Economia

Até MBigucci recorre a descontos
para amenizar a crise imobiliária

DANIEL LIMA - 22/09/2014

A situação do mercado imobiliário está feia, muito feia. É o mapa do inferno. Os jornais se calam quase sempre, as revistas fogem do assunto, as entidades de classe jogam os problemas para o futuro que teima em espicaçar o presente. Quero ver o que o presidente do Clube dos Especuladores Imobiliários do Grande ABC (Acigabc) vai declarar no próximo balanço do setor na região. O que vai dizer Milton Bigucci se até a construtora e incorporadora que preside, a MBigucci, reconhecidamente uma das mais vitoriosas companhias privadas da região, está a anunciar descontos fantásticos para desovar estoques?


 


Quem caiu no conto da Carochinha que o Clube dos Especuladores Imobiliários propagandeou até recentemente, quando a Província do Grande ABC supostamente era um mar de rosas do setor imobiliário, quem se deu ao luxo de acreditar em quem não se deve acreditar nem sob juramento, caiu do cavalo.


 


Mais que previsíveis estoques elevadíssimos na geografia regional, o que se verifica é um sentimento coletivo dos bens informados adquirentes de imóveis que, ao se deixarem levar pelo canto da sereia de que o contexto era amplamente favorável às compras, agora se veem encalacrados. Pagam por imóveis em longuíssimas prestações valores completamente dissociados da realidade do mercado. Como se sentirá um prestamista imobiliário ante a informação, por exemplo, de que aquele imóvel no qual reside no Domo, ao lado do Paço Municipal de São Bernardo, financiado em 20 anos tendo o preço fixado em mais de R$ 1 milhão, pode ser adquirido hoje por pouco mais da metade desse valor?


 


Quem deixar de lado as declarações sempre cor de rosa de Milton Bigucci (e também de tantos outros especuladores imobiliários) e olhar com máxima atenção o que se passa na região vai notar que a crise presente, que vem se avolumando há alguns pares de meses, é uma crise mais que anunciada.


 


Micos e nichos


 


A existência de micos e nichos imobiliários na região foi denunciada por este jornalista há mais de dois anos. Aliás, a expressão “micos e nichos” é de minha autoria. Vou cobrar pelo uso se algum outro jornalista metido a besta quiser utilizá-la. Melhor pensando, vou dar um bônus a cada jornalista que resolver utilizá-la. Certamente não o fará, porque os donos dos jornais não vão deixar.


 


Sempre evitei cair no redemoinho semântico de estouro da bolha imobiliária à qual se referem muitos especialistas. Bolha imobiliária contempla tantas faces e interpretações a ponto de se tornar expressão maldita. Até porque bolha imobiliária pressupõe estouro de uma vez, de explosão mesmo, e o que temos no mercado imobiliário das grandes metrópoles é o arrefecimento da demanda combinada com o refluir da oferta. Uma bolha em prestações mensais, se querem saber.


 


Preferi centrar fogo no conceito de nichos e micos porque os considero mais palatáveis e seguros. E por uma razão simples: mesmo durante muitos ciclos de estouro da bolha imobiliária em várias geografias mundiais, os nichos imobiliários, formados por lançamentos de produtos para públicos específicos que respondem positivamente, acabaram por se dar bem. Até que o filão se esgote, é claro. Caso, por exemplo, da febre de um dormitório que dominou São Paulo e já se acalmou. Começam a sobrar lançamentos com essa característica.


 


Caçapa cantada


 


Não tem significado nada especial cantar a caçapa como cantei de que sobravam micos imobiliários na região, independente do estado geral da Nação se em crescimento vertiginoso ou em desaceleração inquietante, como a que vivemos agora. Estou a léguas de distância do rótulo de gênio da lâmpada imobiliária por apontar os micos já consumados e os micos programados tanto no setor habitacional quanto no comercial.


 


Explodiram lançamentos de apartamentos para uma classe média-média que perde participação relativa e cresce pouco em números absolutos na Província. Foram centenas e centenas de lançamentos de salas comerciais numa área econômica que sobrevive a custa das montadoras e mesmo assim longe dos dias de glória. Só poderia dar no que deu, convenhamos. Abundam salas comerciais e soçobram apartamentos novos.


 


Se nem mesmo a MBigucci escapa à destemperança entre oferta e demanda, porque quem conhece Milton Bigucci como empresário sabe que é um digno representante da espécie que raramente faz um mau negócio, da espécie que goza de capacidade extraordinária de filtrar informações, entre outros motivos porque conhece bem o terreno em que pisa, quem, enfim, tem Milton Bigucci como referência administrativa, quem faz parte desse seleto grupo de analistas do mercado imobiliário sabe que Milton Bigucci não dá ponto sem nó. Portanto, se mesmo Milton Bigucci está a queimar estoques, porque não é outra coisa que se supõe de um conglomerado empresarial que anuncia no próprio site corporativo descontos de até R$ 72 mil num apartamento, imaginem como estão os simples mortais do mercado imobiliário?


 


Eficiência seletiva


 


Pena que a eficiência de Milton Bigucci à frente do conglomerado MBigucci, à parte as estripulias que o colocam como persistente promotor de malfeitos éticos e negociais, pena que a eficiência administrativa, como dizia, não tenha sido repassada à representação de classe, o tal Clube dos Especuladores Imobiliários, batizado de Acigabc (Associação dos Construtores, Incorporadores e outros agentes do setor). Fosse Milton Bigucci um representante social acima dos interesses corporativos de uma atividade que briga o tempo todo com o bom senso, o quadro regional do mercado imobiliário não precisaria ser traduzido com independência por um jornalista. E tampouco os demais veículos de comunicação se calariam ante as evidências de desmoronamento do castelo de cartas de suposto boom eterno da demanda.


 


Por isso resolvi adotar a expressão Clube dos Especuladores Imobiliários, em substituição a outra expressão que também criei em substituição à Acigabc, no caso Clube dos Construtores e Incorporadores Imobiliários.


 


Os limites éticos entre um empresário de sucesso do setor, a atuação à frente de uma entidade de classe e a sociedade consumidora de um produto que exige de duas a três dezenas de anos de investimento mensal seriam outros e mais saudáveis se não houvesse a velharia conceitual de que, quando se junta em qualquer tipo de agremiação um punhado de empresários, a finalidade explícita e única é olhar para o próprio umbigo.


 


Essa tem sido a regra do Clube dos Especuladores Imobiliários do Grande ABC desde praticamente a influência opressiva de Milton Bigucci. Algo que começou antes que o Muro de Berlim viesse abaixo ou um ano antes de o Corinthians ganhar o primeiro título nacional.


 


Verdade inadiável


 


Como a vida apronta armadilhas que acabam por colher em flagrante delito os fazedores de marolas, eis que o empresário Milton Bigucci e o dirigente empresarial Milton Bigucci se veem na mesma canoa furada de prestação de contas transparente, sem mistificação. Qualquer informação numa nova entrevista coletiva à Imprensa que procure minimizar os danos macroeconômicos e microeconômicos, além de fatores genuinamente provinciais, no tecido imobiliário da região, deverá ser prontamente refugada por quem tem espírito público.


 


O quadro, acreditem leitores, é caótico. A degringolada é geral. Até os nichos que pareciam imunes à avalanche dos micos estão se comprometendo. A economia da Província do Grande ABC está em pandarecos. O estado de desânimo só se rivaliza em intensidade com a flacidez dos gestores públicos em decifrar o andar da carruagem. Na guerra instalada, os pequenos construtores de Santo André, que jamais tiveram qualquer relação institucional com Milton Bigucci, são perseguidos pela Administração Carlos Grana porque representam um perigo à solto, já que têm a fórmula de harmonizar demanda e oferta dentro do possível e do razoável.


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