preços, características de suítes, formas de pagamento e períodos de estadia. Em um único endereço (www.nomotel.com.br), é possível acessar dados de estabelecimentos de todo o País. Basta escolher o Estado e a cidade, ou então o nome do motel. Estão disponíveis informações como quais descontos o estabelecimento oferece, como chegar, links para envio de e-mails ou para acessar o site oficial do motel procurado. O usuário pode encontrar o mesmo tipo de serviço no www.guiademoteis.com.br. Outro site, o www.moteis.com.br, também fornece dados.
Em tempos de crise, as promoções são praticamente uma regra de sobrevivência, e a Internet tem sido instrumento valioso. No primeiro site mencionado, o internauta que se cadastrar pode imprimir cupons de desconto que chegam a 50%. No caso do Le Moulin, por exemplo, o desconto é de 15% todos os dias. Já o Confidence, em Santo André, dá desconto maior, de 20% de segunda a sexta, e aniversariantes ainda ganham champanhe. O Karina, em São Bernardo, um dos mais antigos da região -- foi inaugurado em 1981 --, vai além: de segunda a sábado, 50% de desconto para quem se cadastra em site e imprime o cupom de desconto, além de vinho como cortesia para os aniversariantes.
Comportamento
As promoções parecem não ser suficientes para fazer o setor voltar aos áureos anos 1980. A utilização ou não de motéis passa também pelo lado comportamental. A família da secretária aposentada EMC., 55 anos, de Santo André, é exemplo da visão que parte dos jovens tem a respeito desses estabelecimentos. Quando seu filho começou a namorar, EMC considerou que não havia problema ele trazer a namorada para dormir em seu quarto. “Pensei na segurança. Com ele perto, fico mais tranquila” -- diz.
Quando era jovem, a secretária lembra que os casais iam a drive-ins, estabelecimentos inspirados em congêneres norte-americanos, cinemas ao ar livre onde os casais se encontravam para namorar. Em terras tupiniquins, o cinema foi deixado de lado e o namoro dentro dos carros atingia altas temperaturas, como recorda EMC. Alguns drive-ins ainda resistem com características mistas, uma vez que também contam com quartos. Um dos mais antigos é o Bingo, na Avenida Pereira Barreto, em Santo André.
“Hoje qualquer lugar é lugar para namoro. É só se arriscar a ir ao Parque Celso Daniel à noite para ver casais muito à vontade” -- diz a secretária. Prova de que novos comportamentos contribuem para a crise dos motéis.
EMC também tem uma filha, que começou a namorar recentemente. Perguntada se vai deixar que a garota traga o namorado para dormir em casa, a secretária aposentada desconversa. “Com menina é diferente...” -- afirma. Os tempos mudam, mas nem tanto.
“Um no outro, à vontade/ Sejamos mais que brasa/ Pois o inverno já vem,/ Os dois, de corpo e alma,/ Sejamos mais que flama,/ Sejamos mais que carne!”
Paul Verlaine (1844-1895), Para Ser Caluniado.
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