Economia

Olho no mundo
e pés no local

ANDRE MARCEL DE LIMA - 05/09/2003

Santo André dispõe de um arsenal diversificado na batalha para resgatar o desenvolvimento econômico. Em vez de chorar o leite derramado da evasão industrial que transformou a cidade no território paulista que mais perdeu riquezas industriais nos últimos 30 anos, o poder público exercita série de ações voltadas à sustentabilidade do Município no curto, médio e longo prazos. Como um general de guerra ciente de que a vitória sobre as forças inimigas depende tanto de ações táticas, de efeito imediato, como estratégicas, de alcance prolongado, a Secretaria de Desenvolvimento e Ação Regional procura dar conta de demandas emergenciais enquanto posiciona binóculo estratégico em direção ao futuro.


 


Um dos sinais mais expressivos da preocupação em planejar o desenvolvimento para as próximas décadas é a função que Santo André assumiu na Rede Mercocidades, que envolve 27 municípios de Brasil, Chile, Paraguai, Argentina, Uruguai e Bolívia. No papel de coordenadora da Unidade Temática de Desenvolvimento Econômico Local, Santo André sediou reunião com representantes municipais de diversos países e regiões brasileiras dias 21 e 22 de julhos últimos.


 


A principal discussão do encontro realizado na Agência de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC envolveu a necessidade de estabelecer uma complementação produtiva no Mercosul, em vez de as cidades brigarem entre si. "É exatamente o que os europeus fizeram com a unificação do Mercado Comum Europeu" -- explica Jeroen Klink, secretário de Desenvolvimento e Ação Regional da Prefeitura e um dos fundadores do IEME (Instituto de Estudos Metropolitanos).


 


Para Jeroen, no contexto da globalização cidades e regiões de um mesmo continente não devem tentar produzir de tudo, mas especializarem-se em setores nos quais tenham maiores possibilidades de prosperar com base em vocações naturais e adquiridas, como acesso a matérias-primas e cultural laboral. "O fortalecimento proporcionado pela especialização produtiva nos diversos territórios permite agir em bloco com maior eficiência e competitividade tanto nos mercados internos quanto no cenário internacional" -- explica o secretário, holandês naturalizado brasileiro.


 


Faltou planejamento


 


Essa discussão pode soar abstrata ou distante demais para quem tem os olhos grudados no presente. Ou para quem estranha ações públicas cujos efeitos vão muito além da temporalidade dos ciclos políticos. Mas, se o Grande ABC tivesse se debruçado sobre o mesmo tipo de reflexão há quatro ou cinco décadas, talvez a situação socioeconômica não tivesse chegado ao ponto frágil atual. Principalmente se tivesse vislumbrado a temeridade de manter praticamente todos os ovos de riqueza e empregos no cesto outrora protegido do setor automotivo.


 


Além de propiciar ganhos de competitividade por complementaridade produtiva, a coesão embutida no conceito da Rede Mercocidades pode facilitar o acesso a financiamentos e fundos. "A união permite maior poder de barganha para buscar recursos financeiros junto aos governos federais. Da mesma forma que a Comunidade Européia investiu pesadamente em países como Portugal, Espanha e Grécia, a rede pode sensibilizar governos a investir na reestruturação de cidades" -- observa Jeroen Klink. É claro que ele se refere a Santo André e ao Grande ABC. A região precisa de um verdadeiro plano Marshall para reconstruir-se em novas bases a partir dos escombros deixados pelo governo Fernando Henrique Cardoso, em cujo período de abertura comercial sem rédeas a região perdeu 39% em Valor Adicionado.


 


Durante o encontro de representantes da Rede Mercocidades Santo André fez ainda dois lançamentos: do website da unidade temática que coordena e da revista Diálogo Econômico Local, produzida com recursos da Comunidade Européia.


 


A primeira edição da publicação focalizou experiências de microcrédito nas cidades da rede, inclusive em Mauá, São Bernardo e São Caetano, que compõem a Mercocidades ao lado de municípios brasileiros como Campinas, Rio Claro e Juiz de Fora, em Minas Gerais, além de estrangeiros como Arica, no Chile, Assunção, no Paraguai, Buenos Aires, na Argentina, e Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia. Os esforços à frente do grupo de Desenvolvimento Econômico Local tem motivo adicional: em 18 de setembro será realizado encontro da Mercocidades em Montevidéu, no Uruguai, para definir novos coordenadores das unidades temáticas. E Santo André espera ser reeleita pelos parceiros para prosseguir na coordenação.


 


Governança corporativa


 


A participação na Rede Mercocidades é apenas um dos exemplos de que Santo André pensa o desenvolvimento econômico de forma globalizada. Outro é a presença da cidade em experiência piloto da ONU (Organização das Nações Unidas) para criação do Índice de Governança Corporativa, ou UGI na sigla em inglês para Urban Governance Index. Santo André fez parte de um grupo restrito de municípios em todo o mundo a enviar para a ONU indicadores socioeconômicos necessários à definição do índice. O que motivou a participação? "Transparência em dados e informações é o atributo que instituições internacionais de crédito mais levam em conta na definição de quem financiar" -- explica Jeroen Klink, que participou em Nairóbi, no Quênia, de seminário da ONU para formatação do índice.


 


Embora pertença à região como um todo e não a um Município isoladamente, a Agência de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC deve ser observada como mais uma contribuição globalizada de Santo André. E não apenas porque está sediada no Município e dispõe de apoio permanente de funcionários da Secretaria de Desenvolvimento da Prefeitura local. A agência é legado do prefeito Celso Daniel, que transformava viagens ao Exterior em referencial de políticas públicas e novos paradigmas de gestão.


 


"Agências de desenvolvimento que extrapolam jurisdições municipais em nome da competitividade regional são instituições fortes nos Estados Unidos e na Europa" -- explica Jeroen Klink, ele próprio outro legado do ex-prefeito assassinado. Holandês naturalizado brasileiro, Jeroen assumiu inicialmente a antiga Secretaria de Relações Internacionais, transformada em seguida na abrangente Secretaria de Desenvolvimento e Ação Regional.


 


No seminário internacional sobre arranjos produtivos locais que a Agência de Desenvolvimento promove entre 3 e 5 de setembro os participantes terão oportunidade de conhecer algumas das instituições que inspiraram o exemplar regional. Representantes de agências de Itália, Alemanha e Portugal já confirmaram presença. Intitulado Seminário das Configurações Produtivas da Região do ABC Paulista, o evento representa a segunda edição do seminário Cidades Produtivas -- Cidades Inclusivas realizado no Teatro Municipal de Santo André em junho de 2002. A diferença é que o próximo tem patrocínio da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), enquanto o do ano passado contou com apoio da ONU.


 


Inspiração externa


 


Como a Agência de Desenvolvimento, o Observatório Econômico recém-lançado pela Secretaria de Desenvolvimento também é inspirado no Primeiro Mundo. O boletim trimestral criado com suporte técnico do Centro Universitário Fundação Santo André enriquece as discussões sobre desenvolvimento regional ao contextualizar dados socioeconômicos da cidade e da região diante da realidade estadual.


 


Quem conhece apenas a face globalizada pode imaginar que Santo André está voltada exclusivamente a empreitadas abrangentes sem se importar com demandas pontuais. Ledo engano. Além de olhar para o futuro, a Secretaria de Desenvolvimento se preocupa em facilitar a vida dos empreendedores. O programa Do Grande ABC Para o Mundo, por exemplo, responde à necessidade imediata de compensar a estagnação do mercado interno por meio de exportações favorecidas pela depreciação cambial. Quatro representantes de câmaras comerciais estrangeiras já foram trazidos a Santo André para dialogar com empresários sobre potenciais parcerias voltadas à prospecção do mercado internacional. Foram interlocutores da China, Itália, Alemanha e Turquia.


 


Outro trabalho de caráter pontual são os cafés-da-manhã itinerantes que a Coordenadoria de Fomento ao Comércio promove para aproximar a administração pública dos comerciantes de Santo André. O prefeito João Avamileno e secretários municipais já estiveram em vários bairros para colher sugestões de melhoria entre um gole e outro de café. Um dos encontros mais recentes foi realizado na loja Habibs do Calçadão da Rua Coronel Oliveira Lima e teve participação de profissionais do Semasa, do novo secretário de Combate à Violência, Antônio Carlos Cedenho, do secretário Jeroen Klink, além do comandante do Paço Municipal.


 


A face pragmática também se faz notar no estilo de relacionamento entre a Secretaria de Desenvolvimento e Ação Regional e empresários do setor industrial. O diretor Antonio Luiz da Silva explica que, tão importante quanto tentar atrair novas indústrias, é fazer com que as já instaladas permaneçam e se possível concretizem expansão na cidade. Para tanto, o departamento oferece serviço de orientação com profissionais que se desdobram para atender necessidades empresariais. "De orientação para obtenção de alvarás até busca de instituições de crédito para financiar projetos de expansão, fazemos o que estiver ao alcance para ajudar" -- garante Antonio Luiz.


 


Ele cita a ampliação da Power Systems como exemplo da mãozinha providencial. A empresa sediada na Rua dos Coqueiros, no Bairro Campestre, é especializada em soluções de engenharia na área de energia e aquecimento residencial e industrial. "Aproximei representantes da Power Systems e da Finep em um evento e o projeto que já estava em andamento deslanchou graças ao contato pessoal" -- relata Antonio Luiz da Silva.


 


O diretor da Secretaria de Desenvolvimento acredita que a abordagem cooperativa representa estratégia mais eficiente que a mera tentativa de enquadramento de empresas na Lei de Incentivos Seletivos acordada no âmbito da Câmara Regional. Até porque, testemunha o diretor, é praticamente impossível às empresas preencher os requisitos da lei. "A exigência de não se ter débitos fiscais com o município e a União é um grande fator limitador" -- considera.


 


O Banco do Povo representa outra ação permanente voltada a demandas prementes na área socioeconômica. O organismo contabiliza quase R$ 8 milhões em microcréditos concedidos de maio de 1998, quando foi lançado, a 31 de julho de 2003. Foram 3.651 financiamentos que beneficiaram cerca de 2,5 mil pequenos empreendedores no período. Parte dos tomadores de empréstimos recorreu ao banco mais de uma vez. "O perfil é formado por comerciantes e prestadores de serviços que buscam a sobrevivência ou acumulação simples de capital" -- explica Jorge Gouvêa, diretor do Departamento de Geração de Trabalho e Renda, subordinado à Secretaria de Desenvolvimento.


 


Âmbito regional


 


O Banco do Povo é uma iniciativa de Santo André que recentemente tomou expressão regional. Ribeirão Pires e Diadema estão em fase de credenciamento, assim como fez Mauá em novembro de 2002. O Banco do Povo também está presente em São Bernardo por meio de parceria com o Centro de Formação Profissional Padre Leo Commissari.


 


O grande apelo do Banco do Povo está nas taxas de juros bem mais modestas que as oferecida pelas instituições comerciais tradicionais. O juro médio para capital de giro e investimentos em equipamentos é de 3,9% ao mês. Diferente do Banco do Povo subsidiado pelo governo do Estado, os recursos da instituição regional têm origem em sócios como as prefeituras, Acisa (Associação Comercial e Industrial de Santo André), Setrans (Sindicato das Empresas de Transporte de Carga) e Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, além do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e da Comunidade Européia, que concedeu crédito a fundo perdido para empréstimos a moradores de favelas de Santo André.


 


Outra atividade contextualizada na chamada economia solidária é a incubadora de cooperativas. O departamento de Geração de Trabalho e Renda dá assessoria completa em formação, legalização e capacitação para que desempregados sejam recolocados no mercado de trabalho. Oito cooperativas em funcionamento envolvem 420 cooperados, entre as quais Coopcicla e Cidade Limpa, as duas maiores que mobilizam 200 trabalhadores em serviços de triagem e coleta comunitária de materiais recicláveis. Além da Coopflora, especializada em serviços de jardinagem e paisagismo, com 40 colaboradores.  


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