Está no Estadão e no Valor Econômico de hoje, e não está em nenhum dos veículos impressos e digitais da Província do Grande ABC de hoje: a Mercedes-Benz emitiu mais um alarme sobre os custos trabalhistas que a República Sindical impõe a quem pretende produzir na região.
República Sindical é o espaço de atuação do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, comandado lá atrás por Lula da Silva e que não mudou tanto assim como se propaga aos quatro ventos. Não mudou porque segue olhando o próprio umbigo corporativista, após prometer apenas como medida marquetológica ingressar no seio da comunidade.
A baixa competitividade industrial no espaço regional sempre emerge quando o mercado automotivo arrefece e as discrepâncias escandalizam. Jogam-se mudanças para o futuro que jamais chega. Entre o desespero de agora e o desespero futuro dá-se sempre um jeito de esperar por um ciclo de pretensa felicidade. Como foram os anos de consumismo automotivo desde que o Partido dos Trabalhadores chegou ao Poder Federal. Tudo muito bonito e interessante, e até providencial, depois da debacle do governo de Fernando Henrique Cardoso. Entretanto, sem transformações profundas nas relações entre capital e trabalho, a crise tem hora para voltar. Como voltou.
O que será da Província do Grande ABC com o encavalamento dos custos e da perda de rentabilidade das empresas? O capital é arisco, procura sempre os melhores endereços. A desindustrialização regional foi mascarada em períodos de recordes automotivos pelo setor que concentra o maior número de empregos e influi decididamente na construção do PIB. Perdemos forças em vários segmentos industriais à sombra do deslumbramento com a produção automotiva.
A matéria do Estadão
Recorro a alguns trechos da reportagem de hoje do Estadão para facilitar o entendimento dos leitores que eventualmente tiveram dificuldades em captar a nova mensagem. Pouco estou me lixando em ser taxado de qualquer coisa que não tenha relação com o cutismo e o petismo, irmãos siameses que se juntaram aos estragos dos oito anos do governo de Fernando Henrique Cardoso para nos manter distantes de uma retomada consistente da economia regional:
Com 1,2 mil trabalhadores em lay-off (suspensão de contratos de trabalho) desde julho e operando com 60% a 65% de sua capacidade produtiva, a Mercedes-Benz negocia com o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC medidas para reduzir tabela de salários e quadro de pessoal e tornar a fábrica de São Bernardo do Campo mais competitiva. Medidas semelhantes podem ser adotadas pela Volkswagen. A fabricante de caminhões e ônibus emprega atualmente 10,5 mil funcionários na unidade de São Bernardo do Campo. Além de lay-off, que vai até o fim de novembro, mantém um programa de demissão voluntária (PDV, que já obteve 1,1 mil adesões, e tem dado folgas coletivas aos trabalhadores quando necessário. A intenção do grupo é reduzir a diferença dos salários pagos na fábrica do ABC em relação à de Juiz de Fora (MG) que, segundo o presidente da Mercedes-Benz do Brasil, Philipp Schiemer, chega a 50%. (...) Outra medida, disse o executivo, é rever a forma de pagamento da Participação nos Lucros e Resultados (PLR) e os reajustes salariais da data-base: “Em nenhum outro país, numa situação de mercado como esta (de crise no mercado) se falaria em reajuste salarial”, afirmou Schiemer. “Isto está matando as empresas”.
Iniciativa corajosa
A iniciativa da alta direção de uma empresa de grande porte da Província do Grande ABC em chamar alguns jornalistas de veículos da Capital para botar a boca no trombone contra o chamado Custo ABC é uma exceção à regra de silêncio constrangido quando não amedrontado que a quase totalidade dos empreendedores industriais adotam. Não existe covardia a uni-los no silêncio. Há um temor de passarem por constrangimentos dolorosos, de serem tangidos pela República Sindicalista sob influência forte, embora discreta, do prefeito Luiz Marinho. Um prefeito que joga para a plateia. Alardeia intenção de chamar empreendedores, mas jamais contribuiu com medidas que corrigissem o andar da carruagem do Custo ABC. Marinho não tem peito para mexer num vespeiro eleitoral.
Vir a público como veio a direção da Mercedes-Benz para dizer com todas as letras que, no coração do sindicalismo cutista e petista, a bomba-relógio dos custos trabalhistas segue a ameaçar a todos, não é pouca coisa. Enquanto isso, na semana passada, a direção da General Motors correu ao gabinete da presidente Dilma Rousseff para anunciar investimentos no Brasil.
A soma de informações do Estadão e do Valor Econômico resulta no quadro de horrores da Mercedes-Benz em São Bernardo. Mas se engana quem acredita que a unidade de capital alemão é exceção à regra. É a regra.
Chão controlado
E há mais situações que o dirigente da multinacional preferiu não dizer mas que causa ainda mais mal-estar no ambiente produtivo que conta com os quase 11 mil trabalhadores: o comitê sindical dá as cartas e joga de mão no chão da fábrica. O controle já foi maior e muito mais corrosivo, até a chegada de novos executivos da fabricante de ônibus e caminhões. As ações se repetem na maioria das empresas sob o controle da República Sindical.
Está desgastada a velha tática da dinastia que comanda a Republica Sindical dos metalúrgicos ligados principalmente às montadoras e autopeças de São Bernardo e Diadema. Trata-se do surrado discurso de que maiores salários significam espalhamento de riqueza na região.
Essa meia-verdade não resiste ao contraditório. Os metalúrgicos sob o guarda-chuva da República Sindical custam mais caros não só porque têm salários nominais maiores, mas também e principalmente porque o agregado das chamadas conquistas trabalhistas ultrapassou os limites de competitividade nacional. Tanto que a Mercedes-Benz quer destruir essas cidadelas de benefícios que vão muito além da Participação nos Lucros e Resultados.
O contraponto mais que sacramentado de que a elite metalúrgica da Província do Grande ABC afasta novos investimentos produtivos, porque virou referencial de políticas de recursos humanos, é omitido pela República Sindical. Boa parte da debandada industrial da região ao longo dos anos se deu porque os custos automotivos viraram padrão de repasses a outras categorias de trabalhadores.
Em esferas trabalhistas descoladas mas ainda contaminadas pela República Sindical de São Bernardo, o remanejamento de contratos trabalhistas acabou se consolidando quase a fórceps. Santo André, o Município mais duramente atingido pelo refluxo industrial ao longo de 30 anos, praticamente teve destruído o parque de autopeças de controle familiar. Foram todos vitimados, entre outros fatores, pela sede sindical de tratar igualmente os desiguais.
A coragem de a Mercedes-Benz vir a público, numa convocatória de imprensa, para dizer que a corda está apertada demais, sinaliza situação de desespero que a República Sindical não parece levar a sério. O objetivo parece claramente identificado: prefere-se uma vitrine cada vez mais restrita de valorização de uma camada especial de metalúrgicos ao enfrentamento de uma distorção histórica e sempre desprezada.
Não é por outra razão que a Província do Grande ABC perde cada vez mais importância na produção de riqueza no País. Que se pode fazer se a República Sindicalista utiliza montadoras e autopeças de capital estrangeiro como showroom de eficiência doutrinária?
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