Economia

Mercedes-Benz reage aos custos
e pressiona República Sindical

DANIEL LIMA - 26/09/2014

Embora o noticiário relatorial, ou seja, sem qualquer espírito analítico, do Diário do Grande ABC desta sexta-feira não forneça garantias de que as informações são sólidas, mas com base em antecedentes aqui já publicados, não resta dúvida sobre o que se passa nas relações trabalhistas na Mercedes-Benz: se não for um fato isolado, e dificilmente o será porque a baixa competitividade na região é gravíssima, aquela multinacional de capital alemão começou a desmontar a cadeia de protecionismos e privilégios da República Sindical. O centro nervoso da República Sindical está em São Bernardo, herança do movimento inicial de Lula da Silva.


 


Se me baseasse apenas no que o Diário do Grande ABC apresenta em estado bruto, porque geralmente é o estado bruto que vai aos leitores também em outras matérias, não teria coragem de afirmar sem ouvir algumas outras fontes que a República Sindical dá sinais de esgotamento.


 


Tanto que a Mercedes-Benz, cuja direção executiva foi alterada há aproximadamente dois anos, com a chegada de linhas-duras de competitividade, apresentou um pacote de reivindicações -- se assim posso dizer ao roubar dos sindicalistas uma expressão que lhes é tão cara -- para continuar em São Bernardo. Se acham que estou exagerando, veja o que disse aos trabalhadores o diretor de comunicação do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Valter Sanches, sem que, acreditem, o Diário do Grande ABC tenha se dado conta do significado explosivo da declaração. Tanto que a manteve perdida em meio à reportagem. Afirmou Valter Sanches: “Eles não investirão nada aqui. Vai tudo para Juiz de Fora”.


 


Expulsão de campo


 


Antes de explicar a declaração do dirigente do sindicato, não resisto a uma piada que pode ser de mau gosto mas, mesmo assim, arrisco. Quem diria que uma velha anedota dos tempos de criança poderia um dia se converter pelo menos em ameaça no campo econômico? Quem não se lembra de que à pergunta provocativa “quem expulsou São Bernardo do Campo?”, a resposta imediata dos mais espertos e informados saltava quase que imediatamente: “Foi o juiz de fora”.


 


Pois é Juiz de Fora, cidade mineira que conta com uma unidade da Mercedes-Benz de custos trabalhistas que não ultrapassam 50% dos valores locais. A mesma Juiz de Fora que hoje está prontíssima para desfalcar ainda mais a produção da multinacional alemã se os sindicalistas de São Bernardo não caírem na real de que os tempos são outros.


 


Quando disse o que disse ao Diário do Grande ABC durante a assembleia de ontem à tarde, o dirigente sindical Valter Sanches estava se referindo ao pacote de resistência da Mercedes-Benz. Esse pacote inclui benefícios aos trabalhadores também, não apenas um jogo duro contra os custos trabalhistas acumulados pela República Sindical.


 


A Mercedes-Benz promete investir o equivalente a R$ 3 bilhões na planta de São Bernardo em troca da aprovação da proposta da campanha salarial até 2017. Por que até 2017? O Diário não explica. Porque a Mercedes-Benz não quer ficar ao sabor dos ventos e dos humores de sindicalistas que preferem negociações anuais sempre imprevisíveis a quem, como uma grande companhia, precisa trabalhar com planos plurianuais. O dinheiro do investimento prometido pela Mercedes-Benz abarcaria a produção de um novo modelo de caminhão até 2018 e também a desterceirização de algumas atividades, acrescentando-se 250 postos de trabalho direto.


 


Contragolpe vigoroso


 


A pressão da Mercedes-Benz que o Diário do Grande ABC deixou passar num texto de distanciamento analítico ou meramente interpretativo é uma sequência lógica ao que esta revista digital publicou nos últimos tempos baseada no noticiário dos jornais Valor Econômico e Estadão -- além de fontes com que contamos entre trabalhadores daquela empresa. 


 


A pauta de reivindicações da empresa é um contragolpe e tanto no modelo de negociação que os sindicalistas de São Bernardo sempre impuseram goela abaixo das empresas. Eram tempos de isolacionismo econômico, de proteção regional às refregas nacionais e internacionais. Demorou demais uma iniciativa desse porte. A mudança se deve aos dirigentes da Mercedes-Benz que passaram a observar as planilhas de custos e resultados com perspectiva de futuro, não simplesmente para sustentar um presente conciliatório no âmbito trabalhista.


 


Embora a matéria do Diário do Grande ABC não desça a detalhes importantes, o pacote da Mercedes-Benz está levando os sindicalistas a rebolar. Primeiro, o pagamento do reajuste salarial deste ano será com base no INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) acumulado de 6,35%, sob forma de abono, como a PLR (Participação nos Lucros e Resultados), de modo a reduzir a carga tributária, em pagamento que totalidade R$ 5.250 no dia 2 próximo. O aumento real de 2% será inserido no banco de horas, ou seja, transformado em 44 horas de folgas. Se entendi bem, a empresa está jogando para o banco de horas o custo do aumento real de salários e, provavelmente, utilizará o estoque disponível quando a maré da demanda baixar, como hoje ocorre. O jornal não explica nada disso.


 


Também está no pacotaço da Mercedes-Benz a mudança das regras salariais a partir do ano que vem. Será o INPC acumulado entre setembro e abril inserido no salário a partir de 1º de maio, mais abono referente ao aumento real de 2% nos salários de R$ 2.427 no dia 20 de maio. A mesma metodologia, segundo o jornal, será utilizada em 2016 e 2017, com valor do abono de, consecutivamente, R$ 2.533 e R$ 2.661. Confesso que, ao transcrever as informações do Diário do Grande ABC não compreendi integralmente o sentido. Também vou procurar desvendar as informações.


 


Proteção contra crise


 


O jornal também diz que outro ponto proposto foi a PLR de R$ 10.102,00 pela produção estimada de 48.805 veículos, com pagamento da segunda parcela no dia 20 de dezembro, de aproximadamente R$ 3.102,00, já que a primeira parcela, em maio, foi de R$ 7.000,00. Há vácuo informativo sobre a possibilidade de não atingimento da meta e também sobre eventual superação da meta. O quanto isso influenciaria na Participação nos Lucros e Resultados? Embora faltem dados, está evidenciado que a Mercedes-Benz adotou metodologia que a protegerá ante crise de produção.


 


Prosseguindo, sempre segundo informações cruas do Diário do Grande ABC, “a Mercedes-Benz exige prorrogação do fim do período de lay-off (suspensão temporária de contratos de trabalho) de cerca de 1.015 trabalhadores de 30 de novembro para 30 de abril do ano que vem”. Além, também, de abertura de PDV (Programas de Demissão Voluntária) em novembro e janeiro. Ou seja, e o jornal volta a não informar, que a Mercedes-Benz quer sensibilizar mais trabalhadores ociosos ou parcialmente ociosos a abandonarem seu território produtivo em troca de vantagens financeiras. Há um excedente de cerca de dois mil trabalhadores na empresa, segundo dados anteriormente publicados no Valor Econômico e no Estadão, e reproduzidos aqui em contexto analítico.


 


Para completar, num texto à parte mas com o mesmo viés de informação superficial, o Diário do Grande ABC informa que “diferentemente do que normalmente acontece em campanhas salariais, o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo informou que a votação da proposta da Mercedes-Benz será em urnas espalhadas pela fábrica, e não com os braços erguidos”. Deduzo que as lideranças sindicais perderam a confiança na possibilidade de aceitação da proposta da multinacional alemã. Temeriam que grupos sindicais de chão de fábrica pudessem exercer incômoda autonomia que feriria interesses da cúpula da República Sindical. Ante essa ameaça, optaram pelo voto secreto mais palatável à consagração do pacote de reivindicações da fabricante de chassis e de outros equipamentos para ônibus e caminhões. A maioria dos trabalhadores de Mercedes-Benz tem motivos de sobra para abominar chefetes sindicais dos comitês de fábricas, especializados em plantar discórdia.


 


Acredito piamente que a Mercedes-Benz está inaugurando para valer um novo modelo de relacionamento com a República Sindical, último bastião de resistência ao jogo da internacionalização da economia. É melhor perder os anéis do que os dedos.


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