Economia

Mil reais criam
nove empregos

VERA GUAZZELLI - 05/11/2003

Responda rápido: o que você faria com um cheque de R$ 1.020 se não tivesse emprego nem dinheiro? Maria Helena di Lucca não pensou duas vezes: investiu o valor na compra de dois fornos a gás semi-industriais e transformou uma produção caseira de biscoitos em microempresa que dá ocupação a nove trabalhadores. Maria Helena foi beneficiada pelo microcrédito do Banco do Povo de Ribeirão Pires e é exemplo do tipo de negócio que a Prefeitura pretende ver espalhado pela cidade para impulsionar a economia local.


 


Ao estabelecer sinergia entre a instituição financeira recém-inaugurada, o Soae (Serviço de Orientação e Apoio ao Empresário) e o posto local da Central de Trabalho e Renda, o Poder Público quer utilizar seu importante papel prospectivo para tirar o pequeno empreendedor do anonimato. 


 


Ribeirão Pires estabeleceu um triângulo entre Soae, Banco do Povo e posto da Central de Trabalho e Renda porque acredita que a interatividade ajuda a transformar cada centavo de crédito disponível em oportunidade de trabalho. Desde que juntou os três vértices em uma rede de troca de informações, a Prefeitura conseguiu detectar quase duas dezenas de Marias Helenas. Gente com história semelhante à da fabricante de biscoitos e que precisava apenas de orientação e algum dinheiro para tocar uma boa idéia para a frente.


 


Por enquanto, a parceria funciona no melhor estilo boca-a-boca e a descoberta de novos empreendedores ainda depende da sensibilidade dos técnicos que estão em contato diário com a realidade do Município. Mas a partir de dezembro próximo a Prefeitura começa a contar com informações cadastrais mais elaboradas que permitirão detectar de forma menos empírica quem já pode sair da informalidade ou qual o perfil do desempregado do Município e quantos poderiam levar adiante um negócio próprio se contassem com auxílio dos órgãos públicos.


 


"Está cada vez mais claro que as prefeituras terão de intervir diretamente nas questões relacionadas ao desemprego e aos pequenos negócios" -- entende o secretário de Desenvolvimento Sustentado, Luciano Roda. Desde que se tornou oficialmente estância turística, em 1998, Ribeirão Pires sonha em viver do verde da Mata Atlântica e da Represa Billings e já deu passos importantes nessa direção com melhoria da infra-estrutura central e recuperação de parques e pontos turísticos. Só que os grandes investimentos ainda não chegaram e é preciso encontrar alternativas domésticas para conter, mesmo que lentamente, as sucessivas quedas de arrecadação municipal por conta do esvaziamento econômico, além do aumento da exclusão numa cidade com 104 mil moradores. Entre 1995 e 2002, Ribeirão Pires perdeu 59,2% deflacionados de Valor Adicionado, um medidor de riqueza industrial.


 


Ribeirão Pires ainda não fez cálculos sobre os pequenos negócios que surgiram após a adoção da política integrada de desenvolvimento. O  resultado numérico está em segundo plano na fase inicial do projeto porque o que conta neste momento é a capacidade dos envolvidos de adaptar-se à mudança de atitude.


 


Principalmente ao  fato de migrarem do papel receptivo para uma observação mais apurada da clientela. A Central de Trabalho e Renda está prestes a terminar cadastro detalhado dos três mil interessados que procuram mensalmente o posto local. Essas informações atualizadas serão as primeiras a integrar o banco de dados que vai subsidiar o projeto.


 


Sem acaso


 


Assim que puder contar com os recursos da estatística,  a Prefeitura agregará importante ferramenta à rede de contatos que trouxe a história da fabricante de biscoitos Maria Helena di Lucca à tona. Ela foi descoberta pelo Soae depois de pesquisa in loco e encaminhada ao Banco do Povo, onde conseguiu os R$ 1.020. "Desconhecia esse tipo de ajuda. Se a Prefeitura não tivesse chegado até aqui, talvez eu ainda estivesse patinando. Nunca havia tentado empréstimos convencionais porque não tinha qualquer garantia para oferecer aos bancos"  -- conta Maria Helena, ao revelar que já registra  produção diária de 60 quilos. 


 


"O Banco do Povo tem estratégia própria de divulgação, mas nem sempre conseguimos chegar a quem realmente precisa. Por isso, essa rede formada para detectar potenciais clientes ajuda a socializar o crédito"  -- reforça a agente de crédito Solange Oliveira. O Banco do Povo de Ribeirão Pires foi oficializado em julho de 2003, registra média diária de 40 atendimentos e já concedeu 20 empréstimos médios de R$ 800 a microempresários interessados em formalizar o negócio.


 


A instituição financia capital de giro, reformas e compras de equipamentos com liberações entre R$ 300 e R$ 15 mil. Pelo menos  R$ 30 mil estão disponíveis para novos empréstimos, mas o valor é variável e depende do aporte de cada parceiro que compõe o conselho de administração. A Prefeitura de Ribeirão é um dos integrantes ao lado da Prefeitura de Santo André, da Associação Comercial e Industrial de Santo André, do Sindicato das Empresas de Transporte de Carga do ABC, do Sindicato dos Metalúrgicos e do Sindicato dos Bancários do ABC.


 


"Parece pouco dinheiro, mas esse pouco às vezes é suficiente para resolver o problema" -- admira-se a coordenadora do Soae, Adelaide Cardoso Cassiano, entusiasta da atitude pró-ativa que a Prefeitura tem adotado e que garante estar pronta para percorrer a cidade em busca de novos talentos.


 


Adelaide relata também a  recente história de Flávia Aparecida Mercúrio. Proprietária de uma barraca na praça central que vende flores, abajures e bichinhos confeccionados com meia de seda, a artesã era obrigada a oferecer sempre os mesmos itens porque não tinha dinheiro para renovar o estoque ou atender aos pedidos em quantidades maiores. Após conseguir R$ 400 do Banco do Povo, Flávia Aparecida resolveu o problema e conseguiu triplicar as vendas. Resultado: quitou o débito antes do prazo previsto e já se habilitou a novo empréstimo, desta vez com intenção de reforçar as vendas para o Natal. 


 


Foco turístico


 


Dentro desse contexto, o Soae da Prefeitura também quer funcionar como espécie de consultoria para auxiliar o gerenciamento e direcionar esses pequenos negócios, sempre que possível, para a atividade turística. A idéia é sugerir condutas administrativas e mercadológicas que possam solidificar a saúde financeira das microempresas e afastar o fantasma da morte precoce que abate 71 % desse tipo de empreendimento nos primeiros cinco anos de atividade, segundo pesquisa do Sebrae-SP.


 


Não à toa, o Soae propôs a Maria Helena di Lucca que transforme um dos 10 tipos de biscoitos que fabrica em produto típico de Ribeirão Pires. O casadinho Romeu e Julieta ganharia espécie de selo oficial da Prefeitura e seria identificado como iguaria genuína da estância turística de Ribeirão Pires. A mesma oferta deverá ser feita em breve para outros produtos, já que a cidade precisa formatar um mix de mercadorias capazes de seduzir o visitante que sempre faz questão de comprar uma lembrancinha ou degustar uma guloseima. "Quanto mais conseguirmos manter o foco desses pequenos negócios no turismo, mais estaremos no caminho certo"  -- acredita o secretário de Desenvolvimento Sustentado, Luciano Roda. A própria Prefeitura de Ribeirão Pires estima que a reconversão econômica do Município deve demorar pelo menos 15 anos.


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