Economia

Argentinização agrava ainda mais
quadro econômico da Província

DANIEL LIMA - 25/04/2014

A argentinização da economia da Província do Grande ABC agrava os problemas da economia da Província do Grande ABC. A construção da frase aparentemente estranha tem o objetivo explícito de incentivar a memorização do alerta. Argentinização é a dependência cada vez maior da principal estrutura econômica da região – o setor automotivo – do mercado consumidor portenho. Um desastre em matéria de planejamento setorial do País, como se houvesse planejamento setorial no País. O que existe são aproximações erráticas ditadas pela diplomacia centro-esquerdista. Nosso mercado automotivo está cada vez mais próximo do Terceiro Mundo – e cada vez mais distante do Primeiro.


 


A crise na Argentina já nos atinge duramente. Não se tem ainda a exata dimensão do que poderá ocorrer com as sobras de veículos de passeio, de veículos pesados e de autopeças locais num momento de forte retração nas vendas internas. Como se não bastasse a baixa competitividade da indústria automotiva local, atrasadíssima em relação a outros centros de produção do País. E olhem que tudo isso ocorre após série de investimentos nessas que são unidades pioneiras do setor, a bordo da industrialização iniciada nos anos 1950. Não há tecnologia, por mais eficiente que seja, capaz de romper com os grilhões de imposições trabalhistas que, por exemplo, mantêm milhares de funcionários confessadamente em excesso nas fábricas.


 


Estamos encurralados, mas nos comportamos como os músicos do Titanic: ainda outra noite a Acisa (Associação Comercial e Industrial de Santo André), que vive provavelmente sua maior crise institucional (e isso é muito, contando-se que o passado de mudanças estruturais de Santo André provocadas pela entidade é pífio) explicitou descaradamente o apoio à mediocridade gerencial do prefeito Carlos Grana ao festejar com atraso e deboche mais um aniversário de uma cidade que, comprovam os números, mais debilidades registrou na geração de PIB (Produto Interno Bruno) nas duas últimas décadas.


 


A Doença Holandesa da indústria automotiva que nos persegue mantém rota devastadora. Não é improvável que os anos de chumbo do governo Fernando Henrique Cardoso voltem a nos assombrar, embora com enredo diferente. A descentralização de plantas e a invasão de investimentos estrangeiros de FHC seriam substituídas por excesso de produção nacional, fragilidades estruturais da região e erros clamorosos de políticas setoriais.


 


Situação complicada


 


A política federal de incentivar a produção e a venda de veículos não se esgotou, é verdade, mas perdeu força claramente. Os juros elevados, a demanda retraída, a inflação, os competidores em número cada vez maior, a baixa competitividade de produtos saídos das fábricas locais por conta de custos históricos elevados, as mordomias obtidas pelos metalúrgicos nas relações trabalhistas, a logística encalacradora, tudo isso e muito mais nos colocam de joelhos. Só não percebe quem não quer. Ou tem preguiça.


 


Não bastassem esses obstáculos que atingem diretamente o setor que sustenta o desenvolvimento econômico da Província do Grande ABC, ainda carregamos passivo cada vez mais corrosivo: a fama de que por estas bandas grassa a desgraça da corrupção sistêmica, de taxas e taxas informais a novos investimentos, de propinas e mais propinas para quem pretende empreender em qualquer que seja a área, porque a grande área está disponível aos matadores da esperança de uma reação que tarda e falha.


 


A Província do Grande ABC desta segunda década de um novo século é o fim da picada em empreendedorismo porque caiu na farra do abuso escamoteado. Estamos fora da rota de negócios de porte que geram riquezas porque, entre outras razões, há uma cultura de perpetuação de custos trabalhistas sobressalentes, de proteção extra-trabalhista que não nos abandona. Muito pelo contrário: se fortalece, porque à maioria dos sindicatos interessa manter nichos de produção gerados ao longo dos tempos, mesmo que esses nichos sejam cada vez mais seletivos.


 


Faltam números oficiais sobre a incidência da venda de veículos produzidos na Província do Grande ABC e vendidos ao mercado argentino, o mais importante da pauta de exportação do setor. Depender dos humores e horrores econômicos e políticos da Argentina é um tiro no pé da cautela a qualquer País. O Brasil caiu na armadilha ideológica de aproximação exponencial com os incorrigíveis argentinos.


 


Queda comprometedora


 


As exportações de veículos para a Argentina caíram 30% até a semana passada em relação ao mesmo período do ano passado. Qual será a fatia das montadoras da Província? Provavelmente maior que a média anunciada, a julgar pelo movimento das pedras de medidas trabalhistas em forma de licenças remuneradas, demissões, férias e outras modalidades.


 


A situação externa de uma Argentina quase monopolizadora da demanda por veículos exportados e o arrefecimento interno da economia causam estragos consideráveis à Província do Grande ABC. E também revelam até que ponto chega o despautério trabalhista.


 


O caso da Volkswagen é emblemático. A empresa colocará em lay-off (licença remunerada) cerca de 900 trabalhadores entre os 12,5 mil profissionais que atuam na unidade de São Bernardo. Vai se estender por cinco meses o afastamento desses 7,2% do contingente de trabalhadores. A Volks fabrica 1,3 mil veículos diariamente e não sofrerá qualquer abalo porque, dito pelo próprio secretário-geral do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Wagner Santana, haveria excedente de mil trabalhadores no chão da fábrica.


 


Quem paga a conta suplementar em forma de baixa produtividade são os consumidores de produtos, entre os mais caros no ranking internacional e, por isso mesmo, uma das razões do estreitamento do mercado exportador. Sobram, por isso mesmo, abacaxis como a Argentina.


 


As mordomias trabalhistas na Volkswagen de São Bernardo têm estreita semelhança com os quadros de comissionados que infestam o setor público e que resistem inclusive à troca de comandos nas prefeituras e outras instâncias de poder, porque há migração sistemática em direção a redutos dos mantenedores ideológicos, programáticos ou nem uma coisa nem outra, apenas cabos eleitorais permanentes.


 


Emprego garantido


 


O secretário-geral do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo revelou ao Diário do Grande ABC que, desde 2012, aprovou-se um acordo com a multinacional que, acreditem, torna o efetivo de trabalhadores intocável até 2017. O acordo diz isso mesmo, que todos eles têm emprego garantido por cinco anos. Por isso, o lay-off é apenas um detalhe. Um detalhe que vai desembocar no agravamento de despesas do governo federal, porque os licenciados terão bolsa do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) e garantirão complementaridade dos salários com aporte da Volkswagen. Nenhum trabalhador afastado deixará de receber salário líquido como se estivesse produzindo. Ou seja: FAT e Volks repartem o custo do descanso premiado.


 


A estabilidade no emprego que se imaginava prerrogativa exclusiva do setor público espalha-se por atividades privadas sob o controle de sindicatos com poder de fogo e alinhados a politicas federais determinadas a dinamitar regras claras de competitividade da iniciativa privada.


 


Mas tudo isso ainda é pouco. O Estadão desta semana noticiou que montadoras e sindicatos pretendem criar um sistema nacional de proteção ao emprego. A proposta é adotar um programa similar ao da Alemanha, que prevê em tempos de crise o afastamento de trabalhadores sem que sejam demitidos. Eles continuam vinculados à empresa e recebem seus salários, boa parte paga pelo governo. Querem espalhar e ampliar ao conjunto das indústrias as mordomias obtidas a fórceps na Volkswagen.


 


Pelo novo modelo em discussão, segundo o Estadão, a dispensa teria duração de até dois anos, mas não é integral. A jornada de trabalho seria reduzida em 20% a 50% e o governo arcaria com 60% a 80% do valor equivalente às horas reduzidas. A diferença seria bancada pelas empresas, e o trabalhador arcaria com parcela menor da redução.


 


Bolsa Metalúrgico


 


O jornalista Elio Gaspari, em sua coluna na Folha de S. Paulo, não resistiu à notícia do Estadão. Mordaz, contundente, não perdoou a manobra. Só desfilou uma dúvida: se a medida deveria se chamar Bolsa Montadora ou Bolsa Metalúrgico. Vejam alguns parágrafos do texto de Elio Gaspari:


 


 O mecanismo alemão foi acionado pela primeira vez no século passado, quando a banda federal engoliu a comunista. Depois, em 2009, diante da crise financeira mundial, quando a venda de veículos caiu 30% e o PIB do País sofreu uma contração de 4%. Nada a ver com o que sucede no Brasil, onde a taxa de desemprego é baixa. (...) A proposta assemelha-se mais a uma empulhação do que a um programa social. Mais um caso em que a sacrossanta “destruição criadora” do capitalismo é reciclada no Brasil, destruindo a Bolsa da Viúva para criar puxadinhos de cartórios. (...) Se os empresários e sindicalistas estão diante de uma crise, devem botar a boca no mundo, expondo as razões pelas quais as vendas de veículos caíram. É verdade que isso não faria bem à campanha eleitoral de Dilma Rousseff e de seu comissariado. Coisas da vida. O que não se pode é viver num país sem problemas, importando-se um mecanismo de amparo social usado na Alemanha quando ela estava engolindo a nação sucateada ou quando o mundo estava se acabando. Resta também discutir o tamanho da conta. É uma Bolsa Metalúrgico ou uma Bolsa Montadora?


 


Fugindo da realidade


 


A Província do Grande ABC foge como o diabo da cruz quando entra em campo qualquer pauta de iniciativas profiláticas à dinamicidade da economia. A crise automotiva, que assusta o grosso da sociedade regional porque as montadoras são apenas a parte mais reluzente do estoque de empregos, com influência nas redes de fornecedores, haverá de ser colocada à mesa de debates. Até porque, nada resiste ao bolso vazio. Nem mesmo a preguiça institucional generalizada destas terras de 30 mandachuvas e 200 mandachuvinhas.


Leia mais matérias desta seção: Economia

Total de 1894 matérias | Página 1

21/11/2024 QUARTO PIB DA METRÓPOLE?
12/11/2024 SETE CIDADES E SETE SOLUÇÕES
07/11/2024 Marcelo Lima e Trump estão muito distantes
01/11/2024 Eletrificação vai mesmo eletrocutar o Grande ABC
17/09/2024 Sorocaba lidera RCI, São Caetano é ultima
12/09/2024 Vejam só: sindicalistas agora são conselheiros
09/09/2024 Grande ABC vai mal no Ranking Industrial
08/08/2024 Festejemos mais veículos vendidos?
30/07/2024 Dib surfa, Marinho pena e Morando inicia reação
18/07/2024 Mais uma voz contra desindustrialização
01/07/2024 Região perde R$ 1,44 bi de ICMS pós-Plano Real
21/06/2024 PIB de Consumo desaba nas últimas três décadas
01/05/2024 Primeiro de Maio para ser esquecido
23/04/2024 Competitividade da região vai muito além da região
16/04/2024 Entre o céu planejado e o inferno improvisado
15/04/2024 Desindustrialização e mercado imobiliário
26/03/2024 Região não é a China que possa interessar à China
21/03/2024 São Bernardo perde mais que Santo André
19/03/2024 Ainda bem que o Brasil não foi criado em 2000