A revista Exame, bíblia do capitalismo nacional, traz na edição desta quinzena uma amostra da encrenca em que se meteu o nosso setor industrial desde que os metalúrgicos de São Bernardo, no final dos anos 1970, decidiram mostrar força no relacionamento com as grandes empresas automotivas. O título da matéria (“A fábrica-problema”) é corrosivo à imagem da Província porque simboliza o dramático mas pouco debatido estágio de baixa competitividade regional.
Os triunfalistas, os ufanistas e as polianas da Província vão odiar a Exame, assim como não toleram este jornalista que há muito se dedica também às nuances econômicas da região. A matéria de Exame limita-se à fábrica da Mercedes-Benz em São Bernardo, colocando-a em confronto com outras unidades do segmento e também com a fábrica da multinacional em Minas Gerais. Poderia ser mais abrangente, mas talvez fosse desnecessário. A mensagem que a reportagem transmite aos empreendedores que supostamente gostariam de desembarcar na região é simples: corram porque aqui o bicho do sindicalismo pega, embora a mídia regional ignore o assunto e prefira sempre e sempre dedicar espaços à classe política de incompetência quase generalizada. Mais que isso: o colunismo social ocupa muito mais centímetros de impressão que as atividades econômicas locais.
Resumindo o resumo do texto da publicação da Editora Abril, três pontos saltam aos olhos dos leitores porque são destacadíssimos na edição:
1. Baixa Produtividade – Seu índice de produção (referindo-se à fábrica de São Bernardo) por funcionário é 50% menor do que o de uma fábrica de caminhões da própria Mercedes-Benz em Juiz de Fora, Minas Gerais.
2. Altos salários – A remuneração média dos operários da linha de montagem é cerca de 6.000 reais, o dobro do que paga a concorrência.
3. Máquinas ociosas – Cerca de 60% da linha de produção está parada. Tem capacidade para fabricar 80.000 caminhões por ano e produziu 35.000 em 2013.
Desgaste antigo
É verdade que nada disso e mais alguns pontos abordados na matéria de Exame não são novidade para quem acompanha as publicações impressas e virtuais deste jornalista. Foram tantas as matérias que produzi pessoalmente aqui nesta revista digital e também no comando da redação da revista LivreMercado sobre o peso trabalhista regional como elemento do chamado Custo ABC que basta uma busca em nosso acervo digital para emergiram dezenas de textos.
Talvez a mais importante reportagem que produzi ao longo dos anos sobre o assunto, elevada à Reportagem de Capa de LivreMercado contou com um título provocativo, abusado até, mas coerente com aquela realidade que não é muito diferente da atual, embora muito se faça para escamotear. “Quem vai desativar a bomba sindical”, publicada nestes termos na edição de agosto de 1998 de LivreMercado, mostrava, em detalhes e com base em fontes inquestionáveis, no caso os próprios dirigentes do setor automotivo e também os sindicalistas, como estávamos fora do jogo jogado no setor de transformação industrial do País, notadamente entre os fabricantes de autopeças e montadoras de veículos.
Lembro-me que aquela reunião no topo do edifício do Paço Municipal de São Bernardo, comandada pelo então prefeito Maurício Soares, foi uma tentativa de aproximação entre capital e trabalho para minimizar os efeitos do desgaste do material de competitividade da região no setor industrial.
Enquanto o Diário do Grande ABC deu apenas uma notinha curta e editorialmente acanhada sobre aquele encontro, transformei o calhamaço de dados que obtive informalmente de uma fonte do setor automotivo em grande reportagem. Jamais até então se tinha, oficialmente, a mensuração do quanto a Província do Grande ABC estava deslocada em custos de produção do restante do País que começava a descentralizar unidades de produção de veículos de passeio.
A reportagem da revista Exame é muito oportuna e esclarecedora à grande parcela de consumidores de informações que eventualmente imaginam que a Província do Grande ABC siga a nadar de braçadas na área industrial. Sem contar que retira dos ombros deste jornalista (e estou me lixando aos os idiotas juramentados, quando não preguiçosos em informarem-se) a pecha de pessimista que um e outro leitores carimbados por interesses dos poderosos de plantão tentam me pespegar.
Efeitos cortantes
Os efeitos da matéria daquela prestigiadíssima publicação sobre o potencial de investidores na região deverão ser cortantes. Esse raciocínio é válido apenas a uma camada provavelmente incrivelmente alheia aos quadros regionais e nacionais de potenciais investimentos, porque há muito tempo a região está fora dos radares que quem enxerga o capitalismo sob ótica pragmática.
Somente em casos muito específicos, de vantagens que vão muito além da logística encalacrada, receberemos empreendimentos industriais. Os custos elevadíssimos do setor automotivo contaminam as demais atividades, como tanto se reclamou no passado. É verdade também que houve quebra de custos adicionais da pauta sindical nas pequenas e médias empresas industriais, como LivreMercado também revelou há um bocado de tempo, mas quem gira mais diretamente no entorno da indústria automobilística não tem perdão: ou dá o que o sindicalismo pretende manter como estrutura da revolução corporativa iniciada por Lula da Silva ou desce aos infernos de estripulias geralmente pouco detectadas pela mídia.
Não pensem os leitores que estou a condenar linearmente os ganhos econômicos e sociais obtidos pelos sindicalistas da região ao longo dos tempos. Embora faça uma porção de restrições à metodologia empregada e não caia na bobagem de dizer que o peso dos sindicatos não foi relativamente decisivo ao esvaziamento industrial da região, aquele movimento e suas consequências são ganhos e perdas com os quais convivemos.
Por isso, precisamos analisar profundamente as transformações que se deram com os desdobramentos do sindicalismo arredio de modo a buscar alternativas que minimizem o longo estágio em que nos encontramos, de baixas condições à atração de capitais produtivos.
São Bernardo do sindicalismo mais encardido (para os empresários) e mais criativo (para os trabalhadores) não consegue espalhar para o conjunto da Província do Grande ABC inteligência estratégica desejada para quem comanda em números a economia regional. Entre outras razões pesa o fato de que o insumo acinzentado escasseia entre empresários, sindicalistas e gestores públicos presos a paradigmas obsoletos.
Transpiração e inspiração
Há distanciamento quilométrico entre a transpiração dos dirigentes públicos e privados com atuação no setor econômico e a inspiração de outras regiões e Estados. Os desafios estão aí e jamais são atacados para valer. A reportagem de Exame sobre a fábrica-encrenca da Mercedes-Benz até que é generosa, porque poderia ser ampliada. Somos uma Região-problema, com algumas ilhas de prosperidade competitiva, as quais encontram muitas restrições a ajustes de produtividade. O aperto sindical impede o equilíbrio entre receitas gerais e custos trabalhistas tendo outras unidades da Federação como referenciais num País entre os últimos no ranking de eficiência. Nossa produtividade é apenas 20% da produtividade média do trabalhador norte-americano, por exemplo.
Estamos completamente fora do mapa de aportes financeiros que permitam a chegada de unidades industriais suficientemente fortes para sacudir o território regional. O desembarque da fábrica do Gripem, em São Bernardo, além de exceção à regra, se deve, basicamente, a relações diplomáticas e outras coisas menos conhecidas da Administração do prefeito Luiz Marinho, sindicalista de viés mais moderado quando à frente dos metalúrgicos de São Bernardo mas nem por isso disposto a reduzir em escala significativa o Custo ABC. Essa expressão foi tangida por lideranças empresariais em tempos de baixa competitividade, quando logística era apenas o caminho mais curto entre dois pontos, não, como agora, o caminho que se percorre em menor tempo entre dois pontos.
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