Sei que não é fácil investir milhões acreditando-se que se descobriu uma mina de ouro e, em seguida, dar de cara com o fracasso ou, no mínimo, para ser bonzinho, com um cenário de desolação. Mas não é preciso continuar a ludibriar a boa-fé do público para amenizar o prejuízo, porque o prejuízo pode atingir a imagem da publicação. A manchete do Diário do Grande ABC de domingo, “Cinema garante fluxo e vendas maiores no Atrium e no Golden” é uma baita enganação das fontes de informação.
Tirar a bunda da cadeira e ir até o local do crime é regra jornalística sempre atual. O Golden e o Atrium são fracassos que jamais serão salvos pela simplicidade de instalar cinemas, por mais que cinemas sejam potencialmente chamarizes. Até porque as salas de espetáculos vivem às moscas durante a semana. Se cinemas resolvessem a gravidade de baixo fluxo dos dois shoppings, bastaria substituir um terço dos espaços vazios por novas salas de espetáculo.
Faço um desafio a quem quiser do Diário do Grande ABC e também aos responsáveis pelos dois shoppings que vieram recentemente para uma Província do Grande ABC que só existe em estatísticas furadas: vamos juntos de segunda a sexta-feira a todos os cinemas de shoppings disponíveis na região e apostaremos sobre o número médio de frequentadores em cada sessão. É uma lástima. A aposta também vale para o fluxo de clientes nas lojas. Muito aquém do necessário.
As sessões noturnas dos finais de semana salvam alguns pedaços da lavoura. Mas não completamente toda a lavoura. As lavouras de custos pesadíssimos dos shoppings não se salvam assim tão facilmente. Considerar que cinemas, mesmo cinemas densamente frequentados, retiram os shoppings das pasmaceiras, é brincar com a realidade dos fatos.
Sessões canceladas
A matéria do Diário do Grande ABC percorreu caminho de ilusionismo puro. Aquela foto que ilustra a reportagem é uma foto de final de semana ou de algo sazonal durante a semana. A regra geral é inquietantemente outra: os cinemas, mesmo de shoppings já consolidados, sucessos de público e de bilheteria, estão sempre à espera de um ou dois frequentadores para não passar pelo vexame de ter sessões canceladas. E sessões canceladas são comuns nos cinemas de shopping da região.
Se querem saber, vou dizer: já me senti várias vezes em sessão privativa como espectador de filme em shopping. Pelo menos uma vez por semana dou um jeito de reprogramar a agenda para criar espaço vespertino e acompanhar algum lançamento. Religiosamente tenho sempre uma tarde semanal para me dirigir a uma das salas de cinema de shoppings da região. Durante as duas décadas de LivreMercado jamais poderia imaginar esse entretenimento. Tampouco durante os 15 anos de Diário do Grande ABC, nas décadas de 1970 e 1980 quando, igualmente, era um escravo e vivia no piloto automático de trabalho-casa-casa-trabalho.
Não vou a cinemas de shopping apenas como cinéfilo comedido que detestou a lavagem de dinheiro de Noé, um filme de supostos US$ 135 milhões, ou que vibrou com a singeleza de Flores Raras, entre tantas fitas que assisti nos últimos anos. Também vou como jornalista. Pergunto a quem entende do riscado (os funcionários das companhias, que passam o dia e a noite inteiros com o público) sobre o andar da carruagem do movimento de bilheterias. Sobram lamúrias. O que vejo não é algo conspiratório do destino, de só faltar gente naquele período. É uma rotina.
Portanto, não caio na ladainha de produtores de ondas sobre a recuperação (até então negada) dos novos shoppings instalados na região por conta do fluxo proporcionado pela chegada de salas cinematográficas. Bobagem pura, enganação pura. Como o foram, aliás, e continuam a ser, portanto, os balanços mais que ficcionais dessas mesmas fontes sobre a ocupação de lojistas, um fracasso ante os anúncios de sucesso retumbante no período que antecedeu e que também sucedeu as respectivas inaugurações, no final do ano passado.
Contratos leoninos
O aumento do número de lojistas nos últimos dois meses só elevou o grau de insatisfação individual dos empreendedores, porque a divisão dos consumidores tornou-se elemento adicional de competitividade fracionada. Há novos lojistas mesmo diante do desencanto geral porque cláusulas contratuais leoninas tornam o rompimento de compromisso de instalação muito mais desvantajoso que a certeza de que o negócio dificilmente deixará de ser catalogado como aventura. A primeira opção tem o sentido de jogar a toalha antes da luta começar. A segunda oferece uma janela de esperança.
Qualquer dia desses voltarei a aferir o efetivo número de lojistas do Atrium e do Golden. Como já demonstrei em várias matérias, não confio um tiquinho nas informações que saltam na imprensa regional sobre o assunto. O setor de shopping tem parentesco visceral com o mercado imobiliário: remove todas as eventuais montanhas de desconfiança que a mídia potencializa apresentar até que o pessoal da propaganda bate na porta da redação com ordens desnaturadas.
Total de 1894 matérias | Página 1
21/11/2024 QUARTO PIB DA METRÓPOLE?