Os municípios de Campinas, São José dos Campos e Sorocaba, núcleos aglutinadores de três regiões metropolitanas da chamada São Paulo Expandida, talvez sejam a referência mais sólida para exigir teorias sobre o comportamento econômico do Grande ABC. Comparativos com a vizinha e exuberante Capital devem ser relativizados porque a formosa Cinderela reserva geralmente ao Grande ABC o Complexo de Gata Borralheira. A desproporção histórica de realidades econômicas entre a Cinderela e a Gata Borralheira provavelmente concentre grau desestimulador às metas de desenvolvimento comparativo do Grande ABC.
Por isso, a formulação deste CapitalSocial é a seguinte: o que teria ocorrido no mercado de trabalho formal daqueles três municípios-regiões do Interior que contam com dois milhões de habitantes em contraste com o Grande ABC de 2,350 milhões?
Como mostramos em capítulos anteriores, a queda de participação absoluta e relativa dos empregos com mais qualidade salarial em Campinas, Sorocaba e São José dos Campos foi menos traumática do que no conjunto dos municípios do Grande ABC. Em praticamente todas as macrofaixas salariais, os estrondos da política econômica do governo federal foram menos intensos naquelas capitais interioranas.
Destrinchemos as razões principais:
Primeiro, porque aqueles municípios não passaram por tantos tormentos de modernização tecnológica. A implantação da indústria naqueles locais é mais recente em relação à Região Metropolitana de São Paulo. Por isso as pesquisas apontam agregado inferior de investimentos tecnológicos naquelas cidades. Como foram originalmente implantadas com menos gorduras que as empresas da metrópole paulistana, cortaram menos gente para adequarem-se à competitividade internacional patrocinada sem cautela pelo governo federal. O pesquisador João Batista Pamplona, num dos trabalhos estatístico-analíticos para a Agência de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC, em sua febre triunfalista preferiu propagar o contrário. Tratamos desse assunto em várias matérias na revista LivreMercado.
Segundo, porque Campinas, Sorocaba e São José dos Campos não sofrem na mesma intensidade dos males da metropolização desajuizada da Grande São Paulo. A densidade geográfica é muito menor que a registrada na Grande São Paulo e, por consequência, gera menos pressões e precarizações trabalhistas, da mesma forma que não sobrepõem aos gerenciadores públicos investimentos de permanente recauchutagem social, decorrentes principalmente de correntes migratórias caudalosas.
Terceiro, porque Campinas, Sorocaba e São José dos Campos, guardadas as devidas proporções individuais, são espécies de São Paulo das respectivas regiões metropolitanas. Os municípios mais próximos que se relacionam economicamente com Campinas, Sorocaba e São José dos Campos são espécies de Grande ABC em relação a São Paulo, ou seja, a Gata Borralheira admiradora da Cinderela. Por isso, os benefícios dos níveis aparentes de crescimento econômico individual que aqueles municípios ostentam são inferiores aos do conjunto das respectivas regiões metropolitanas que capitaneiam. O entorno de Campinas, de São José dos Campos e de Sorocaba acaba, por isso mesmo, fortalecendo a cidade-sede. Contrariamente ao Grande ABC que, como arrebalde da Capital, alimenta a mesma Capital com seu grau de autopreconceito cultural, econômico, social, político e institucional.
Quarto, porque Campinas, Sorocaba e São José dos Campos absorveram ao longo dos últimos 10, 15 anos muitas das indústrias que deixaram a Região Metropolitana de São Paulo por fatores sobejamente conhecidos. A imensidão de áreas privilegiadas pela guerra fiscal, as relações entre capital e trabalho geralmente mais suaves, a vocação dos administradores públicos de valorizar mais a iniciativa privada, as facilidades logísticas de rodovias em estado de manutenção invejável, a sede por elevação da qualidade de vida dos trabalhadores, esses e outros vetores tornam a vida pessoal e profissional mais agradável e prospectiva naqueles municípios do Interior.
Crescimento pífio
Em termos líquidos, nos sete anos do governo Fernando Henrique Cardoso completados em dezembro de 2001, o Grande ABC registrou crescimento acumulado de 1,4% no mercado de trabalho com carteira assinada, contra crescimento igualmente acumulado de 7,8% da trinca Campinas-Sorocaba-São José. Enquanto o Grande ABC contava com 514.551 empregos formais em 1994, último ano do mandato de Itamar Franco, Campinas, São José dos Campos e Sorocaba registravam 423.035. Sete anos depois, o Grande ABC subiu levemente para 522.108 contra 456.367 das capitais da São Paulo Expandida. A taxa de empregos formais no Grande ABC em 2001 era de 22,21% em relação ao conjunto da população dos sete municípios (2,350 milhões). Em São José, Sorocaba e Campinas, somados, a taxa é de 22,76%.
As diferenças de recomposição de participação nas microfaixas e macrofaixas de empregos formais entre o Grande ABC e os três municípios do Interior não são as únicas questões que se apontam quando se compara o comportamento das economias deste pedaço complexo da Grande São Paulo e aquelas linhas avançadas de novas regiões metropolitanas.
Embora o levantamento numérico da Secretaria de Desenvolvimento, Solidariedade e Emprego do Município de São Paulo junto ao Ministério do Trabalho e Emprego não identifique na Era FHC a segmentação dos empregos formais por setor de atividade, um recente levantamento que produzi e publiquei tanto neste CapitalSocial quanto na revista LivreMercado ajuda a entender o que também separa o Grande ABC daqueles três territórios não-contínuos, mas muito próximos.
Trata-se de recente balanço de empregos formais na indústria e no terciário que realizei com base no banco de dados do Ministério do Trabalho e Emprego. O período da pesquisa foi limitado às condições das fontes de informação entre os 48 meses completados em abril deste ano. Vejam o que constatamos:
O conjunto de sete municípios do Grande ABC perdeu 22.701 empregos com carteira assinada no setor industrial e ganhou 23.347 no setor terciário -- comércio e indústria. Uma contabilidade inquietante, como se sabe, porque é o emprego industrial de valor agregado que perde espaço para um terciário fast-food de salários baixíssimos, como comprovam as quedas relativas das microfaixas e macrofaixas de assalariamento. Para cada emprego gerado no terciário, praticamente se perdeu um do industrial.
Campinas, São José e Sorocaba ganharam, no conjunto, 7.678 empregos formais industriais e 21.792 empregos formais do terciário. Percebe-se claramente maior equilíbrio empregatício --para cada 2,8 empregos do terciário, foi criado um emprego industrial.
Um sociólogo que não consegue
entender o que se passa na região
Os emeiados deste Capital Social Online (Do Editor) e da revista LIVRE MERCADO certamente se surpreenderam com a ênfase de obviedade ululante do sociólogo José de Souza Martins, discípulo de Fernando Henrique Cardoso, na entrevista publicada domingo no Diário do Grande ABC. O que disse de tão conhecido o professor titular no Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo? Vejam só alguns trechos:
"Lula foi eleito presidente da República e não prefeito de um dos municípios do ABC. Além disso, Lula foi eleito como aquilo que ele já não é, um operário, e como figura de uma região fabril e operária, coisa que o ABC já não é majoritariamente. O ABC da eleição de Lula é um ABC mítico, que a rigor já não existe, pois o ABC mudou muitíssimo nas últimas décadas. O Lula da classe operária, a classe operária dos manuais de política, foi, provavelmente, a última personagem do último episódio da fase mais importante da industrialização no Brasil, a fase do verdadeiro operário de carne e osso, o trabalhador do imaginário da revolução. Não creio que a eleição do presidente Luiz Inácio possa ter como consequência uma retomada de investimentos na região, pois uma coisa nada tem a ver com a outra. Lula não fará o milagre de mover a roda da História para trás, para os tempos áureos do ABC industrial. Mais peso simbólico seria fazer investimentos em Garanhuns, onde ele nasceu, já que esse foi um pólo simbólico poderoso em sua campanha eleitoral, como todos devem ter notado".
Lulacá, urgente! é para quem é
mais versado em Grande ABC
Leram os emeiados com atenção as declarações desse sociólogo? Repetimos: quem acompanha este Capital Social Online e quem leu atentamente a Reportagem de Capa de novembro de LIVRE MERCADO sabe do que estamos falando. E do que estamos falando? Exatamente do que vem na sequência da intervenção do sociólogo uspiano, entrevistado por Roney Domingos. Ele demorou para entender o que seja Lulacá, urgente!, título da Reportagem de Capa de LIVRE MERCADO.
Mas o sociólogo José de Souza Martins é assim mesmo. Ele tem dificuldades para entender jornalismo e economia. Ainda há algum tempo viu discriminação racial numa outra Reportagem de Capa de LIVRE MERCADO, apoiou intrepidamente um grupo de alunos que se manifestou pela Internet e depois teve ele, o sociólogo, assim como os estudantes, de se retratarem à Editora Livre Mercado.
Vejam o que disse José de Sousa Martins na sequência da entrevista ao Diário do Grande ABC sob o título "ABC terá de andar com suas próprias pernas" e verifiquem o quanto ele próprio se desdiz em relação às declarações que reproduzimos acima, entre aspas.
"No entanto, se houver criatividade empresarial e política na região, como creio que possa haver, o ABC terá acessos privilegiados ao presidente da República para apresentar e viabilizar projetos de retomada do desenvolvimento da região e, sobretudo, de criação de empregos modernos. Mas isso não dependerá de Lula: dependerá de nós mesmos. E dependerá também da composição de seu governo e dos ministros que forem designados para as áreas que correspondam a um projeto assim".
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