Economia

São Caetano em
busca do futuro

ANDRE MARCEL DE LIMA - 05/07/2006

São Caetano enfrenta claro desafio: não deixar a peteca da qualidade de vida e dos indicadores sociais de Primeiro Mundo cair por conta dos estilhaços da desindustrialização que acometeu o Grande ABC e a Região Metropolitana de São Paulo. Historicamente beneficiada pela limitação territorial em 15 quilômetros quadrados, diretamente responsável pela população diminuta e seleta de 140 mil habitantes, e pelo passado de bonança industrial, São Caetano conquistou lugar entre as líderes em renda per capta e se notabiliza como campeã nacional de IDH, o Índice de Desenvolvimento Humano da ONU (Organização das Nações Unidas), que considera indicadores de saúde, educação e desenvolvimento econômico. Mas o patrimônio de poder aquisitivo e bem-estar precisa ser preservado. Se não tapar os buracos deixados pelas indústrias que se foram com consolidação de novo segmento, capaz de conduzir o necessário ciclo de desenvolvimento, a sustentabilidade dos serviços públicos e dos indicadores de fazer inveja estará gravemente ameaçada.


 


A análise é de Fausto Cestari, titular da Diretoria de Desenvolvimento Econômico e vice-presidente do Condec (Conselho de Desenvolvimento Econômico). Longe do ufanismo que já contaminou lideranças públicas e privadas da região, Fausto Cestari esbanja sobriedade ao esquadrinhar o futuro de São Caetano com base na situação atual e no que enxerga como condições favoráveis e desfavoráveis de competitividade.


 


As avaliações não configuram novidade para quem acompanha LivreMercado, mas sempre vale a pena repisar certas verdades, principalmente quando pronunciadas por alguém com vivência regional. Fausto Cestari foi diretor-titular do Ciesp de Santo André, que agrega as filiais de Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, diretor de Integração Regional do Ciesp central, responsável pela articulação das 32 diretorias regionais espalhadas pelo Estado, participou do extinto Fórum da Cidadania e até se candidatou a deputado no contexto do movimento Vote no Grande ABC.


 


Apesar de não utilizar expressões mais certeiras e contundentes como desindustrialização ou evasão industrial, Fausto Cestari reconhece o fenômeno ao expor dados tributários que justificam o desbravamento de novos caminhos. “Há 30 anos o ICMS (Imposto Sobre Mercadorias e Serviços) representava 70% das receitas. Hoje atinge 26%, pouco mais que os 24% relativos ao ISS (Imposto Sobre Serviços)” — ilustra o executivo.


 


ICMS é subproduto de atividade industrial cujo repasse pelo governo do Estado depende essencialmente de Valor Adicionado, medida de produção de riqueza que registrou queda de 34,5% no Grande ABC nos oito anos do governo Fernando Henrique. Já o ISS decorre de serviços prestados não necessariamente nos limites municipais, desde que a sede da empresa esteja registrada na cidade. Por isso, a arrecadação desse tributo explodiu durante a guerra fiscal patrocinada pelo ex-prefeito Luiz Olinto Tortorello, antes da instituição de piso mínimo nacional.


 


Além de enfatizar a convergência de ICMS e ISS, Fausto Cestari destaca que o IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) sobre cerca de 45 mil residências contribui com apenas 6% do orçamento. A intenção da afirmação é clara, embora o executivo prefira não expor com todas as letras: mostrar que a tributação sobre atividades imobiliárias apresenta limites, de modo que o vácuo da produção industrial jamais será preenchido com a multiplicação de casas e apartamentos. “O Condec está envolvido nas discussões do plano diretor para garantir espaços para atividades produtivas. Até porque o crescimento habitacional sem limites pode afetar o equilíbrio urbano” — observa Fausto Cestari, referindo-se ao bem mais precioso da cidade que teve a sorte de não ser afetada pela explosão demográfica que desfigurou outros municípios da região, especialmente a partir da década de 1950. A exemplo da guerra fiscal do ISS, verticalização com impacto tributário foi uma das marcas da administração Tortorello.


 


Adeus indústrias


 


Se a queda do pulso produtivo reflete na arrecadação e não adianta construir mais e mais prédios residenciais para compensar as perdas, qual caminho é indicado para que São Caetano reencontre o desenvolvimento? Em primeiro lugar, Fausto Cestari reconhece que a indústria não retornará à cidade pelo simples motivo de que a alta cotação dos poucos terrenos disponíveis inviabiliza a instalação de empreendimentos que requeiram áreas amplas e que são intensivos em mão-de-obra. “A saída é apostar na atração de empresas que embutem alto valor agregado em pequeno espaço físico. E o segmento que melhor preenche esse requisito é o de tecnologia de informação” — destaca.


 


O setor conhecido pela sigla internacional IT (Information Technology) é baseado no desenvolvimento de softwares e tem a norte-americana Microsoft — do bilionário Bill Gates — como símbolo máximo. Não surpreende, portanto, que tenha virado objeto de desejo de muitas cidades metropolitanas zonzas com a desindustrialização. A concorrência é grande, mas Fausto Cestari acredita que São Caetano reúna condições especiais para se transformar em pólo nacional. Ele se refere especificamente aos indicadores que transformam São Caetano em oásis de qualidade de vida em meio à caótica Grande São Paulo. “Temos alto índice de participação de jovens no ensino universitário, um dos maiores índices de inclusão digital do País, renda per capta expressiva e outras características que atraem a chamada indústria do conhecimento” — cita, ao destacar o sétimo lugar em recente pesquisa nacional sobre as melhores cidades para se trabalhar, publicada pela revista Você S.A, da Editora Abril.


 


A convicção de que esses indicadores pesam favoravelmente nas decisões locacionais está baseada em observações. “Muitas empresas que vieram para São Caetano inicialmente atraídas por incentivos fiscais acabaram permanecendo por causa dos aspectos positivos da cidade” — comenta.


 


A missão da Diretoria de Desenvolvimento Econômico é converter empresas de tecnologia da informação em espécie de âncora de ações planejadas ao adensamento do setor. Há cerca de um ano, 30 empresas de tecnologia da informação se reúnem no Conselho de Desenvolvimento Econômico para discutir temas comuns e ajudar o Poder Público a traçar políticas e arregimentar parceiros e investidores. O grupo é coordenado por Francisco Antonio Soeltl, presidente da Micropower, especializada em programas de ensino a distância. A primeira ação já está definida: criação de uma incubadora cujas especialidades deverão ser complementares às das que já estão em operação. Como a incubadora deverá ser instalada no chamado Centro Tecnológico Cerâmica, anunciado há anos mas ainda longe da conclusão, é arriscado estipular prazo de implementação.


 


O Centro Tecnológico Cerâmica corresponde à tentativa, por enquanto frustrada, de proporcionar reocupação a megaárea de 360 mil metros quadrados que, no passado, acolheu a Cerâmica São Caetano. À época do anúncio, agentes imobiliários alardearam a criação de milhares de empregos, mas o projeto que mescla escritórios, residências e até um shopping não saiu do papel. A Construtora Sobloco participa das reuniões das empresas de tecnologia de informação no Condec.


 


Fausto Cestari relativiza a letargia das obras do Centro Tecnológico ao argumentar que o atraso é típico de empreendimento grandioso em um País que não cresce, ou cresce pouco. Mas sabe como ninguém que a agilização parametrizada a uma nova vocação econômica é essencial para que São Caetano reencontre o caminho do desenvolvimento. 


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