Economia

Que fará Luiz Marinho para dar
um jeito no setor automotivo?

DANIEL LIMA - 30/10/2014

Duvido que o prefeito Luiz Marinho consiga colocar o setor automotivo na linha. Marinho não goza de autonomia para comandar uma revolução regional. Ele tem o rabo preso com o sindicalismo cutista, do qual faz parte de forma escamoteada, e também não tem independência para se converter em gerenciador público com vocação para ficar na história. Luiz Marinho é o cruzamento bem acabado de passadismo sindical com oportunismo político.

 

No começo da gestão Luiz Marinho tentou levar o público no bico ao patrocinar um congresso em São Bernardo com o pressuposto de o setor automotivo da região viver novos tempos. Tudo balela. Agora estamos numa encruzilhada fatal ditada por fatores econômicos locais, nacionais e internacionais.

 

As previsões para o setor automotivo no País são as piores possíveis, após anos sequenciais de demanda aquecida com crédito a perder de vista. Agora nem com facilidades creditícias, desoneração de impostos e compensações trabalhistas a vaca sai do atoleiro. O governo federal imaginou que o consumo e PIB não têm relação alguma. Que PIB em baixa não afetaria o consumo. Como se o passo seguinte de quem se recupera de atropelamento não dependesse do passo anterior.

 

Mexer na estrutura do setor automotivo que transforma São Bernardo em República Sindical é obra longe do alcance de Luiz Marinho. Com o desgaste alucinante do PT na região, comprovado na surra sofrida nas eleições presidenciais, possivelmente haverá muito menos espaço ao reformismo necessário já há duas décadas.

 

A ficha dos metalúrgicos, principalmente dos metalúrgicos, ainda não caiu. Se caiu, fazem de conta que não é com eles. Os custos industriais de produção na região são mais que o dobro da média nacional de regiões que sediam montadoras e autopeças. A desvantagem se acentua com a qualidade de vida longe de metrópoles ensandecidas e de logísticas estranguladas.

 

Produtividade à escanteio

 

Enquanto os trabalhadores das montadoras de veículos e de sistemistas que alimentam as linhas dessas multinacionais não conhecerem intensamente uma regra sagrada do capitalismo, que se chama produtividade, não existe esperança de dias melhores para a Província do Grande ABC. Produtividade parece verbete demoníaco aos metalúrgicos. Não aparece em nenhum acordo trabalhista com características legítimas e desafiadoras. Produtividade rima com competitividade apenas no léxico empresarial, submetido ao torniquete sindical.

 

Mais e mais engolimos poeira dos concorrentes que chegam a distintas regiões do País com embocadura muito mais apropriada à mundialização de negócios. Enquanto não se buscam saídas por vias de mercado, de um capitalismo sem compadrios estatais, mais e mais dependemos de relações políticas e partidárias para não assistir à implosão das automotivas locais. Parece piada de salão, mas provavelmente a área (exceto a Capital de São Paulo) onde mais se consumou o signo do capitalismo empresarial virou refém do capitalismo de Estado, disfarçado de proteção aos trabalhadores.

 

Tudo que é possível está sendo feito para evitar demissões na Província do Grande ABC. Tudo à custa dos cofres federais. Principalmente da caixa-forte do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), composto de dinheiro dos assalariados. Dinheiro dos trabalhadores é dinheiro de contrapartida ao trabalho prestado às empresas em geral. Uma elite de metalúrgicos na marca de pênalti da competitividade e na linha fatal do desemprego goza de privilégios que o Primeiro Mundo oferece porque é Primeiro Mundo. Há quem defenda tamanho disparate. Não existe almoço de graça. 

 

A excessiva dependência do setor automotivo é uma tremenda dor de cabeça para o futuro da Província do Grande ABC, como se não bastassem as dores de barriga do passado e a enxaqueca do presente.

 

Produção excessiva

 

A produção do setor automotivo no Brasil atingirá excesso de 50% da demanda no ano que vem. São novas fábricas que chegam e fábricas antigas que aumentam a capacidade. Até 2017 produziremos 6,5 milhões de veículos no País, ano em que o mercado interno deverá ter cerca de quatro milhões de unidades emplacadas, caso haja retomada da produção. Uma produção em estado de alerta. A previsão para este ano é de quebra de 8%, mesmo com toda a queima de estoques e redução da lucratividade.

 

Em situação de dificuldades, o lobby das montadoras com o suporte dos sindicatos pretende estender por mais tempo o que chamam de proteção ao emprego. Hoje são cinco meses de lay-off, que se traduz na suspensão temporária dos contratos de trabalhos, cujos vencimentos são bancadas em parte pelas empresas e em parte pelos contribuintes. Lideranças de montadoras querem dois anos de prazo de afastamento remunerado dos trabalhadores para ajustes entre oferta e demanda sem que brotem milhares de novos desempregados no setor. Há quem cite a Alemanha como referencial. Como se não fôssemos um País de terceira linha.

 

O governo federal está fazendo de tudo para contornar uma situação que nasce e se cristaliza no baixo crescimento da economia, antes movida pela riqueza das exportações de commodities e minerais principalmente para a China. A festa acabou porque os preços internacionais desabaram. Há muita resistência em atender ao chamamento federal.

 

O jornal Valor Econômico mostrou ontem que pouco mais de dois meses desde que o Banco Central anunciou medidas de estímulo ao financiamento de veículos, a queda nas taxas de juros das operações provocada pela ação da autoridade monetária parece ter chegado ao fim. Dados do BC mostram, segundo o jornal, que os preços dos empréstimos para a compra de automóveis voltaram a subir nas últimas semanas em alguns dos principais bancos do País. O encarecimento do crédito tende a prejudicar o movimento de reação que a modalidade esboçou em setembro.

 

Mercado em baixa

 

Ainda segundo o Valor Econômico, o custo da captação bancária subiu sem combinar com os russos do governo federal. O crédito mais caro pode acabar diminuindo ainda mais a já escassa demanda por veículos. Em setembro, lembrou o jornal, mês seguinte ao anúncio das medidas do Banco Central, foram desembolsados R$ 15,21 bilhões em empréstimos para compra de veículos, cifra 8,27% maior que no mesmo mês de 2013. O que pareceria uma boa notícia se perde nos detalhes: enquanto os empréstimos para carros usados avançaram 18,67%, somando R$ 6,74 bilhões, os de novos avançaram apenas 1,19% no mesmo período, para R$ 8,47 bilhões.

 

Está aí um dos calcanhares de Aquiles da política econômica de Dilma Rousseff que ajuda a explicar o sufoco nas urnas. A classe média emergente que não passará de classe média precária se o País não crescer mais que a média anual de 1,6% dos últimos quatro anos, tenderá a aumentar os decibéis de insatisfação.

 

A mobilidade social vai para o espaço e começa com o derretimento do sonho de comprar veículo novo mesmo a perder de vista. O efeito colateral dessa mudança na autoestima dos compradores pode ser medido em qualquer pesquisa sobre a diferença entre sentir o cheiro de carro novo e sentar no banco em que não se sabe quem sentou antes.

 

Esqualidez nas facilidades

 

O prefeito de São Bernardo e a entourage que o cerca na região, já que também é presidente do Clube dos Prefeitos, vão ter muitas dificuldades para continuar vendendo uma falsa felicidade e operosidade que as manchetes de jornais locais divulgam sem nenhum critério analítico.

 

Luiz Marinho teria tudo para entrar na história da Província como o maior prefeito de todos os tempos mas a escassez de talento a lhe dar sustentação e a obtusidade ideológica que o mantêm preso a tentáculos do passado quando o mundo era outro, vão torná-lo, como já o estão tornando, um objeto de descarte em qualquer ensaio sobre os desdobramentos do governo federal petista nesta Província durante pelo menos 16 anos.

 

Celso Daniel contou com mais de 10 anos de adversidades, inclusive de um governo federal arrasador para provar que não se constrói legado apenas com obras físicas. Valem mais os conceitos, as mensagens, os encaminhamentos coletivos. Essas coisas que Luiz Marinho desconhece o significado porque foi doutrinado no chão de fábrica de confronto com os capitalistas que agora tanto venera.

 

Até mesmo o secretário de Desenvolvimento Econômico de São Bernardo, Jefferson da Conceição, conceituado acadêmico, está indo ralo abaixo após seis anos de Administração Luiz Marinho. Nos últimos tempos sua maior preocupação foi produzir artigos em defesa cega da gestão econômica do governo Dilma Rousseff, e também da administração petista de São Bernardo. Há imprecisões, ilusionismos e manipulações que não condizem com o currículo do secretário.

 

Por mais que prevaleça na gestão de Jefferson da Conceição uma linha aparentemente insuperável de acadêmico com dificuldades de entender o pragmatismo com que deve se conduzir à frente de uma secretaria de um Município encalacrado pela Doença Holandesa da indústria automotiva, esperava-se do secretário um diagnóstico local e regional sem temperos cromáticos e sem derrapagens conceituais.

 

Chamar de Arranjos Produtivos Locais o que não passa de Ajuntamentos Produtivos Locais é desconsiderar qualquer possibilidade de desmascaramento. Trataremos dessa questão outro dia.   



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