Economia

Crise retira grande parte
das conquistas trabalhistas

DANIEL LIMA - 13/06/2003

Os efeitos da abertura econômica destrambelhada do governo Fernando Henrique Cardoso, que este CapitalSocial e a revista LivreMercado dimensionaram de forma pioneira, traduzida em perda de 34% do Valor Adicionado, atingiu mais fundo o Grande ABC do que imaginam os céticos e do que gostariam os triunfalistas.


 


Praticamente todo o acervo de conquistas trabalhistas dos tempos do sindicalismo revolucionário liderado por Lula da Silva, e sequencialmente comandado por seus discípulos, foi literalmente para o ralo. Menos, evidentemente, nas montadoras de veículos e num conjunto reduzido de autopeças diretamente relacionadas às produtoras de veículos.


 


Esta newsletter também entra para a história como o primeiro veículo de comunicação que levanta o véu do que se mantinha cuidadosamente escondido. A revelação de que foram para o espaço planos de saúde, alimentação e transporte que as indústrias do Grande ABC ofereciam aos trabalhadores metalúrgicos e químicos, principalmente, é de José Firmino Martinha da Silva, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra.


 


Duas categorias


 


Nossos trabalhadores de elite, aqueles que atuam no setor industrial, detentores dos melhores salários, agora estão subdivididos em duas categorias. Os de primeira classe, das montadoras e sistemistas, e também das indústrias químicas e petroquímicas de grande porte, ainda conseguem sustentar as benesses arrancadas em movimentos grevistas estridentes que ajudaram, mesmo com os exageros conhecidos, a construir mão-de-obra engajadíssima. Os de segunda classe foram apeados do ranking de vantagens trabalhistas e agradecem aos céus pela manutenção do emprego.


 


Cícero Martinha explica a depauperação da mão-de-obra industrial do Grande ABC sem meias palavras. Melhoria salarial virou pó na pauta de reivindicações. Aliás, pauta de reivindicação é força de expressão. Martinha e dirigentes do Sindicato dos Metalúrgicos têm tido versatilidade para cobrar o escanteio e marcar o gol de cabeça.


 


Cuidam dos interesses dos trabalhadores e também dão a mão a empreendedores. Nos últimos dias, correram atrás de representantes políticos para socorrer uma empresa de 800 trabalhadores que, ameaçada de corte de energia por atraso de pagamento, acenava com desemprego em massa.


 


Sinistra associação


 


O rebaixamento das condições de trabalho dos metalúrgicos da região em que atua o Sindicato de Santo André não se consolida apenas no desaparecimento de 45 mil postos de trabalho com carteira assinada nos últimos 10 anos. Se a base da categoria tivesse sido reduzida de 62 mil para 17 mil mas o emprego de qualidade do passado tivesse sido preservado, a desgraça não teria sido completa.


 


O problema é que uma sinistra associação de demissões e renegociações de conquistas históricas abateu a moral da tropa. E não há como deixar de aceitar os termos das renegociações, porque grande parte das indústrias está muito mal das pernas e seus representantes colocam na mesa de negociações a cruz da supressão dos benefícios dos tempos áureos ou a espadainha de demissões equivalentes às despesas, as quais o Estado devorador de competitividade deveria assumir, porque arrecada o suficiente para isso e muito mais.


 


A situação em São Bernardo, garante Cícero Martinha, não é diferente. As lideranças sindicais da CUT preferem o silêncio, por entender que a divulgação dessa realidade teria efeito devastador aos sistemáticos discursos triunfalistas sobre o movimento sindical.


 


Garante Martinha que tanto em São Bernardo quanto em Diadema, área de atuação dos herdeiros do hoje presidente da República, o quadro é semelhante ao do restante do território regional. Ou seja: foi para o beleleu grande parte de tudo o que longas jornadas de greves arrancaram a fórceps de empresas então pouco interessadas em tornar o capitalismo menos selvagem.


 


Hoje, como se observa, em vez do capitalismo mais próximo do trabalhador, o que o Grande ABC oferece, na maioria das empresas industriais, é um quadro de alto risco ao capital e ao trabalho. Talvez só assim, tanto o capital quanto o trabalho se darão conta de que o grande vilão da história é o Estado.


 


A bomba pode estourar, ironicamente, nas mãos de quem mais contribuiu para retirar o trabalhador do quarto de despejo nas relações econômicas sem se dar conta, entretanto, de que grande parte de tudo aquilo que foi pomposamente rotulado de conquistas trabalhistas na verdade era e continua sendo obrigações de um Estado malversador.


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