Economia

Faltou muito pouco para Província
virar Paris no suplemento da Folha

DANIEL LIMA - 31/10/2014

A Folha de S. Paulo publica hoje um suplemento do mercado imobiliário da Província do Grande ABC. Embora haja discretíssima especificação de que se trata de “informe publicitário”, as quatro páginas de textos antepostas a 14 de anúncios não se diferenciam quase nada do noticiário costumeiro, exceto quando a realidade dos fatos é mais contundente que as fantasias e as estatísticas de tempos de vacas magras soterram as manipulações, como agora.


 


Faltou pouco para o caderno especial da Folha transformar a Província dos entrevistados em Paris. Como duvidar de tal façanha se Diadema, vejam só, virou um novo Brooklin, bairro nobre da vizinha Capital, como se publicou ainda recentemente? A criatividade publicitária do mercado imobiliário tem forte relação com os níveis de corrupção no País porque se nutre da mesma fonte de inspiração – a premissa básica de que os potenciais investidores amadores e os compradores mais necessitados formam um bando de otários. 


 


Uma Lei de Responsabilidade Informativa que abarcasse agentes econômicos especulativos por natureza, como a maioria dos mandachuvas e mandachuvinhas do mercado imobiliário, proporcionaria ganhos inestimáveis e incalculáveis à população. Barbaridades não seriam transmitidas com a desfaçatez cotidiana. Por essas e outros os pequenos construtores familiares são tão perseguidos. Eles regulam o mercado ante a gulodice dos grandões. Eles descobrem nichos que ajudam a descentralizar a hecatombe da verticalização sem alma.


 


As cores com que os entrevistados da Folha de S. Paulo pintam a Província do Grande ABC são o sonho dourado de qualquer cidadão interessado em conciliar mobilidade urbana, empregabilidade de qualidade, tranquilidade na área de segurança pública e muito mais. Parece que vivem em outro mundo. Paris, por exemplo.


 


Vá lá que não revelem todas as facetas provinciais da região, mas daí a mentirem descaradamente é outra coisa. Não me peçam um verbete mais ameno porque mentira é mentira em qualquer circunstância em que a franqueza tem prioridade e a malandragem precisa ser esconjurada.


 


Encalhe desconsiderado


 


Faço uma aposta com os mercadores imobiliários que utilizaram a Folha de S. Paulo para encher a bola da valorização do metro quadrado construído na Província do Grande ABC. Se as novas construções residenciais valem tanto como propagandeiam, e se o mercado vai ganhar novo impulso mesmo diante do quadro econômico anêmico que praticamente congelará o PIB desta temporada, por que eles mesmos não montam um pool e distribuem entre si, com a contrapartida de pagamento dos valores mencionados, todo o estoque de imóveis encalhados?


 


Embora até possa admitir que o mercado imobiliário tenha genealogia especulativa, há limites para tanto. E o limite é a responsabilidade social. Quando negociações entre as partes são contaminadas por falsos ambientes de valorização de imóveis, artificializando-se de tal monta as vantagens para ludibriar o distinto público, o mínimo a dizer é que se pratica algo próximo a estelionato.


 


Há um limite entre o direito sagrado de obtenção de lucro entre as partes e pecados capitais de manobras repassadas aos leitores como informação jornalística. Os informes publicitários são uma espécie de jogo de cena que se utiliza de uma marca respeitável como a Folha de S. Paulo para repassar à sociedade informações articuladamente de mão única, de gente vocacionada à cenarização.


 


Os partidos ditos socialistas de outrora, que sempre desfraldaram a bandeira da moradia como direito social -- até que fossem levados à festa de arromba do capitalismo de compadres -- não movem uma palha para coibir os exageros. Até porque os tentáculos que os fazem avançar são movidos em larga escala pela construção civil, da qual o mercado imobiliário é a raiz mais profunda, quando não a fonte-mãe. Basta ver o que o prefeito Luiz Marinho fez com a corrupção que envolveu a licitação do terreno em que a MBigucci constrói o empreendimento Marco Zero, entre as Avenidas Senador Vergueiro e Avenida Kennedy. Ele simplesmente engavetou a malandragem e ainda virou prefaciador do suposto livro de Milton Bigucci.


 


Vou insistir sempre e sempre em defesa de um mercado imobiliário mais saudável, dada a importância social inquestionável que representa.


 


É muito fácil enganar


 


Os especialistas do setor sabem que não é nada difícil enganar o distinto público comprador de primeira e na maioria dos casos de última viagem. Imóvel que não seja para investimento é imóvel praticamente para uma vida toda. E é justamente aí que mora o perigo. Raposas e raposões, até mesmo pela repetição à falta de inteligência mais acurada, tornam-se senhores do terreno de negociações, sempre em prejuízo dos incautos mas deslumbrados clientes.


 


O sonho da casa própria virou mantra que cabe a todas as camadas sociais. O sonho da casa própria não é sonho apenas da primeira casa própria, mas de todas as casas próprias que eventualmente puderem ser adquiridas no embalo da mobilidade social.


 


Já são algumas centenas de novos proprietários (ou mais propriamente de financiadores bancários) de casa própria na Província do Grande ABC que sentem o peso do descasamento entre os valores contratados e os valores reais do mercado, agora que o Brasil está caindo na real de que a chamada nova classe média não passou de embuste urdido por um governo federal louco por marcas mesmo que provisórias.


 


Há uma perda generalizada na praça regional. Chega-se à defasagem de até 40%. Tanto que recentemente foram colocados à venda quase 200 unidades novinhas do empreendimento Domo, ao lado do Paço Municipal de São Bernardo, e mesmo com deságio de 40% não houve compradores. Só numa segunda rodada, com mais descontos, encaixaram-se vendas de uma parte do lote colocado em leilão para resgatar dívida da Tecelagem Tognato, antiga proprietária do terreno, junto à Receita Federal.


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