Economia

Vem de Londrina nova lição
à omissão do Grande ABC

DANIEL LIMA - 10/05/2004

Mesmo os leitores menos atentos desta newsletter, e principalmente da revista LivreMercado, sabem o quanto já escrevemos sobre um dos estupros de que o Grande ABC foi vítima nos anos 1990 -- a invasão de grandes conglomerados comerciais que ocuparam os melhores espaços e comprometeram de forma irreversível os pequenos negócios e o equilíbrio social. Todos sabem também o quanto criticamos duramente as administrações públicas, os legisladores, as chamadas entidades empresariais -- especialmente as associações comerciais e industriais -- e a mídia não só pelo anestesiamento diante da reação desejada e necessária, como ao engajamento acrítico, quando não interesseiro, à saudação dos novos competidores.


 


Pois bem. Londrina, no Paraná, cidade de 500 mil habitantes, está reagindo à tentativa de instalação de uma megaloja do Wal-Mart num privilegiadíssimo espaço de 14 mil metros quadrados bem no centro comercial. Isso mesmo: o Wal-Mart, cadeia internacional de varejo que no ano fiscal de 2003 faturou em todo o mundo US$ 256,3 bilhões, pretende lançar âncora bem no Centro de Londrina, como o fez, impunemente, nos principais endereços brasileiros. Aliás, seguindo rotina inescrupulosa que outros meganegócios comerciais empreenderam diante do mutismo dos administradores públicos, do alheamento dos legisladores municipais, do embasbacamento irresponsável das associações comerciais e da louvação cretina dos veículos de informação, especialmente os jornais.


 


Vou enviar uma cópia deste CapitalSocial aos principais dirigentes políticos e econômicos de Londrina. Quero parabenizá-los. Quero dizer a eles o quanto tenho inveja de vê-los honrando a camisa da sociedade que representam, porque, por aqui, no Grande ABC, o que tivemos foi apenas este jornalista, foram apenas os jornalistas que fazem parte da Editora Livre Mercado, a condenarem sumariamente a teia de interesses e de omissões de gente que tinha o compromisso de zelar pelo nosso futuro e que não fez outra coisa senão pensar pequeno.


 


Grandes massacram


 


O Grande ABC vive uma crise quase insuperável dos pequenos negócios entre outras razões, além da desindustrialização também negada durante muito tempo, porque os grandes players comerciais desembarcaram sem responsabilidade social, na mais desavergonhada missão extrativa do nosso potencial de consumo, o terceiro do País.


 


A cruzada de Londrina, ainda em plena execução, não pode fracassar porque, quem sabe, seja o grito de revolta contra um capitalismo desumano, ardiloso, incontido, autofágico, ensandecido, cretino e vilipendiador que fez do Brasil endereço preferencial das grandes companhias internacionais e estimulou a imitação muitas vezes aperfeiçoada dos conglomerados nacionais.


 


Para variar é sempre assim -- o Wal-Mart argumenta que vai gerar algumas centenas de empregos. Conta, para tanto, e nem poderia ser diferente, com apoio inclusive em campanha de outdoor da dona da área de 14 mil metros quadrados, Sebastiana Maria Lisa. Aliás, foi a exibição de outdoors acusando o prefeito Nédson Micheleti, do PT, de ser contra a geração de empregos em Londrina que fez explodir a crise. Lá, a Acil (Associação Comercial de Londrina), ao contrário das associações comerciais do Grande ABC, se aliou ao Sindicato dos Trabalhadores do Comércio (que aqui também se omitiu durante todo o processo de fragilização do pequeno comércio) em apoio ao prefeito (que aqui, todos eles, só viram os supostos benefícios tributários).


 


Ações destruidoras


 


Se posso contribuir com a causa de Londrina, caro prefeito Nédson Micheleti, é preparar rápido resumo dessa ópera bufa invasiva e destruidora do equilíbrio social e econômico. Nas vizinhanças em que se instalaram os grandes conglomerados comerciais, o Grande ABC foi violentamente atingido. Há pesquisas que identificaram o desaparecimento de mais de uma centena de empreendimentos de menor porte num raio de ação dos grandes comércios. Gente que tocava a vida em açougues, mercearias, padarias, bares, lanchonetes, armarinhos, armazéns, tudo foi enxurrada abaixo.


 


É calhorda, para dizer o menos, o argumento de que o Wal-Mart e outros estabelecimentos oferecem melhores preços. Isso já foi verdade porque o que sobrou e ainda resiste de empreendimentos de pequeno porte -- e há números que dão conta disso -- consegue ser mais competitivo em preço em larga quantidade de produtos, embora não o sejam na sensibilização de consumidores, pressionados pela força do marketing das grandes redes.


 


Fossem os administradores públicos mais preparados para o jogo econômico e as entidades comerciais de classe menos incompetentes em observar as transformações pelas quais passou o Grande ABC após a abertura econômica que destruiu grande parte de seu PIB industrial, teríamos um quadro completamente diverso.


 


O melhor preparo da leva de empreendedores desempregados das indústrias amenizaria os efeitos da chegada de grandes estabelecimentos que, sem dúvida, deveriam obedecer a sérias restrições e medidas compensatórias sobre as quais já escrevemos.


 


Está certíssimo o prefeito de Londrina ao reagir à pressão da proprietária do terreno. Ele decretou utilidade pública para fins de desapropriação, reservando a área à construção de um teatro. Duvido que algo semelhante ocorra no Grande ABC, quando se sabe que os administradores públicos não são mesmo de dar muita bola para as atividades econômicas (é verdade que já foram piores) e, principalmente, as chamadas lideranças empresariais são, quase todas, uma lástima.


 


Querem fazer um teste? Indaguem de dirigentes empresariais do comércio quantos empregos desaparecem nos pequenos negócios a cada 450 empregos diretos gerados por um grande conglomerado. O presidente da Associação Comercial de Londrina deu a resposta: são 1.500 empregos a menos com o fechamento de pequenas lojas que não conseguem absorver o impacto da força-tarefa de dinamitação da concorrência.


 


O tom de indignação que exponho nesse texto é prova de que ainda não perdi nem o senso crítico nem a vergonha na cara, porque sou pioneiro neste País de jornalismo vadio e interesseiro a chamar a atenção, há muitos anos, para a raquitinização, quando não o desaparecimento, do pequeno negócio. O pecado da irresponsabilidade coletiva no Grande ABC, por causa do apontamento desse crime contra a sociedade, é por isso mesmo indesculpável. Faltou aos agentes públicos e privados o senso de cidadania e de compromisso com o futuro que Londrina, pelo noticiário, jamais incidirá.


 


Reaja por nós, Londrina. Já cansamos de chorar pelo Grande ABC. 


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