Coço-me todo quando ouço lideranças sindicais desfraldarem a bandeira da redução da carga de trabalho para 40 horas semanais. Sinto espécie de tremedeira. Vá lá que eles tenham seus interesses corporativos, mas fica difícil, muito difícil mesmo, engolir essa iniciativa quando mais da metade da força de trabalho do País vive na informalidade e, principalmente, quando a migração de indústrias ganha traçados geograficamente erráticos nas mais distintas áreas do globo, sob os efeitos de uma disputa encardida por competitividade sistêmica.
O componente político-eleitoral das manifestações em torno da redução da jornada de trabalho sobressai-se às equações econômicas e macroeconômicas. O preço da mão-de-obra é um item que ajuda a dar certo grau de competitividade ao País no mercado internacional. E mesmo assim participamos de forma rarefeita na balança comercial, com menos de 1% dos negócios mundiais. Estamos entre os países menos qualificados no jogo bruto da globalização. Contamos com apenas alguns setores razoavelmente apetrechados. E mesmo assim beneficiários da depreciação da moeda nacional.
Por mais razões teóricas eventualmente expostas pelos sindicalistas para justificar o retorno da retórica pró-redução da jornada, o quadro nacional e internacional não permite devaneios. Vivemos um dos cenários mais complicados de nossa história econômica. Nosso PIB mergulhou abaixo de zero no ano passado, primeiro do mandato de um presidente cuja equipe econômica equilibrou-se entre o acerto inicial de evitar a propagação das labaredas da inflação de dezembro de 2002, que chegava aos 30% anualizados, e o erro dimensional de aplicar dose excessiva de taxa de juros no segundo semestre.
Vendendo ilusões
Lideranças sindicais que fingem não ter se apercebido das nuances macroeconômicas e das sacudidelas que atingem o setor industrial, sobremodo nas atividades automotivas, vendem a ilusão do rebaixamento da carga de trabalho. Falta explicitar que o preço será pago pelos próprios trabalhadores, que formarão contingente suplementar de desempregados. É da lógica da sobrevivência capitalista substituir mão-de-obra por novas injeções de tecnologia e processos na medida em que a correlação de valores se mostre mais palatável.
Particularmente no Grande ABC, que varreu do mapa de carteira de trabalho mais de 100 mil trabalhadores só nos anos 1990, o sobrepeso do custo da mão-de-obra com eventual aplicação de 40 horas semanais será compulsório. Formamos a região estruturalmente mais dispendiosa para a produção de veículos no País, juntamente com o Vale do Paraíba. Não por outra razão as montadoras que vieram para o Brasil, e mesmo as que estão em nosso território, zarparam em direção a outros endereços paulistas e estaduais.
Nada diferente do que tem ocorrido, por exemplo, na mais cara Europa Ocidental, de onde fogem os investimentos automotivos em direção ao leste europeu. A tal ponto de mesmo o eldorado metalúrgico, a Alemanha do Estado-de-Bem-Estar-Social, protagonizar casos extraordinários de flexibilização do contrato de trabalho para evitar debandada de novas unidades.
Estamos brincando de roleta russa trabalhista e quem vai pagar a conta, mais uma vez, serão os trabalhadores potencialmente desempregáveis.
Total de 1894 matérias | Página 1
21/11/2024 QUARTO PIB DA METRÓPOLE?