Os pequenos construtores imobiliários de Santo André e a Administração de Carlos Grana estão se aproximando num acordo já festejado nos bastidores pelas duas partes e execrado em silêncio pelo Clube dos Especuladores Imobiliários do Grande ABC, dirigido há mais de duas décadas pelo empresário Milton Bigucci. A manutenção da legislação que permite a construção de quatro apartamentos de 40 metros quadrados em terrenos de 250 metros quadrados é considerada tão certa que lideranças do Clube dos Pequenos Construtores, como pode ser chamada a Associação dos Construtores Imobiliários de Santo André (Associsa) já comemoram nos bastidores.
O impasse que poderia representar mais fissuras no relacionamento do PT com a classe média mobilizou a gestão de Carlos Grana nos últimos 30 dias. Vários articuladores de uma política de pacificação foram colocados na arena, tal a revolta dos pequenos empresários. Ao demonstrar força de mobilização da classe até então pouco combativa, porque acomodada na segurança da legislação, o Clube dos Pequenos Construtores mexeu com a estrutura política do setor na Prefeitura de Santo André. Tanto que até o secretário de Habitação, Paulo Piagentini, ponta de lança das grandes construtoras, entre as quais a MBigucci, acabou perdendo terreno. Ele foi soterrado por agentes políticos e técnicos da Administração que não querem encrenca com estratos da classe média já tão avessa ao PT.
A resolução do problema criado pelo secretário Paulo Piagentini no projeto de reestruturação da Luops, a Lei de Uso, Ocupação e Parcelamento do Solo, ainda não está sacramentada. Entretanto, tudo indica que o projeto que reuniria a reforma pretendida não será votado até o final do ano. E mesmo que o seja não deixará de contemplar a demanda do Clube dos Pequenos Construtores. A construção de quatro unidades habitacionais de classe média baixa que se encaixa no perfil de financiamento do programa federal Minha Casa Minha Vida não será obstada, como pretendia o secretário Paulo Piagentini.
Salles ameaçador
Se a preocupação da Administração Carlos Grana com a mobilização dos pequenos construtores ganhou corpo após as primeiras matérias de CapitalSocial, os desdobramentos aceleraram os passos para evitar maiores contratempos. A entrada em cena do advogado Raimundo Salles, então secretário de Cultura do Município, e principalmente depois, já demissionário, em apoio aos pequenos construtores, foi analisada detidamente pelos estrategistas do Paço Municipal. Candidato declarado à Prefeitura de Santo André em 2016, após deixar a Secretaria de Cultura sob intenso tiroteio de agentes culturais e mesmo de setores do Executivo, Raimundo Salles saiu em defesa dos pequenos construtores.
Numa entrevista à TV de internet do jornal Repórter Diário, Raimundo Salles reafirmou o conceito das matérias de CapitalSocial ao correlacionar a ação de Paulo Piagentini aos interesses econômicos das grandes construtoras. Um posicionamento que não deixa de ser corajoso. Políticos de maneira geral sempre poupam o setor imobiliário, entre outros motivos porque é um dos que mais investem nas campanhas eleitorais.
O peso político do Clube dos Pequenos Construtores de Santo André é muito maior que a inserção social e política do Clube dos Especuladores Imobiliários sediado em São Bernardo e dirigido por Milton Bigucci. Afinal, os pequenos construtores de Santo André existem de fato, estão mobilizados e parecem decididos a crescer em representatividade no Poder Público. Já o Clube dos Especuladores Imobiliários, embora com 25 de fundação, jamais contou com pequenos empresários e nos últimos anos foi desmobilizado de vez com o afastamento contínuo de grandes corporações. A situação se agravou após as denúncias de envolvimento de Milton Bigucci na Máfia dos Fiscais de ISS e IPTU de São Paulo, além de outros casos de irregularidades na região, apontados por CapitalSocial.
Bigucci bem distante
Lideranças do Clube dos Pequenos Construtores de Santo André querem distância da entidade chefiada por Milton Bigucci. Eles dizem com firmeza que jamais a instituição os representou. E ainda criticam a tentativa de Milton Bigucci Júnior, filho do presidente, de, numa arremetida considerada oportunista e invasiva, procurar roubar a representação nas negociações em Santo André.
A intervenção de Milton Bigucci Júnior em nome do Clube dos Especuladores Imobiliários foi rechaçada pelos pequenos construtores e até mesmo contribuiu para o fortalecimento do segmento. Um dos representantes da organização chega a afirmar que, sem o que chama de lambança do Clube dos Especuladores Imobiliários em tentar tomar a frente das negociações em Santo André, possivelmente o empenho geral não tivesse sido tão intenso e resolutivo.
Durante os dois últimos meses, desde que CapitalSocial transformou em pauta a insatisfação dos pequenos construtores, lideranças do segmento agiram com intensidade e interatividade. Dos estimados 500 potenciais integrantes do Clube dos Pequenos Construtores de Santo André, praticamente metade já está cadastrada e recebe regularmente informações sobre a marcha das negociações com a Administração petista.
A capilaridade social e econômica do Clube dos Pequenos Construtores de Santo André foi avaliada com atenção pela Administração de Carlos Grana. São milhares de pequenos empresários e trabalhadores espalhados pelo Município. Um contingente até outro dia invisível. Agora a relação com instâncias oficiais é outra. Vereadores de todos os partidos, inclusive da base aliada, deixam claro que não querem complicações e prometem destruir qualquer tentativa técnica que inviabilize as atividades do segmento.
Lua de mel
Os pequenos construtores ainda não estão em lua de mel com a gestão de Carlos Grana, até porque em política tudo é possível, mas caminham para eliminar as rusgas. Tanto que estão dispostos a aceitar dispositivos que beneficiariam aspectos urbanísticos e técnicos sem afetar a viabilidade econômica dos lançamentos. O atendimento a uma faixa econômica de moradores que as grandes construtoras não contemplam no programa Minha Casa Minha Vida é ponto tão inegociável quanto detonador de revolta organizada.
A marginalização do Clube dos Especuladores Imobiliários nas tratativas técnicas e políticas que resultaram no entendimento entre o Clube dos Pequenos Construtores e a Prefeitura de Santo André tornou-se evidente há duas semanas. A entidade dirigida por Milton Bigucci realizou evento num hotel em Santo André mas não contou com a presença de nenhum emissário da Prefeitura dirigida por Carlos Grana.
Nem mesmo o secretário Paulo Piagentini deu as caras. Há duas versões sobre a ausência desse amigo de muitos anos de Milton Bigucci: eles estariam estremecidos ou a ausência foi uma forma de evitar comentários sobre as relações negociais que os envolvem. A segunda alternativa é a mais provável. O dono do conglomerado MBigucci estaria enfrentando dificuldades diplomáticas para percorrer os corredores do Paço Municipal com a desenvoltura de sempre.
Em contraste, representantes do Clube dos Pequenos Construtores passaram a participar de reuniões de órgãos técnicos que tratam do uso e ocupação do solo em Santo André, casos do Comugesan (Conselho Municipal de Gestão e Saneamento Ambiental de Santo André) e do CMPU (Conselho Municipal de Planejamento Urbano de Santo André). Antes completamente esquecidos, agora têm presença garantida. Podem participar de todos os debates, embora, por força da lei, não tenham direito a voto. Já se fala que a entidade constará da lista de representação oficial quando se efetivarem mudanças nos dois organismos que contam com diversas entidades sociais, econômicas e profissionais do Município.
Classe média
Médicos, advogados, arquitetos, economistas, administradores de empresa e uma lista quase infindável de profissionais de várias áreas compõem o mosaico do Clube dos Pequenos Construtores de Santo André. É a classe média-média, principalmente, a exercer atividades paralelas de empreendedorismo. Espécime único na Província do Grande ABC. O resultado dessa incubadora de empreendedores é a descentralização do espaço territorial com habitações enxutas e isentas de taxas condominiais. Os pequenos empresários do setor afirmam que as taxas condominiais são um entrave aos proprietários de apartamentos convencionais, verticalizados. O custo mensal faz uma grande diferença na hora de comprar imóvel.
As lideranças do Clube dos Pequenos Construtores de Santo André já sonham em ver outros municípios da região livres de amarras legislativas que impedem modelo semelhante nos mais diferentes bairros. A verticalização insana nos grandes corredores viários, que colabora para o agravamento da mobilidade urbana, é um dos trunfos do sucesso dos pequenos construtores. Algo que o Clube dos Especuladores Imobiliários do Grande ABC tentou bombardear num primeiro instante mas, ante a possibilidade de ganhar representatividade que não tem no segmento, tentou reverter em forma de apoio e tutela. Os pequenos construtores de Santo André reagiram. Colocam a entidade sediada em São Bernardo ainda mais sob pressão porque teria de dar respostas ao segmento nos demais municípios da região.
Os pequenos construtores de Santo André não têm dúvidas de que o prefeito Carlos Grana já os entendeu e os apoia. Agora sonham com algo parecido entre os demais prefeitos -- mesmo contra a vontade do Clube dos Especuladores Imobiliários. Tudo porque, asseguram as lideranças dos pequenos, as grandes corporações do setor não têm competitividade para dar atendimento ao perfil de habitação no qual são especializados e imbatíveis e por isso mesmo lutam para elevar os níveis de verticalização dos empreendimentos. Nada pior para a sociedade. Basta ver os estragos ao redor dos principais corredores viários da região.
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