Economia

Estudo confirma que monotrilho é
ameaça real a comerciantes locais

DANIEL LIMA - 27/11/2014

Quando escrevi, neste ano, que o monotrilho (indevidamente chamado de metrô) previsto para a Província do Grande ABC poderia se transformar em novo complicador econômico, como o frustrante trecho sul do Rodoanel, porque nos retiraria mais mão de obra e riqueza, acharam que estava louco. Pois agora um estudo da Universidade Metodista de São Paulo, encomendado pela Agência de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC, revela que mais vale a crítica ajuizada, ácida e irreverente que o ufanismo inconsequente.


 


A chamada Linha 18-Bronze, que vai ligar São Bernardo à Estação Tamanduateí, passando por territórios de Santo André e São Caetano, deverá mesmo provocar muitos estragos. O comércio regional deverá perder milhares de consumidores que se deslocarão à Capital, sobretudo aos endereços de comércio mais popular, casos da Rua 25 de Março.


 


O estudo da Metodista diz que 65% dos consumidores entrevistados afirmaram que, após a liberação do monotrilho, pretendem ampliar a frequência de compras na Capital. Em contraposição, como se vivessem numa redoma ou porque são mesmo movidos à esperança típica de torcida organizada, embora desorganizados como categoria, os comerciantes entrevistados acreditam que vão atrair consumidores da Capital. Eles caíram na ladainha mentirosa dos trombeteadores que enxergam soluções mágicas para a região, soluções de combustão automática só porque um novo traçado de transporte, agora na forma de monotrilho, invadirá nossa territorialidade.


 


Conexão preciosa


 


A pesquisa da Metodista é um raro exemplo de conexão entre instâncias públicas regionais e a academia. Tomara que a iniciativa tenha desdobramentos, abordando outros temários. O que não nos falta é uma tenebrosa dificuldade para encontrar empiricamente respostas que observações atentas asseguram.


 


A iniciativa da parceria entre Agência e Metodista já revelou um fato consumado envolvendo comerciantes da região, provocado pela chegada do monotrilho na Estação Tamanduateí. Descobriu-se que os comerciantes de São Caetano reclamam dos estragos causados pela chamada de Linha Verde. Após a inauguração da Estação Tamanduateí, em 2010, o rombo em forma de deslocamento de consumidores á Capital chegou a 40%. Houve, portanto, forte evasão de consumidores locais. A extensão do traçado ao Centro de São Bernardo vai arrombar de vez os cofres varejistas locais.


 


Tão importante quanto a constatação do que cantamos a caçapa neste espaço de que o Monotrilho está para o deslocamento de mão de obra e de consumidores à Capital assim como o Rodoanel é o mapa da mina para quem quer deixar de vez o chamado Custo ABC, é notar que tanto a direção da Agência de Desenvolvimento Econômico quanto da Metodista de São Bernardo trataram a iniciativa com seriedade.


 


Quem acha que esse ponto é pouco não sabe da missa um terço. A lógica da tradição triunfalista e enganadora da Província do Grande ABC quando se trata de descobrir a si própria é jogar sob o tapete eventuais informações desagradáveis e industrializar pontos positivos retirados a fórceps dos números nem sempre confiáveis.


 


Considerações éticas


 


Também as observações dos representantes das duas instituições são um alento à ética. O secretário-executivo da Agência, Giovanni Rocco, disse sem meias palavras que os comerciantes vão ter de se organizar para reduzir custos e fazer compras em conjunto para aumentar a margem, além de apostar em variedades e promoções. “Se a gente tiver isso aqui, aquele consumidor corriqueiro vai fazer pesquisas e não vai migrar para São Paulo” – disse o executivo da Agência.


 


Já para Sandro Maskio, coordenador do Observatório Econômico da Universidade Metodista, não há caminho diverso senão a preparação de um ambiente de maior competição, com mais possibilidades para o consumidor. “Será preciso oferecer estrutura e diversidade de produtos que façam frente a essa nova realidade, na medida em que tiver maior integração dos mercados e maior fluxo de mobilidade” – afirmou.


 


O especialista daquela universidade é a fonte de que, desde  a inauguração da Estação Tamanduateí em 2010, cerca de 40% dos consumidores de São Caetano revelaram ter ampliado a frequência com que realizam compras em São Paulo. É um tremendo buraco nas receitas dos varejistas locais. E mais espantoso ainda: há quatro anos essa guerra pelo consumidor nos atinge diretamente e nenhuma das entidades de classe move uma palha para encontrar saídas.


 


Competir comercialmente com São Paulo é absolutamente impossível, mas isso não significa que a Província deve entregar a rapadura sem reação coordenada. A vantagem do estudo da Metodista é que a ficha da sangria regional caiu inapelavelmente. Não vou precisar mais me esgoelar aqui para passar conceitos sobre a tendência de fragilização do comércio regional.


 


E o Rodoanel?


 


Uma pena que até agora não se tenha feito algo semelhante para dimensionar o tamanho dos estragos provocados pelo trecho sul do Rodoanel, saudado pelos ignorantes como nova fonte de riqueza da região. Até poderia ser ou se apresentar menos complicador do que se tornou de fato, mas, diferentemente do que se dá agora com o monotrilho, não tivemos capacidade sequer de nos preparar tecnicamente para os impactos daquele traçado. 


 


Na medida em que a Província do Grande ABC contar com maior mobilidade urbana por conta de investimentos em transporte público, mais concretos serão os desarranjos econômicos, inclusive também com a evasão de trabalhadores. Se hoje os números dizem que perdemos 20% da mão de obra para a Capital, imaginem quando as condições de transporte público forem menos desfavoráveis. Corremos o risco de virar um grande alojamento.


 


É muito difícil acreditar que o quadro de congelamento institucional da região sofra modificações e atenue os estragos que virão. As associações comerciais locais mantêm rivalidade autofágica e encontram muitas dificuldades para entender que a prioridade de atendimento burocrático dos associados é uma função atrelada à demanda do século passado. Mais e mais é necessário ganharem a forma de agências de desenvolvimento do setor. E que para tanto precisam de profissionais da área, em vez de propulsores de compadrios com agentes públicos.


 


O despreparo dessas entidades há muito submetidas aos mesmos comandos é de tal envergadura que apenas um representante de São Caetano participou da apresentação dos estudos da Metodista. Mais que despreparo, há descaso quase irresponsável com os princípios estatutários dessas organizações.


 


Corrida de obstáculos


 


Os pequenos e médios comerciantes da região, em grande maioria de origem familiar, vão ser submetidos a uma nova ordem econômica ditada pelas facilidades de transporte coletivo. O futuro que os aguarda é uma espécie de parede inadvertidamente construída na reta de chegada de uma pista de corrida de obstáculos. Se fizerem o possível para encontrar saídas, certamente vão chorar menos. Se pouco fizerem, virarão pó.


 


Ou alguém tem dúvidas sobre as consequências de nosso Complexo de Gata Borralheira em relação à Cinderela Capital?  A Estação Tamanduateí é apenas o ponto inicial de uma tragédia anunciada. Não estamos institucionalmente à altura da competitividade metropolitana que tem a Capital como centro de operações. Quanto mais próximos ficarmos de São Paulo por redes de transporte público, mais se aprofundará a quebra da dinâmica econômica já há muito atingida pela desindustrialização.


 


Ficaremos, portanto, com o trambolho estético do monotrilho, sem o bônus de um revigoramento econômico. Muito pelo contrário.


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