A Pirelli de Santo André jamais acertou as contas financeiras das benesses que recebeu da Administração Municipal ao desistir do projeto Cidade Pirelli, aprovado e lançado durante a gestão de Celso Daniel, no final dos anos 1990. A mesma Pirelli agora está dando um pontapé na cidade: levou todos os 320 funcionários de áreas nobres da administração e de engenharia para a sede da Avenida Faria Lima, em São Paulo. É um desfalque e tanto para o Atrium Shopping, plantado numa das áreas que a Pirelli negociou após o fracasso daquele projeto vitimado pela conjuntura econômica de então.
Quem esperar da gestão do petista Carlos Grana alguma manifestação sobre a debandada administrativa e técnica da Pirelli provavelmente cairá do cavalo da estupidez. Tanto quanto quem imaginar alguma posição da secretária de Desenvolvimento Econômico, Oswana Fameli, também vice-prefeita. Ou mesmo de representantes de instituições mambembes que desfilam no mercado apenas para negociações diversas com o Poder Público -- porque ninguém é de ferro.
Acreditar que a subseção da OAB do presidente Fábio Picarelli vai se manifestar é bobagem. A entidade é linha auxiliar da gestão petista, em troca de alguns badulaques. Fábio Picarelli prefere viver da fantasia de que a OAB conta com quatro dezenas de comissões. Quem acompanha de perto os movimentos da organização assegura que tudo não passa de falsa mobilização.
Picarelli é visto como alguém que aprendeu rapidamente uma das artimanhas dos políticos, que consiste em dizer mentiras institucionais até que pareçam verdades. Picarelli, que lembra Pirelli não só na fonética mas também na genética, arranjará sempre uma desculpa para tapar o sol de interesses privados que o norteiam naquela organização divididíssima. O projeto Pirelli, portanto, não é de sua alçada institucional. Como nada, aliás, que possa lhe causar transtornos. Ele quer ser candidato a algum cargo político sem antagonismos.
Nenhum comunicado
O que pergunto é o seguinte: está certa a companhia de capital italiano que chegou a Santo André há praticamente um século ao não dar satisfação alguma à sociedade local ou o bom senso e a boa educação, quando não a responsabilidade social, indicariam que não custaria nada chamar a mídia e oferecer informações que posicionassem a empresa ante a imperiosidade de ganhos logísticos ao concentrar todo o quadro administrativo num só endereço, preferencialmente um endereço nobre da Capital, em vez de catar lata na periferia de uma cidade em franco processo de decadência?
Escolha você a melhor resposta. Acho que a Pirelli poderia ter saído de forma mais educada em vez de na calada de uma temporada eleitoral de segundo turno que monopoliza as atenções. A Pirelli deveria sair com classe principalmente porque tem contas a prestar à sociedade de Santo André. O que foi feito do projeto Cidade Pirelli é uma vergonha que envolve a empresa multinacional e também a classe de administradores públicos que se foram e que estão na ativa ocupando o Paço Municipal.
Alegar que o prefeito Carlos Grana não tem nada a ver com a explosão do projeto Cidade Pirelli é balela. O petista sabe muito bem que há uma série de complicações financeiras e patrimoniais a envolver gente graduada e nada fez para esclarecer os fatos. Sem contar que não existe defesa sustentável ao maior dos escândalos dentro do escândalo da Cidade Pirelli, ou seja, a construção do Viaduto Cassaquera, pago com recursos públicos durante a gestão do petista João Avamileno, quando o acordo legal entre Pirelli e Prefeitura de Santo André, à época da gestão Celso Daniel, determinava que quem deveria custear a obra seria a multinacional e seus eventuais parceiros de negócios do projeto aprovado.
Um projeto aprovado após série de vantagens fiscais e de uso e ocupação do solo de quase 200 mil metros quadrados de áreas próximas. Uma imensidão mais tarde levada à especulação imobiliária em um dos negócios com a marca de competência da Administração Aidan Ravin, quando vista pelo ângulo do individualismo materialista, ou de grupelhos materialistas. O presidente da OAB sabe do que estou falando e nada fez. E se quisesse fazer, ainda daria tempo.
Pendências demais
Como se pode verificar, há pendências demais e respeito de menos nas relações entre Pirelli e Prefeitura de Santo André. Entretanto, como não se sabe exatamente o que se passou nas relações entre as duas organizações e também entre os investidores do Shopping Atrium, empreendimento que dá com os burros nágua, e duramente também atingido pela quebra do fluxo de clientes com a debandada dos funcionários mais graduados da Pirelli, deve-se conceder o direito a determinadas dúvidas. Mesmo que isso não signifique completa ausência de responsabilidade da Pirelli.
A transferência de empregos mais cerebrais para a Capital é um chute na canela de quem imagina a Província pronta para atrair áreas de comando das empresas industriais que sustentam atividades em nosso território. Menos mal que os 2.530 postos de trabalho operariado estão mantidos em Santo André.
Há informações, não se sabe se fundamentadas, sobre a possibilidade de a desocupação da área administrativa ser compensada com aumento das atividades de chão de fábrica. Tomara que seja verdade o que se fala sem muita convicção. Mas isso também não é significativo a ponto de comemorar a troca. Os funcionários administrativos da Pirelli, a quase totalidade residente na região, principalmente em Santo André, agora estão a se deslocar à Capital em ônibus especiais, bancados pela multinacional. Não se tem a dimensão dos funcionários que rejeitaram a proposta da Pirelli e renunciaram ao emprego. Tudo é muito nebuloso. Menos a fuga em massa de Santo André, consolidada desde ontem.
Passado de glórias
E pensar que durante décadas a Pirelli era um orgulho não só empresarial como também esportivo de Santo André. Houve período em que, em associação com a Prefeitura, a multinacional chegou a contar com gigantismo impressionante de modalidades esportivas. Lembro que preparei para o Diário do Grande ABC naqueles anos 1970, quando era editor de esportes, uma matéria que só não chamaria de premonitória porque seria abusar da lógica: na medida em que esportes semipopulares ganhavam corpo e começavam a despertar o interesse da TV, muito provavelmente a Pirelli não conseguiria segurar tantas modalidades. Não deu outra. Chegou-se ao ponto de a maior estrela da companhia esportiva, o voleibol de Montanaro, Xandó, William e tantos outros craques, fugir ao controle financeiro e inevitavelmente virar passado.
Em resumo, a Pirelli sempre foi uma espécie de patrimônio de Santo André. Eram tempos de economia fechada, de alfândegas protecionistas. O mundo mudou, competitividade passou à condição de mantra de resistência, a empresa evadiu-se aos poucos do Município onde já chegou a contar com mais de 10 mil colaboradores, e o que restou são relações mais que pragmáticas. São relações indecorosamente desrespeitosas para uma companhia detentora de uma marca respeitada e de uma história que não será apagada nem mesmo ante tamanha desfaçatez.
Quanto aos gestores públicos de Santo André, a pequenez já não surpreende mais a ninguém. O que pauta a agenda de cada um deles, e também da vice-prefeita e secretária de Desenvolvimento Econômica, é a corrida eleitoral destes tempos de segundo turno e, em seguida, da próxima disputa municipal. Se faltam paixão e entusiasmo aos supostos representantes de Santo André nas mais diferentes esferas sociais, por que os gestores públicos seriam diferentes? Todos são filhos do mesmo insumo genético destes tempos em que mais vale o que se tem nos bolsos do que o legado a jovens e crianças que, como os adultos, serão forçados a abandonar Santo André para obterem bons empregos.
Leiam também:
Cidade Pirelli é megaprojeto de R$ 200 milhões de investimentos
Cidade Pirelli implode e se torna especulação imobiliária
Total de 1894 matérias | Página 1
21/11/2024 QUARTO PIB DA METRÓPOLE?