Economia

Perdemos 18 GMs
de emprego formal

DANIEL LIMA - 05/01/2002

O tombo do emprego industrial com carteira assinada no Grande ABC nos últimos 15 anos é acachapante e ajuda a explicar o mergulho do poderio econômico da região, em contraposição ao crescimento da exclusão social e da criminalidade. Preparem-se para a mais recente informação sobre as transformações que se operam na região. Imaginem o Grande ABC com 19 montadoras de veículos do tamanho da General Motors, sediada em São Caetano. Imaginaram? Então agora calculem: depois de 15 anos das mais fundas mudanças macroeconômicas que o País e o Grande ABC passaram, só teria restado uma única unidade da GM. Isso mesmo: de 19, sobrou apenas uma. Traduzindo em números: 142.890 empregos industriais formais desapareceram da face regional entre 1985 e 2000. Dividindo-se esse total pelo contingente atual de 7.744 trabalhadores da GM de São Caetano, chega-se a 18,4 unidades.


 


Os dados são oficiais, do Ministério do Trabalho, com base na Rais. Estão guardados a sete chaves pelos poderes públicos da região que tiveram acesso às informações, mas consideram desinteressante a divulgação porque há um acordo informal para lustrar o ego regional com informações exclusivamente positivas. Em 1985 o Grande ABC somava 337.640 trabalhadores com carteira assinada. De lá para cá houve algumas arremetidas, principalmente quando a indústria automobilística viveu momentos de euforia, mas a queda subsequente sempre foi mais pronunciada.


 


Nos 11 anos da década de 90  -- de 1990 a 2000 -- o Grande ABC perdeu em números redondos 100 mil empregos industriais. Em nenhum momento da história regional o mercado de trabalho viveu período tão sofrível. Em dezembro de 2000 o total de empregos industriais formais na região caiu para 194.750 pessoas. Se for considerado o desemprego no Grande ABC a partir  de 1994, quando da implantação do Plano Real, que alterou completamente as relações econômicas e sociais, o saldo negativo é de 81,8 mil empregos formais -- 60% da população de São Caetano.


 


Mauá menos atingida


 


De todos os municípios do Grande ABC, Mauá foi o que menos sofreu desfalques no período pesquisado pelo Ministério do Trabalho. Em 1985 a cidade somava 16.287 empregos industriais, contra 15.776 em dezembro de 2000. O Pólo de Sertãozinho, incrementado nos últimos cinco anos, compensou em larga escala a redução do emprego do Pólo Petroquímico de Capuava.


 


Contrariando teses acadêmicas que tentam desalinhar a relação entre emprego industrial e esvaziamento econômico, Santo André e São Caetano registraram as maiores perdas. Santo André, cidade do Estado que mais se empobreceu nos últimos 30 anos,  contava com 64.491 postos de trabalho na indústria em 1985 e caiu para 26.716 no extremo oposto do período pesquisado. Em termos relativos, Santo André só perdeu a liderança de postos de trabalho decepados na região a partir da metade da década de 80 para São Caetano, que contava com 37.128 empregos no setor e registrou apenas 14.586 no final do ano 2000.


 


Já em números absolutos a liderança é de São Bernardo, fortemente atingida pela reestruturação industrial a bordo da abertura dos portos e da estabilidade monetária, além da evasão de empresas. Em 1985 a cidade contava com 174.781 empregos formais no setor, contra 86.633 em 2000. Ribeirão Pires caiu de 9.138 para 5.749 empregos, Diadema de 61.531 para 45.659 e Rio Grande da Serra de 1.286 para 320 no mesmo período.


 


Um ranking detalhado sobre as perdas relativas de empregos industriais formais no Grande ABC coloca São Caetano em primeiro lugar com 60,7% de rebaixamento, Santo André em segundo com 58,4%, São Bernardo em terceiro com 41,3%, Ribeirão Pires em quarto com 37,08%, Diadema em quinto com 25,7% e Mauá em sexto com 3,1%.


 


Destino dos desempregados


 


Para onde foram esses desempregados industriais que carregavam não só carteira assinada mas gozavam de toda infra-estrutura social que as empresas oferecem para quem faz parte dos assalariados de primeira classe da região? Juntaram-se a tantos outros candidatos a um emprego que se dividem pelos setores de comércio e de serviços ou, à falta de vagas nessas atividades, estão subempregados ou montaram pequenos negócios.


 


Não é por outra razão que aumentou o número de empresas industriais, comerciais e de serviços na região. Elementar, porque além do enxugamento dos empregos industriais para o enfrentamento da concorrência internacional, empresas da região recorreram fortemente à terceirização de várias atividades de suporte. Números recentemente divulgados pela Cesp (Companhia Energética do Estado de São Paulo) no Diário do Grande ABC confirmam esse quadro: entre 1980 e 2000 -- período semelhante à estatística de desemprego do Ministério do Trabalho -- a região registrou o avanço numérico de 4.426 unidades industriais para 6.670. Em comércio e serviços o salto foi maior ainda: de 24.580 endereços em 1980 atingiu 67,3 mil em 2000. São muito mais competidores para um mercado de negócios que se contraiu por força das perdas industriais, força-matriz da economia regional. Com o agravante de que a concorrência com grandes conglomerados de comércio e serviços, que atuam em rede, reduziu ainda mais a possibilidade de mobilidade empresarial, ou seja, de crescimento contínuo.


 


Os dados da Cesp não estão sincronizados com os do Ministério do Trabalho porque envolvem todo o universo de empreendedorismo do Grande ABC, formalizados e não formalizados, enquanto a Rais, matriz das informações do governo federal, contempla apenas empresas formais. Um terço da economia da região, segundo dados da Agência de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC, caiu nas malhas da informalidade. E mais de 70% dos trabalhadores e empreendedores informais não contribuem para o sistema nacional de Previdência Social. São os trabalhadores de terceira classe.


 


Perdas explicadas


 


A correlação entre a perda de empregos industriais formais e o esvaziamento econômico do Grande ABC não está apenas no inflado mercado informal de trabalho. Em agosto do ano passado, em nova análise de LivreMercado com  suporte da ASPR Auditoria e Consultoria, de Santo André, foi contabilizada a mais recente perda de participação no ranking do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), conforme dados da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo. Entre 1982 e 2001, o Grande ABC acumulou perda de 40% -- de 12,352% tombou para 8,828% de participação.


 


Como se observa, há forte paralelo entre emprego industrial que se foi também por causa de evasão de empresas e a sucessiva perda de riqueza que reflete diretamente nos orçamentos municipais. É por essas e outras que prefeitos do Grande ABC recorrem cada vez mais à alternativa de incrementar receitas próprias por meio de aumento das alíquotas do IPTU, maior fiscalização do ISS e elevação dos valores monetários de taxas municipais. 


 


O ranking do ICMS é fortemente influenciado pela atividade produtiva industrial. O peso ponderado para definição da participação de cada Município é de 76% para o Valor Adicionado. Resumidamente, Valor Adicionado é a diferença entre a matéria-prima e o produto acabado que sai de uma indústria de transformação. É compulsório que a retração industrial  tenha como consequência o rebaixamento classificatório. São Bernardo perdeu seguidamente o segundo e o terceiro lugares no ranking, para São José dos Campos e Guarulhos, porque a curva da indústria de transformação entrou em parafuso. Os outros dois municípios, sobretudo São José dos Campos, evoluíram positivamente.


 


Estado também perde


 


Todos os caminhos que levam a interpretações minimamente sérias sobre o comportamento da economia nacional detectam não só o esvaziamento industrial do Grande ABC como do próprio Estado de São Paulo. Principalmente porque a evasão das atividades produtivas da Região Metropolitana de São Paulo não foi compensada integralmente pela indústria de transformação da economia do Interior paulista, notadamente nas macrorregiões de Campinas, São José dos Campos e Sorocaba, que formam cinturão de prosperidade econômica a até 100 quilômetros da Capital mais importante da América do Sul.


 


Números divulgados em dezembro último pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) comprovam as perdas industriais paulistas. O Estado de São Paulo sofreu queda de participação no PIB (Produto Interno Bruto) nacional e modificou sua estrutura econômica ao longo da década de 90. O estudo do IBGE, denominado Contas Regionais de 1999, revela que a contribuição estadual de São Paulo para o PIB industrial do País caiu 23,42% entre 1985 e 1999. O índice nacional de 51,58% registrado numa das extremidades da pesquisa refluiu para 41,79% na extremidade oposta.


 


O resultado está intimamente relacionado à própria perda intra-estadual da indústria de transformação paulista que, no mesmo período, caiu de 46,18% para 28,69%. O IBGE ainda não tem dados regionalizados sobre o Estado de São Paulo, mas como o PIB apresenta estreita relação com o Valor Adicionado, que norteia a maior parte da distribuição de receitas orçamentárias aos municípios, e esse indicador tem revelado o esvaziamento da Grande São Paulo e o fortalecimento do Interior, é absolutamente certo raciocinar sobre perdas muito mais expressivas do que a média dos paulistas em comparação com outros Estados.


 


Lógica histórica


 


Essa interpretação tem tanta lógica que basta recorrer à análise de LivreMercado Estadual na edição de abril de 2001, com base em estatísticas do PIB brasileiro levantadas pelo Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas), do Ministério de Planejamento, durante 26 anos, de 1970 a 1996. Nesse período, o Interior de São Paulo deu show de bola em acumulação de riquezas, enquanto a Grande São Paulo e a Baixada Santista não saíram da posição de impedimento.


 


Em 1970, quando o Brasil vivia sob o regime militar e os 70 milhões de habitantes foram consagrados na premonitória composição de Miguel Gustavo do tricampeonato mundial conquistado no México ("Setenta milhões em ação, prá-frente Brasil, salve a Seleção"), o Interior de São Paulo participava com apenas 34% do PIB paulista. Os 66% restantes estavam concentrados na Grande São Paulo de 39 municípios e na Baixada Santista. Vinte e seis anos depois, em 1996, quando a pesquisa do Ipea chega à outra ponta de comparação, a diferença entre as duas regiões se estreita: agora a Grande São Paulo e a Baixada Santista somam 54,2% do PIB estadual, contra 45,8% do Interior.  Nos últimos cinco anos ainda não pesquisados, é provável que a diferença tenha se estreitado ainda mais.


 


"A descentralização produtiva para o Interior acabou por salvar a pátria paulista do assédio de outros Estados" -- escreveu LivreMercado. "EM 1970, com a Grande São Paulo puxando a economia estadual, os paulistas lideravam o ranking brasileiro com 39,88%. Vinte e seis anos depois, com a subida interiorana e o decréscimo da Grande São Paulo, os paulistas mantiveram a liderança e a pontuação, com 39,56% do PIB nacional" -- completou a publicação.


 


Como se observa, há forte relação entre os dados do Ipea e do IBGE. E não é por acaso, porque o Ipea nutre-se de informações do instituto de pesquisas sediado no Rio de Janeiro. O PIB paulista, que envolve todos os setores, alcançou 34,95% na pesquisa divulgada em dezembro pelo IBGE, contra 37,02% de 1990. Evidencia-se a permanente queda dos paulistas. Apesar do crescimento de outras atividades, como comércio e serviços paulistas, o Estado não está conseguindo manter o percentual de liderança nacional. Tudo porque a evasão industrial da Grande São Paulo não se dirige exclusivamente para o Interior.


 


Para demolir de vez as bobagens acadêmicas de que, no caso específico do Grande ABC, desemprego industrial não corresponde à fragilização econômica, os dados do PIB do Ipea entre os anos de 1970 e 1996, os mais atualizados, revelam que a região perdeu 37,64% de participação nacional. Em 1970, o Grande ABC produzia US$ 4,57 de cada US$ 100 gerados pelo Brasil, contra US$ 2,85 na outra ponta da comparação.


 


Definitivamente, as dimensionadas 18 fábricas da General Motors que desapareceram do Grande ABC são emblemáticas dos problemas enfrentados por grande parte dos 2,3 milhões de habitantes. 


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