O respeitado e qualificado jornal Valor Econômico, veículo impresso que merece a melhor nota no ranking nacional, caiu no lobby da Administração Luiz Marinho como, 13 anos atrás, o Estadão entrou pelo cano ao dar crédito a fontes suspeitas na Província do Grande ABC. Tanto lá como cá apresentaram e projetaram uma região que não existe. A esquerda diferencia-se da direita entre outros pontos porque, quando lhe convém, é habilidosa em lidar com a mídia. Sobretudo em período eleitoral.
Diz a manchete de página interna do Valor Econômico desta segunda-feira: “ABC busca diversificar parque industrial”. Disse o Estadão daquele 26 de agosto de 2001: “Grande ABC começa a virar pólo high-tech”. A farsa se repete. Tudo muito previsível. Até porque não são casos únicos. São ataques sazonais.
A mídia paulistana devota indiferença quase brutal à Província do Grande ABC. Só é sensibilizada quando o assunto é economia para atender matérias ardilosamente encomendadas.
A Administração Luiz Marinho é um fracasso completo no gerenciamento e na execução de propostas para dinamizar uma economia extremamente dependente do setor automotivo. Mas propaga a ideia de que se planta para o futuro uma diversificação que teria a indústria de defesa como ponto alto.
Marinho é esperto mas não tanto quanto imagina: como foi incapaz de cumprir a promessa de dinamizar o setor automotivo, que mexeria inclusive com a estrutura sindical, vem com a lengalenga da indústria de defesa. Nada mais conveniente. Afinal, trata-se, como bem disse Marinho, de um projeto de longo prazo. Isso significa tirar o traseiro da responsabilidade durante o mandato, plantando-se uma ideia divorciada da megapotencialidade sugerida.
Ou seja: o prefeito de São Bernardo, ex-sindicalista, procura jogar para sucessores a responsabilidade de dar nova cara econômica a São Bernardo, já que é incapaz de transformar a Secretaria de Desenvolvimento Econômico em algo minimamente importante no organograma de cunho prevalecentemente social.
Preparem o coração
Pinço vários trechos da matéria do Valor Econômico desta segunda-feira para que os leitores possam entender melhor aonde pretendo chegar, se já não entenderam, é claro:
Com mão de obra qualificada e sindicatos que preferem o diálogo ao conflito, o ABC paulista tenta voltar a chamar a atenção da indústria e reocupar galpões vazios. De um lado, negocia investimentos com as metalúrgicas que fizeram dela o maior parque industrial do País – e tem conseguido atrair algumas empresas, mesmo em meio à crise recente do setor. Em outra frente, busca diversificar a economia da região – ainda bastante concentrada no segmento automotivo – com foco no polo químico e também no polo aeroespacial, que começa a ser implantado no ano que vem. (...) Prefeito de São Bernardo do Campo e presidente do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC, Luiz Marinho (PT) afirma que, atualmente, a vocação econômica da região vai além da indústria e que seu esforço como gestor público tem sido o de manter o parque fabril já instalado, e não necessariamente fazê-lo crescer. (...) Vendendo atributos que vão da localização próxima a São Paulo, principal mercado consumidor do país, e a Santos, uma das mais movimentadas plataformas de exportação do país – à qualidade da mão de obra, o prefeito afirma que, além de São Bernardo, conseguiu negociar a entrada de novas indústrias também em Diadema e Ribeirão Pires. (...) Marinho não concede isenções tributárias “exageradas”, mas alerta as empresas que pensam em se instalar em municípios aos quais falta uma “cultura metalúrgica” que elas podem arrastar um nível baixo de produtividade por até dez anos. “Foi isso que a Ford passou na Bahia (em Camaçari) e o que a indústria farmacêutica enfrentou em vários municípios do Interior de São Paulo”, afirma.
Cantilena sindicalista
A velha e surrada cantilena sindicalista centraliza o discurso do prefeito Luiz Marinho. Nem poderia ser diferente. É inerente aos sindicalistas em ação ou em outras esferas de governo, como é o caso do titular do Paço de São Bernardo, glorificar a mão de obra regional. Pena que a realidade seja outra.
Cultura metalúrgica é uma faca de dois gumes, como provam investimentos automotivos cada vez mais distantes da Província. Vícios e virtudes se misturam de tal forma que podem representar soma zero, quando não déficit. Em territórios virgens, preferidos das novas montadoras e da cadeia de autopeças, o risco da cultura metalúrgica é simplesmente desconsiderado.
Há uma combinação de tecnologia e recursos humanos que multiplica resultados. As montadoras e autopeças localizadas fora da Província do Grande ABC são mais rentáveis, porque mais produtivas.
A reportagem do Valor Econômico identifica algumas empresas que teriam vindo para a Província do Grande ABC como resultado de ações sindicalistas. Nada que o arrependimento e a necessidade não expliquem. Seria demais imaginar que a Província fosse incapaz de atrair uma ou outra empresa industrial. Há situações que compensam fartamente as idiossincrasias sindicais, entre outros mata-burros. Até porque, quem sabe tenha havido mudanças acionárias que justifiquem o reforço regional?
Comitês de fábricas
Outro ponto sobre a cultura metalúrgica que merece ser lembrado e sobre o qual já escrevi neste espaço é o espalhamento do poder do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e também do Sindicato dos Químicos aos chãos de fábrica, em forma de comitês ou conselhos de fábrica. Vou escrever mais detalhadamente sobre o assunto nos próximos tempos.
Certo é o que compartilhamento coercitivo de mando, quando não o controle de mando, dos sindicalistas, em oposição em muitos casos à própria gestão operacional dos acionistas, situa-se no campo de um socialismo burro, porque extremamente enviesado e pouco produtivo.
É claro que a reportagem do Valor Econômico não trata do assunto. As fontes de informações não têm apetite algum em repassar as escaramuças veladas ou não que povoam grandes e médias indústrias de transformação da região. Quem é do ramo, sobretudo os empreendedores, quer distância do território regional. Mas eles não se manifestam oficialmente. Têm juízo. As retaliações seriam doloridas.
UFABC em ação
A reportagem do Valor Econômico também ouviu Anapatrícia Morales Vilha, chamada de especialista de economia da inovação da UFABC (Universidade Federal do Grande ABC). Uma desconhecida na região. Mas nem por isso necessariamente fonte a desclassificar. Alguns trechos da matéria:
A perda de competitividade não explica sozinha o enfraquecimento da indústria do ABC. A expansão do comércio e dos serviços estimulada pelo ganho contínuo de renda da população desde os anos 80 – e pelos salários mais altos pagos pela própria indústria -- também contribuíram, afirma Anapatrícia (...). Apesar de o segmento estar atualmente fragilizado, há cadeias produtivas ainda importantes à região, afirma Anapatrícia. Nos próximos anos o setor tem “janela de oportunidade” para voltar a se fortalecer, avalia. (...). “Grande parte da pesquisa e desenvolvimento acontece nas matrizes, elas interagem pouco com os atores científicos e tecnológicos da região”, argumenta. Essa característica também dificulta a inserção do ABC em cadeias globais de produção e desenvolvimento da pequena e média indústria, que têm dificuldades para se articular com os grandes clientes, avalia. (...) Ainda assim, afirma, existem cadeias produtivas importantes e com potencial promissor, como a química, a de autopeças, a eletrônica e mesmo a automotiva”. (...) Anapatrícia ressalta que há um movimento recente “interessante” de fomento à inovação com a implantação de parques tecnológicos, um adensamento das atividades científicas da região – nesse contexto se insere a Universidade Federal do Grande ABC. (...) Nesse sentido, Anapatrícia destaca a atuação do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC, de 1990, e da Agência de Desenvolvimento Econômico.
Universo paralelo
É melhor parar por aqui. A chamada especialista da UFABC ignora fortemente a realidade regional. Foi provavelmente plantada por lobistas do setor sindical e pelo prefeito Luiz Marinho para, na entrevista ao Valor Econômico, dar ares de cientificismo e desenvolvimentismo à região. A menção à UFABC é acintosa. Como se sabe e se provam com inúmeros dados, a escola pública de Ensino Superior com campus em Santo André não tem inserção econômica alguma na região. O ranking da Folha de S. Paulo expressa esse distanciamento ao reservar nota zero à interlocução da escola com o ambiente empresarial.
A “janela” sugerida pela professora da UFABC é um muro contra o qual a Província estatela a cara da imprevidência. O setor automotivo, o mais competitivo do mundo, é uma sobreposição de custos que levam multinacionais a fugir daqui como o Diabo da cruz. As autopeças familiares desapareceram, com fundas consequências sociais. A classe média-alta e a classe média-média perderam vitalidade. Tudo isso registrado e analisado ao longo dos tempos nesta revista digital. Os polos tecnológicos jamais saíram do papel, reféns de incompetências que agregam questões partidárias e políticas.
Pobres dos leitores e dos investidores que confiarem na louvação à Província do Grande ABC que a Administração Luiz Marinho e seus seguidores oferecem sempre com objetivo eleitoral.
13 anos atrás
O Estadão, como escrevi no início deste artigo, caiu na farra da tentativa de doutrinar um novo panorama econômico na região. Aquela manchete de 13 anos atrás foi semelhantemente preparada para tentar asfixiar a mídia independente local e repassar credibilidade ao ilusionismo. Não se dá ponto sem nó quando se vai nesse sentido. O Complexo de Gata Borralheira da Província do Grande ABC transforma mentiras ou informações falhas de jornais paulistanos em verdades absolutas por algum tempo. Ou seja, até que a ficha da verdade volte a cair de novo. Alguns trechos daquela matéria do Estadão:
A região do Grande ABC, tradicional reduto da indústria automobilística, começa a atrair investimentos de empresas de alta tecnologia. Os novos negócios estão vindo na trilha da evolução do processo produtivo das montadoras de veículos, de ampla infra-estrutura viária e de telecomunicações, da mão de obra especializada e da localização estratégica, uma vez que os municípios da região estão a meio caminho do principal mercado consumidor do País e do Porto de Santos. (...) Pesquisa realizada pela Agência do Desenvolvimento Econômico do Grande ABC com 40 mil empresas da indústria, comércio e serviços e construção civil revelou que as fábricas do ABC, comparadas com as de outras regiões do Estado, foram as que mais inovaram na forma de produzir. O destaque ficou para os segmentos tradicionais: a indústria automobilística, química, máquinas e equipamentos, plásticos e borracha.
Meias verdades demais
A reportagem avançou sobre meias verdades. O tempo tratou de dinamitar as fontes de informação recomendadas à jornalista. O mais notório ilusionista daquele texto, João Batista Pamplona, coordenador técnico da Agência de Desenvolvimento Econômico, foi defenestrado pelo então prefeito Celso Daniel, depois de desmascarado por este jornalista.
O que Pamplona brandiu como liderança em inovações tecnológicas não passou de acerto de contas da indústria regional com o tempo. Durante décadas gozamos as delícias do mercado fechado às importações e produzimos carroças, como bem definiu aquele ex-presidente. Só tínhamos mesmo de recuperar o tempo perdido com investimentos tecnológicos. Já os novos polos industriais, no Interior do Estado, chegaram mais tarde e atualizados. Investiram comparativamente menos e se tornaram mais competitivos.
Tudo que aquela matéria do Estadão oferece como cardápio de vantagens comparativas da Província do Grande ABC não passou de ilusionismo. O polo de alta tecnologia levado à manchete não ultrapassou o terreno da individualização de alguns investimentos sem ramificações. O que se introduziu na geografia econômica da região foram call-centers, de muitos empregos, baixa tecnologia e baixos salários.
A infraestrutura viária é o caos que todos conhecemos. A suposta localização estratégica foi de vez para o beleleu com a chegada do trecho sul do Rodoanel, que beneficiou nova onda de evasão industrial. Ou seja: a logística regional sofreu mais reveses que bonificações no período de 13 anos que separa a manchete do Estadão e a manchete do Valor Econômico.
Estamos encalacrados entre outros motivos porque o Rodoanel passa apenas tangencialmente pelo território regional e só conta com três alças de acesso. A Grande Osasco, que nos roubou muitos investimentos, reúne 13 acessos. O trecho Oeste está inserido na geografia daquela região. Aqui, o trecho sul está praticamente fechado. Tornou-se um corredor convidativo à fuga empresarial. É melhor investir em outros territórios da Grande São Paulo do que permanecer aqui. Também os números sobre o PIB comprovam.
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