O plano diretor participativo de Santo André pode provocar uma revolução territorial com implicações diretas no cenário de potencialidades socioeconômicas. A administração se esforça para que o novo mapa do desenvolvimento urbano em elaboração com a comunidade contemple nada mais nada menos que a possibilidade de instalar indústrias em áreas atualmente vetadas pela Lei de Proteção de Mananciais. Se o projeto passar pela Câmara de Vereadores e for colocado em prática, Santo André testemunhará espécie de milagre da multiplicação de espaços disponíveis para atividades produtivas, já que 58% do território da cidade está enquadrado na lei estadual. E, o que é mais relevante no panorama da competição por investimentos: os novos espaços teriam preços reduzidos em relação aos de regiões mais valorizadas próximas ao Centro da cidade.
Quem abre esse horizonte de perspectivas para o desenvolvimento econômico sustentável é o engenheiro Maurício Mindrisz, secretário de Orçamento e Planejamento Participativo, ex-superintendente do Semasa entre 1997 e 2002, além de peça-chave no planejamento estratégico do primeiro governo de Celso Daniel. Mindrisz explica que o conceito de ocupação industrial introduzido no plano diretor participativo está sintonizado com o entendimento moderno segundo o qual desenvolvimento econômico e preservação ambiental não são conceitos incompatíveis. Pelo contrário: com o avanço das tecnologias produtivas e dos mecanismos de redução e eliminação de impactos ambientais, nunca foi tão viável praticar produção limpa e segura inimaginável nos primórdios da revolução industrial.
"As áreas de mananciais têm a função indispensável de produzir água, mas podem ser tranquilamente ocupadas até com indústrias dentro de um modelo auto-sustentável. Quando o Pólo de Capuava foi implantado pelo regime militar há décadas, as empresas petroquímicas poluíam muito. Hoje, porém, devolvem água mais limpa do que captam no Rio Tamanduateí. O mundo mudou e as leis precisam acompanhar essa evolução" -- afirma o secretário, que aponta: "O maior drama ambiental de Santo André é causado pela frota circulante. Aos 300 mil veículos da cidade somam-se 500 mil de passagem diariamente".
Maurício Mindrisz acredita que o momento para sacramentar a possibilidade de ocupação industrial em áreas de mananciais é mais do que oportuno porque se dá ao mesmo tempo em que o governo estadual sinaliza autonomia de vôo às esferas municipais em questões relacionadas ao meio ambiente. "Estão sendo aprovados planos de bacias hidrográficas nos quais vão prevalecer legislações dos municípios diretamente envolvidos. É o momento certo para aprovar a revisão da lei em Santo André" -- considera.
Para corrigir distorções
A importância da flexibilização do regime que proíbe indústrias no raio de nascentes de rios não diz respeito apenas à ampliação da oferta de espaços para atividades produtivas no Município paulista que mais perdeu riquezas industriais nos últimos 30 anos. A mudança da lei também serve para corrigir a distorção, comprovada na prática, de que a proibição para qualquer modalidade de ocupação seria a melhor maneira de preservar o meio ambiente.
"A política que proíbe tudo é um equívoco. O território torna-se impermeável a empresas, mas absorve contingentes populacionais ainda mais prejudiciais ao meio ambiente num País em que a população pobre se vê à margem da legalidade habitacional. Não adianta definir áreas como absolutamente intocáveis quando se sabe que é praticamente impossível impedir a ocupação pelos mais necessitados" -- considera o secretário, que reforça a argumentação com a informação de que as áreas de proteção de mananciais da Região Metropolitana de São Paulo abrigam perto de 1,5 milhão de habitantes.
Do ponto de vista do governo municipal, portanto, a abertura para ocupação industrial é uma maneira de atacar dois problemas com um tiro só. Evita-se a ocupação irregular e não planejada, ao mesmo tempo em que se favorece o desenvolvimento econômico. O caso da indústria química Solvay Indupa é citado por Mindrisz como espécie de símbolo do conceito de sustentabilidade ambiental e econômica incutido nas discussões do novo plano diretor.
A Solvay Indupa só está sediada no verdejante Parque Andreense, distrito de Campo Grande, porque se instalou antes da lei estadual de proteção de mananciais. Certificada pela norma ISO 14000 de representatividade ambiental a Solvay preserva 11 quilômetros quadrados ocupando pequena parcela para atividades produtivas e agiu com transparência quando enfrentou denúncias de contaminação ambiental por cal química, há quatro anos, providenciando o confinamento da área. O espaço sob tutela ambiental da Solvay é quase uma São Caetano, que tem 15 quilômetros quadrados. Além de gerar impostos e empregos, a empresa desempenha atribuição que caberia ao poder público. Independente disso, as fábricas modernas são mais compactas, capazes de produzir em espaço físico menor.
O secretário de Orçamento e Planejamento Participativo afirma que em Santo André a situação das ocupações irregulares não é tão grave quanto em outros municípios da Região Metropolitana. "Por uma questão de sorte geográfica, a grande distância das áreas de proteção em relação ao Centro e às principais vias de acesso não estimula tanto as ocupações" -- observa Mindrisz, que estima entre 28 mil e 30 mil o contingente populacional no Parque Andreense e na região de proteção nas proximidades da Vila Luzita.
Por outro lado, a condição econômica exige velocidade na tomada de decisões que tragam novos horizontes de desenvolvimento. Santo André precisa atrair indústrias para recompor ao menos parte do tônus financeiro levado pela desindustrialização. A perspectiva de acenar com terrenos a preços reduzidos e em áreas comprovadamente de qualidade de vida sugere oportunidades que não devem ser desprezadas. "É na utilização responsável dessas áreas virgens que está o futuro de Santo André" -- entusiasma-se Maurício Mindrisz, petista que está para o campo político-ideológico assim como o novo conceito de área de proteção para o cenário econômico e ambiental. Ele exibe foto sua ao lado do túmulo de Karl Marx com a mesma disposição com que fala da importância de magnetizar novas empresas.
Comunidade coautora
A preocupação em desfazer um dos grandes nós do desenvolvimento econômico municipal e regional não é a única particularidade do plano diretor que a administração pública pretende remeter ainda este ano à Câmara de Vereadores para aprovação no início do ano que vem. O plano diretor de Santo André também sai do lugar comum por ser participativo, ou seja, elaborado por meio de consultas à comunidade em plenárias realizadas nos bairros. "A comunidade é sensível à necessidade de criar empregos e a Câmara também não vai se opor à liberação de áreas para indústrias" -- acredita Mindrisz.
O caráter participativo do plano diretor não surpreende quem conhece o perfil administrativo forjado por Celso Daniel e encampado pelo vice e sucessor João Avamileno. De intervenções urbanas à formatação do sistema de saúde, passando pelas diretrizes do programa Mais Igual de urbanização de favelas e inclusão social, várias ações vêm sendo tomadas após baterias de consultas à população no contexto do orçamento participativo. "O orçamento participativo transforma a comunidade em co-autora da política de investimentos e ataca a noção ultrapassada de que a administração pública é privilégio de poucos iluminados" -- observa Mindrisz.
O plano diretor é o primeiro tentáculo pragmático do Santo André Cidade Futuro, projeto lançado em 2000 que busca estruturar o cenário municipal para 2020 com base na atuação de grupos de trabalho temáticos em nove áreas: desenvolvimento econômico, desenvolvimento urbano, qualidade ambiental, inclusão social, educação, identidade cultural, reforma do Estado, saúde e violência urbana. Assim como o planejamento estratégico, o plano diretor é instrumento de longo prazo que pretende oferecer parâmetros para o crescimento urbano nos próximos 20 anos.
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