Economia

Até quando vamos dormir?

ANDRE MARCEL DE LIMA - 05/10/2004

Responsável por 9% do PIB (Produto Interno Bruto) estadual, o Grande ABC ainda não despertou para o manancial de oportunidades proporcionado pelo parque industrial que permanece entre os mais fortes do País mesmo após evasão e globalização. O turismo de negócios deveria ser ramificação natural de receitas e empregos para a região que foi o berço da industrialização brasileira e ostenta o terceiro potencial de consumo do País, mas a falta de senso de oportunidade condena a paradoxo desanimador. Sem pavilhão para feiras e convenções -- que viria a ser espécie de Anhembi regional -- o Grande ABC se restringe a observar a banda dos grandes eventos corporativos passar pela janela, como a moça na canção de Chico Buarque.


 


E se trata de orquestra porque o turismo de negócios é vigoroso. Dados da Ubrafe (União Brasileira dos Promotores de Feiras) dão conta de que o segmento quadruplicou nos últimos 12 anos. Até o final de 2004 serão realizadas no Brasil 161 feiras com participação de 38 mil empresas expositoras e seis milhões de visitantes, números muito mais robustos que os 38 eventos e 7,5 mil expositores de 1992, além de sensivelmente maiores que as 144 feiras, 33,5 mil empresas e 5,8 milhões de visitantes do ano passado.


 


Além de incrementar negócios para expositoras, que chegam a vender até três meses de produção em um único evento, as feiras giram dezenas de engrenagens econômicas. De empresas especializadas em limpeza, segurança, serviços elétricos e montagem de estandes, passando por restaurantes, hotéis, shoppings e taxistas, todos se beneficiam com o fluxo de visitantes nacionais e internacionais. O fortalecimento do turismo de negócios por meio da criação de centro de exposições regional cairia como luva para o Grande ABC que precisa desenvolver o terciário de alto valor agregado para amenizar as perdas industriais. Principalmente porque, conforme indicam pesquisas, o turista de negócios gasta de duas a três vezes mais que o turista de lazer.


 


Dotada de pavilhões como Anhembi, Expo Center Norte e Centro de Exposições Imigrantes, a Capital paulista é o epicentro do fenômeno por acolher 75% das feiras realizadas no País. Os 120 eventos programados para a cidade em 2004 atrairão quatro milhões de visitantes brasileiros e estrangeiros e movimentarão R$ 2,4 bilhões em atividades como locação de áreas para exposição, de equipamentos e serviços como montagem de estandes, além de passagens aéreas, hotéis e transportes terrestres.


 


Outros R$ 600 milhões azeitarão a economia de outros pólos listados pela Ubrafe, casos de Novo Hamburgo e Porto Alegre, no Rio Grande do Sul; Florianópolis, em Santa Catarina; Curitiba e São José dos Pinhais, no Paraná; São José dos Campos, Mirassol e Sertãozinho, no Interior de São Paulo; Rio de Janeiro e Macaé, no Estado do Rio; Belo Horizonte e Uberlândia, em Minas Gerais; Cuiabá, no Mato Grosso; Goiânia, em Goiás; Vitória, no Espírito Santo; Salvador, Bahia; Recife e Olinda, em Pernambuco; e Natal, no Rio Grande do Norte.


 


Longe de atrapalhar, a proximidade entre o Grande ABC e a Capital poderia impulsionar centro regional para feiras e eventos. Afinal, o novo espaço se beneficiaria do transbordamento de eventos no Anhembi e no Expo Center Norte, que vivem com agendas lotadas. Enquanto não viabiliza o próprio espaço, a região testemunha a migração de empresas para São Paulo. Exemplo disso é a recente participação de 13 empresas do pólo de cosméticos de Diadema na Cosmoprof Cosmética 2004 -- Feira Internacional da Beleza, realizada entre 11 e 14 de setembro no Anhembi. Outro exemplo? Nove das 62 participantes da IV Feitintas -- Feira de Tintas e Vernizes, realizada de 15 a 18 de setembro no Centro de Exposições Imigrantes, eram empresas da região. Ou 14% das expositoras. 


 


Sem improviso


 


O Grande ABC já tentou pegar carona na onda das feiras. Fabricantes de móveis de São Bernardo promoviam exposições nas antigas instalações da Companhia Cinematográfica Vera Cruz e no galpão que já acolheu a Agesbec (Armazéns Gerais de São Bernardo), e foi transformado em sede da Sedesc (Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Social e de Cidadania). O empresário Sérgio De Nadai também tentou emplacar eventos nos antigos galpões da indústria Atlantis, em Santo André, que acabaram virando estacionamento de veículos.


 


Essas iniciativas realçam lição obrigatória para quem pretende ingressar no segmento: feiras empresariais estão em franca expansão mas não admitem improviso. Bom parâmetro é o Expo Trade, instalado em São José dos Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba. O empreendimento conta com pavilhão de convenções modular para acolher até cinco eventos simultaneamente, centro de exposições com 23 mil metros quadrados de área contínua, além de 12 auditórios com cadeiras estofadas, ar condicionado e sistema integrado de comunicação de voz e dados. Dispõe ainda de área de serviços com sanitários, chuveiros, ambulatórios e refeitórios destinados aos profissionais responsáveis pela montagem dos estandes, estacionamento com 3,2 mil vagas para automóveis e 50 caminhões e ônibus, heliporto, setor de carga e descarga para 22 veículos grandes, dois geradores próprios de energia elétrica, central telefônica digital com capacidade para 1,5 mil ramais, entre outros elementos de infra-estrutura.


 


Hotelaria deficitária


 


O setor hoteleiro recém-hipertrofiado pelo choque de ofertas é um dos que mais se beneficiaria com um Anhembi regional. Na mão-oposta do parque industrial reduzido pela globalização, o leque de hospedagem para executivos foi ampliado astronomicamente nos últimos tempos. Sem hóspedes suficientes, os investidores se vêem em maus lençóis. "A oferta de apartamentos foi triplicada mas a demanda não cresceu na mesma proporção. O resultado é que a maioria dos hotéis do Grande ABC opera com taxa de ocupação em torno de 35%, o que não dá nem para pagar as contas" -- dispara Clóvis DalCastel, gerente-geral do Park Plaza, de São Bernardo.


 


Ele se refere principalmente às investidas da Rede Accor, protagonista de verdadeira invasão francesa no Grande ABC. Nos últimos meses a Accor ergueu os hotéis Ibis e Mercure com 306 apartamentos na Avenida Industrial, em Santo André, além dos flats services Parthenon Monumental, em São Caetano, e Parthenon Twin Towers, em São Bernardo, com 244 unidades. Somando-se esses empreendimentos ao Quality Suites, de Santo André, inaugurado pela Atlantica Hotels International há pouco mais de um ano, com 200 quartos, e ao Hotel Plaza Mayor, lançado há três anos e com 80 apartamentos no mesmo município, chega-se a 830 novas unidades de hospedagem. "Sem dúvida, a ampliação das alternativas dividiu o público e torna ainda mais necessária a criação de centro de feiras e convenções" -- considera José Antonio Perez, administrador do Plaza Mayor. 


 


Os novos empreendimentos passaram a disputar o mercado atendido até então por concorrentes tradicionais como Park Plaza,  Pampas Palace e o flat service Saint Moritz, com mais de 420 apartamentos em São Bernardo. Tudo contabilizado, a oferta de hospedagem para executivos no Grande ABC atinge pelo menos 1,25 mil vagas. "A oferta excessiva gera redução generalizada de preços porque todos querem reconquistar o cliente" -- afirma Clóvis DalCastel. Ele trabalhou por 17 anos em empreendimentos da rede Accor antes de assumir o Park Plaza, empreendimento da Rede Challenger.


 


Estrutura pronta


 


Ao mesmo tempo em que se beneficiaria com o fluxo gerado por um Anhembi regional, a rede hoteleira predispõe o Grande ABC para viabilizar centro de feiras e exposições. Afinal, ninguém promoveria eventos de apelo nacional e até internacional sem o suporte de infra-estrutura de hospedagem plenamente desenvolvida. Também joga a favor da idéia do Anhembi regional a evolução atingida no campo do lazer e do entretenimento, pelo simples fato de que quem viaja a trabalho também procura conhecer lugares interessantes nos momentos de folga. Não faltam shoppings bem estruturados, vida noturna intensa nos barzinhos e restaurantes do Bairro Jardim, em Santo André, e da Avenida Kennedy, em São Bernardo, e até casa de shows recém-inaugurada, a Status Music Hall. Sem falar no patrimônio gastronômico da rota do Frango com Polenta e dos barzinhos e restaurantes do bucólico Riacho Grande.


 


A relativa proximidade dos aeroportos de Cumbica, em Guarulhos, e Congonhas, em São Paulo, e a disponibilidade de incontáveis espaços desocupados que poderiam acolher o empreendimento -- inclusive na região do Eixo Tamanduatehy -- também evidenciam que a idéia precisa receber tratamento prioritário nos fóruns sobre a economia regional. "A viabilidade de centro de feiras e exposições no Grande ABC depende do comprometimento dos atores socioeconômicos locais. É preciso contar com associações empresariais, prefeituras e universidades na definição do tamanho e do tipo de empreendimento a ser materializado. É preciso envolver toda a comunidade na discussão, além de haver vontade política e recursos disponíveis para investimento em negócio cujo retorno é de longo prazo" -- sintetiza Armando Campos Mello, diretor-superintendente da Ubrafe.


 


Apesar das evidências pró-Anhembi regional, o Grande ABC está praticamente na estaca zero. A prefeitura de Santo André cogitou a hipótese de buscar parcerias para viabilizar centro de feiras e convenções no lugar da antiga garagem municipal, mas já abandonou a idéia por vislumbrar outra destinação ao espaço. Já o Consórcio Intermunicipal pretende iniciar estudo sobre o tema até o final do ano.  


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