Economia

Diversificado, mas
fora de sintonia

MALU MARCOCCIA - 05/10/1998

Um parque grande, relativamente capacitado, mas que não se conhece entre si, desconfia de qualquer ação que integre os fabricantes e, ainda, desenvolveu uma relação de amor e ódio ao Grande ABC. A indústria de plásticos da região é verdadeiro gigante acuado. São cerca de 600 empresas que empregam entre 12 mil e 15 mil pessoas (10% do setor no País) e que, justamente pelo volume de fabricantes e pela diversidade de produtos, acabam se atropelando em nichos iguais de mercado, não estabelecem diferenciais e concorrem apenas no item preço, sem falar que o ambiente empresarial é de desmotivação. "Há fracas relações de colaboração. Vale dizer, a atmosfera industrial local não favorece a formação de clusters (agrupamentos que se tornariam mais competitivos pelo interrelacionamento)"  -- aponta sem rodeios o estudo que o Sebrae-SP (Serviço de Apoio à Micro e Pequena Empresa) encomendou à Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) para diagnosticar e achar perspectivas para esse elo da cadeia petroquímica do Grande ABC.


 


É sobre essa terceira geração da cadeia -- os transformadores de plásticos -- que a região pretende jogar luz dia 14, quando a Câmara Regional coloca no palco da Fundação Florestan Fernandes, em Diadema, todos os interlocutores interessados no processo. Com o 1º Seminário do Setor de Plásticos do Grande ABC, a Câmara Regional acha possível, literalmente, promover uma cirurgia plástica nessa indústria. "Vamos tirar o segmento dos bastidores e alinhá-lo a outras forças econômicas locais, já que o potencial é enorme. A região fabrica desde saquinhos de supermercados até sofisticados itens de engenharia automotiva" -- anima-se o gerente metropolitano do Sebrae, Eduardo Giorfi.


 


Com ele faz coro o presidente do Sindicato dos Químicos do ABC, Sérgio Novais, ao citar que o Brasil está só descobrindo a utilização desse insumo. Enquanto nos Estados Unidos o consumo per capita de plásticos é de 100 quilos, no Brasil é de 12 quilos. O estudo da Unicamp sublinha essa condição favorável, ao salientar que materiais tradicionais como vidro, metais e fibras naturais vêm sendo crescentemente substituídos por plásticos.


 


As vantagens iriam desde o menor custo de obtenção e produção, melhor desempenho pela flexibilidade e diversidade de aplicação, até o inapelável benefício da reciclagem. Não é por outro motivo que o plástico avança em segmentos como garrafas de refrigerante, componentes de veículos, em eletroeletrônicos e embalagens de remédios, cosméticos e produtos de limpeza.


 


Pedras no caminho


 


Há longo percurso, entretanto, para transformar o Grande ABC em um centro de excelência em plásticos, como quer a Câmara, inclusive seduzindo a Abimaq (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas) com projeto para instalar na região o cobiçado pólo de moldes. Das 546 empresas que constituíram o referencial para levantamento de campo e o cadastro-síntese do estudo Unicamp-Sebrae, 122 (22,3%) foram pesquisadas  detalhadamente para o traçado macroeconômico e 19 afuniladas para responder mais especificamente sobre o setor e o Grande ABC.


 


O cenário preliminar encontrado neste grupo menor (16 transformadoras e três distribuidoras de matéria-prima) dividiu-se entre mitos e verdades sobre a região. Aqueles que acham o Grande ABC importante apontaram, por ordem decrescente, benefícios como proximidade de clientes e fornecedores, grande oferta de mão-de-obra, boa infra-estrutura para escoar a produção e baixo aluguel dos galpões.


 


No extremo oposto está o grupo que não vê nenhuma dessas vantagens competitivas da região. Assinalou que a infra-estrutura é precária no sistema viário, segurança e transporte público, a mão-de-obra é desqualificada e os salários altos, além de citar a forte presença e pressão dos sindicatos. Só não se mudam porque não têm fôlego financeiro para erguer novas instalações. Sequer a proximidade dos fornecedores instalados no Pólo Petroquímico de Capuava foi apontada por este grupo como vantajosa,  porque, devido à pequena escala, acabam adquirindo insumos de distribuidores intermediários.


 


Sérgio Novais, dos Químicos do ABC, confirma essa constatação. Cita que, mesmo pagando frete a US$ 70 a tonelada, boa parte das transformadoras de plásticos traz matéria-prima dos dois outros pólos petroquímicos do País: a Copene, de Camaçari (BA), e a Copesul, de Triunfo (RS). O gargalo do Pólo de Capuava, o mais antigo do País, criado em 1972, não foi mencionado no estudo da Unicamp. Mas é outra preocupação da Câmara Regional além daquela de traçar a competitividade dos transformadores de plásticos. Antes deles estão a primeira geração -- a central de matéria-prima representada pela PQU (Petroquímica União), que transforma nafta e gás em subprodutos como eteno, xileno e butadieno -- e a segunda geração, que por sua vez transforma esses subprodutos em termoplásticos básicos (polietileno, polipropileno, PVC e poliestireno, entre outros). São destas resinas básicas que a indústria de plásticos gera peças, embalagens e produtos finais, por meio de injeção, sopro ou extrusão.


 


Mesmo não fazendo parte da indústria petroquímica diretamente, os transformadores de plásticos dependem da primeira geração. A PQU, mãe de todo o processo, poderia dobrar a capacidade para 1,1 milhão de toneladas de eteno (o principal subproduto) se a Petrobrás não resistisse em aumentar o fornecimento de matéria-prima (nafta, gás natural e gás de refinaria). O gás natural é o mais competitivo: produz 77,8% de eteno, contra 33,6% extraídos da nafta. Mas a PQU se contenta com a competitividade intermediária do gás de refinaria, que lhe exigiria investimentos menores e já disponíveis. "Não é possível pensarmos nos plásticos se não tirarmos o nó da PQU"  -- pontua Novais.


 


Capuava responde hoje por somente 21% da produção de eteno, contra 29% da Copesul e 50% da Copene. A questão complica-se para a região com a decisão favorável do governo, dada no mês passado, à aliança Petrobrás-OPP Polietilenos para criar em Paulínia, na região de Campinas, o quarto pólo petroquímico do Brasil. O estudo Unicamp-Sebrae acha isso positivo sob o ponto de vista dos plásticos, na medida em que  vai aumentar e baratear a oferta de resinas, já que Paulínia pode se aproveitar do gás natural que virá pelo gasoduto Brasil-Bolívia. O mesmo ocorreria com o projetado quinto pólo petroquímico do Rio de Janeiro, para aproveitar o gás das bacias de Campos.


 


Ações coletivas


 


A diversidade de produtos e a concentração geográfica do parque de plásticos não significa que encerrem uma emergente vantagem locacional. A aglomeração regional, na verdade, coloca o Grande ABC numa saia justa, segundo o estudo da Unicamp, porque há muitas empresas atuando em um mesmo nicho isoladamente, sem conhecer os benefícios da complementariedade e da cooperação. Há concentração, por exemplo, em peças injetadas sob encomenda, embalagens e em plásticos para a indústria automotiva. Como há muitas empresas ofertando um mesmo bem, a disputa acaba muito dependente de preços e as empresas encontram dificuldades em se posicionar no mercado. Sobretudo entre pequenas organizações, o estudo detectou que muitas não concorrem com uma marca firmada, só com preço. Aquelas com grife consolidada são geralmente multinacionais.


 


"Cada empresa deveria mapear, organizar e valorizar suas habilidades, capacidades e competências para se destacar em nichos, seja com produtos finais para o mercado revendedor, seja com itens intermediários para outras indústrias" -- recomenda a Unicamp. Isso é particularmente importante quando se vê o perfil do parque: 73,7% são pequenas organizações com até 99 empregados, 21,3% são médias (até 499 funcionários) e só 5% grandes. Ocorre que essas 5% empregam 51% do contingente. Apenas seis grandes dão trabalho a 7,9 mil pessoas, enquanto são necessárias 90 pequenas para empregar 1,9 mil funcionários, cita o estudo.


 


A Unicamp insiste, por isso, em ações coletivas e cooperativas para que as pequenas sejam beneficiadas no conjunto do setor, sobrevivam individualmente e tragam vitalidade para o Grande ABC. "É preciso nova maneira de ver a gestão interna das empresas e suas relações com outras empresas e demais agentes econômicos" -- diz o levantamento, recomendando esforços de sensibilização e capacitação do empresário, treinamento funcional e novas tecnologias. Na parte trabalhista o setor conquistou R$ 18,5 milhões para treinar 12 mil trabalhadores a partir de janeiro próximo, liberados pelo FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador).


 


A Unicamp sugere como medidas para animar o setor plástico a valorizar a troca de informações e desenvolver ações conjuntas:


 


 Departamentos coletivos de design,


 Consórcio para exportação,


 Pesquisa conjunta para uniformização da matéria-prima e para levantamento de tendências no setor e na região,


 Investimentos conjuntos em P&D (Pesquisa e Desenvolvimento) e produção de moldes,


 Central única para prestar serviços em softwares, cursos, promoção e coordenação de seminários e advocacia comum para questões trabalhistas, fiscais, tributárias e financeiras,


 Articulação conjunta Prefeitura/Estado e governo federal para que viabilizem acesso ao crédito e aumentem as compras locais,


 Articulação com outros setores e formação de um banco de dados,


 Criação de centros de apoio e difusão tecnológica, de administração, marketing e finanças.


 


Diadema e Mauá concentram dois terços das transformadoras de plásticos da região. Das 546 do cadastro-síntese, 187 (34,2%) estão em Diadema e 166 (30,4%) em Mauá. Uma curiosidade é que 72% do parque estão há mais de 10 anos no mercado, portanto, segundo a Unicamp, têm capacidade de competir e preservar os espaços conquistados. Outro ponto favorável é que 37% exportam, ou seja, têm as condições requeridas para participar do mercado externo. Das que comerciam internacionalmente, 48,8% são empresas de pequeno porte.


 


É nesse segmento das pequenas que o Sebrae concentra fichas dentro do projeto especial Proder (Programa de Geração de Emprego e Renda), origem do estudo da Unicamp. Quando fala em criar atmosfera industrial para formação de clusters (isto é, agrupamentos), a Unicamp mapeou que, se ainda não existe cultura empresarial, há no Grande ABC características técnicas favoráveis. E exemplifica como fazer girar essa roda: pode-se fragmentar o processo produtivo em itens intermediários ou finais. Isso favorece relações de subcontratação para trás (com empresas do mesmo setor para fornecimento de partes complementares), de fases (etapas do processo ou serviços complementares, como por exemplo o tratamento superficial) e mesmo de produtos acabados (para complementar a linha de artigos oferecida pela empresa contratante ou para aumentar a oferta quando a capacidade for insuficiente para atender a aumentos conjunturais de demanda). 


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