O prefeito Luiz Tortorello transformou-se na principal estrela da economia do Grande ABC em março. Num golpe que só o tempo definirá se é de mestre ou de prestidigitador, Tortorello lançou no início do mês o ex-vice-presidente da General Motors do Brasil, André Beer, como presidente do Conselho de Desenvolvimento Econômico de São Caetano. André Beer está no comando de uma equipe de executivos de elite recrutados na livre iniciativa e também nos quadros da Prefeitura. A proposta é colocar São Caetano na liderança de um projeto que também o prefeito Celso Daniel espera ver concretizado em Santo André: atrair empresas do terciário avançado, como são chamados os serviços de engenharia, de consultoria, de informática e de tecnologia da informação.
A expectativa de Tortorello é dar suporte às indústrias que sobraram no Município de melhor qualidade de vida da região, mas que praticamente teve o PIB congelado desde 1970. O prefeito quer transformar São Caetano numa linha complementar do gigantesco terciário qualificado da vizinha Capital. Tanto que uma das últimas grandes áreas do Município, praticamente desativada pela Cerâmica São Caetano, pode se tornar o primeiro pólo de serviços avançados se projeto da Sobloco sair das pranchetas.
A seleção de executivos liderados por André Beer tem, entre outros, o empresário Fausto Cestari, dirigente do conglomerado Fiesp-Ciesp que ajudou a fundar o Fórum da Cidadania, e o empreendedor imobiliário Aparecido Viana. A especulação sobre a queda do titular da Diretoria de Desenvolvimento Econômico de São Caetano, Jerson Ourives, não tem sentido. O posto, equivalente a de secretário municipal, contempla atividades complementares às do Conselho de Desenvolvimento.
A contratação de André Beer tem significado de fita de largada de um grande prêmio para São Caetano. O também consultor especial da General Motors é respeitado porque não costuma postergar propostas e decisões. Por enquanto, ele distribuiu tarefas a todos os membros do CDE, mas logo definirá prazos para ações -- com base nas próprias avaliações dos auxiliares.
André Beer tem fama de durão. Formado na escola administrativa da maior corporação do mundo, poucos poderiam acreditar que aceitaria convite para atuar no setor público, mesmo na condição de consultor de luxo. Por isso, o anúncio causou tanto entusiasmo em São Caetano e evidentes constrangimentos na cúpula de outros municípios da região. O relacionamento próximo com o prefeito Tortorello ajudou Beer na tomada de decisão.
São Caetano não tem alternativa para sustentar-se economicamente entre os municípios mais importantes do Estado se não superar a encruzilhada econômica de tentar minimizar históricas perdas industriais com comércio e serviços de baixo valor agregado. Deve ser vista com reserva a estatística lançada pela Prefeitura dando conta de que nos últimos quatro anos o Município viu serem instaladas 9.449 empresas, elevando para 22.275 o universo de empreendedores.
Há contraponto qualitativo que o entusiasmo quantitativo esconde. Os números contabilizam autônomos, feirantes, médicos, dentistas, terapeutas e uma infinidade de categorias que não são propriamente estabelecimentos geradores de riqueza. Um total de 150 indústrias foi catalogado como novos empreendimentos, mas todo mundo sabe que essa contabilidade não se sustenta como força desenvolvimentista. São na maioria dos casos negócios de fundo de quintal de profissionais demitidos por indústrias de porte.
O estardalhaço com que foi lançada a estatística mostra que São Caetano finalmente passou a dar tratamento especial a questões econômicas, até recentemente ignoradas. O aumento da arrecadação do ISS (Imposto Sobre Serviços) de R$ 16 milhões para R$ 31 milhões entre 1996 e 2000, conforme garante o diretor Jerson Ourives, não é conquista isolada de um Município que rebaixou alíquotas desse tributo municipal em várias categorias. O desemprego formal no Grande ABC -- estudos mais recentes somam mais de 125 mil carteiras assinadas destruídas entre 1989 a 1997 -- gerou massa de empreendedores de sobrevivência, com prevalecimento de autônomos, conforme conclui recente pesquisa encomendada pela Agência de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC junto à Fundação Seade (Sistema Estadual de Análises de Dados), braço estatístico do governo do Estado.
Fábrica de remédios
Adversário político da maioria dos prefeitos eleitos na região, já que apenas Maurício Soares, de São Bernardo, não tem a estrela do PT no peito, Luiz Tortorello saiu ileso do inusitado resultado de uma reunião do Consórcio dos Prefeitos realizada em Rio Grande da Serra. Sem a constante presença de Tortorello, os demais prefeitos da região decidiram aprovar a criação de uma fábrica de remédios genéricos. O assessor técnico do Consórcio, Renato Maués, afirma que basta investimento de R$ 1,5 milhão para erguer a fábrica que, segundo garante, apresentará retorno de R$ 500 mil por ano. A produção anual seria de 10 milhões de comprimidos.
A idéia, independente da viabilidade como negócio, não deixa de ser contrasenso num período da história nacional em que o setor público, comprovadamente ineficiente como empreendedor, está sendo arrancado da direção das últimas estatais que restam no País.
Otimismo manipulado
Situação mais estranha que a proposta dos genéricos, mas que combina com a louca paixão de destilar otimismo e triunfalismo mesmo nas piores situações, envolveu o anúncio da proposta do PDV (Plano de Demissão Voluntária) da Multibrás, que até fevereiro do próximo ano deixará São Bernardo e um estoque de 1.050 desempregados. O secretário de Desenvolvimento Econômico de São Bernardo, José Humberto Celestino Macedo, seguindo à risca a cartilha da dissimulação que a deserção impõe, disse que o pacote é inédito na região. O conjunto de benefícios é mesmo estratosférico e comprova o chamado Custo ABC. Já José Lopes Feijó, secretário-geral do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, foi mais comedido no entusiasmo: "Do ponto de vista financeiro, foi um grande acordo, mas o sindicato não comemora".
Dias depois, o presidente do mesmo sindicato, Luiz Marinho, voltava dos Estados Unidos. Foi tratar com a direção internacional da Ford sobre a manutenção da fábrica e dos empregos em São Bernardo, ameaçados por fontes não reveladas. Marinho voltou feliz porque garantiu os três mil empregos horistas até 2006, depois de negociar programa de demissões voluntárias para 300 funcionários igualmente da produção. O entusiasmo não conseguiu esconder uma antiga discriminação sindical: os 1,5 mil trabalhadores não horistas, vistos sempre como pelegos, estão fora do acerto. A Ford de São Bernardo já teve mais de 12 mil funcionários.
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