Imprensa

PAC muito aquém da necessidade
não é fracasso exclusivo de Belchior

DANIEL LIMA - 02/12/2014

Estou de volta como ombudsman não autorizado dos veículos de comunicação da região. Dei uma sumida porque o que tenho registrado sistematicamente são incorreções que se retroalimentam de forma aparentemente interminável.  A manchetíssima (manchete das manchetes de primeira página) do Diário do Grande ABC de hoje é bastante apropriada às inquietações da região. “Governo Dilma só conclui 9% das obras do PAC para o Grande ABC” faz parte de uma série de matérias em que o jornal pega no pé de Miriam Belchior, que acaba de deixar o comando do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, cargo que ocupou durante os últimos quatro anos com a tarefa de liderar as ações do PAC (Plano de Aceleração do Crescimento). Miriam Belchior foi mulher e secretária de Celso Daniel. Está em Brasília desde o primeiro mandato de Lula da Silva.


 


Constata-se na matéria do Diário do Grande ABC que, das projetadas 235 obras na região, apenas 22 ou 9,3% foram concluídas. A estocada é um chute que deveria ser desferido muito além dos fundilhos de suposto controle monolítico de Miriam Belchior nos escaninhos do poder federal. O balanço, mesmo com deficiências, é principalmente -- e o jornal não faz qualquer menção a isso – um tiro certeiro na regionalidade que deveria imperar nas relações entre a Província e o Planalto.


 


Embora oportuna, a reportagem do Diário do Grande ABC deveria interpretar o fracasso coletivo das instituições da região. Responsabilizar única e exclusivamente a ministra Miriam Belchior pelo placar acachapante é cômodo. Ou então a prática de um jornalismo que se perde pela falta de entendimento de que a região requer um jogo de time, não de individualidades.


 


E as instituições?


 


À parte a cota que lhe cabe no pífio resultado, Miriam Belchior não está, portanto, sozinha nessa contabilidade nada metafórica de vermelho de vergonha. Por onde andou durante todo esse tempo, por exemplo, o prefeito dos prefeitos da região, Luiz Marinho, titular do Paço de São Bernardo, a quem caberia liderar o processo de interlocução geral com o governo federal?


 


O que quero dizer com o que estou escrevendo é que o ambiente regional é propício ao desperdício de tempo e à semeadura de ilusão. As prometidas obras do PAC na região são uma responsabilidade coletiva das instâncias de poder público e comunitário. Fosse o Clube dos Prefeitos o que deveria ser, ou seja, a convergência das mais representativas organizações da sociedade regional, o acompanhamento dos respectivos cronogramas de obras programadas faria parte de uma rotina de monitoramento, com um placar permanente dos resultados individuais dos investimentos federais e do conjunto das obras. Tanto quanto, para dar exemplo prático, o Observatório de Promessas e Lorotas desta revista digital. Seria isso conveniente ao prefeito dos prefeitos da região? Não estaria o PT expondo-se excessivamente à cobrança de resultados? 


 


Aonde estavam os prefeitos da região, os secretários municipais, os vereadores, os deputados estaduais, os deputados federais, os dirigentes das associações comerciais e industriais, dos Ciesps, das OABs, do escambau, durante todos esses anos em que se prometeu o céu de infraestrutura social e material à região e se constata agora, em forma de contabilidade de fracasso, menos de 10% de realizações?


 


O fato é que a Província do Grande ABC está perdendo uma grande janela de oportunidades que se abriu durante seguidas gestões petistas no Palácio do Planalto. Jamais estivemos tanto tempo no poder central, mas nem assim alcançamos registros de investimentos que compensassem décadas de discriminação orçamentária. Sempre fizemos questão de propagar nossa riqueza, esquecendo-se das mazelas. Não temos massa crítica alguma para mudar os rumos dos negócios públicos, entendendo-se negócios públicos como investimentos.


 


Prioridade esquecida


 


Fosse a Província do Grande ABC algo diferente do que se especializou nas últimas temporadas, os investimentos federais e também os investimentos estaduais seriam questões essenciais que dariam ao divisionismo político e partidário o destino de depósito de quinquilharias e mesquinharias.


 


O excesso de cores partidárias tolhe o fluxo de inversões de recursos públicos na região. Perde-se muito tempo com bobagens políticas e partidárias e se esquecem de iniciativas que poderiam cristalizar o espírito de regionalidade.


 


Basta acompanhar o noticiário da maioria dos veículos de comunicação da região no âmbito de gestores públicos para detectar o quanto de pouco produtivo e o muito de descartável ganham forma impressa e digital.


 


Sacrificar a até outro dia ministra Miriam Belchior é um grave equívoco da matéria publicada pelo Diário do Grande ABC de hoje. Por mais que a ex-secretária de Celso Daniel tenha se deixado levar pelo descuido e pela perda de foco na condução do PAC, nada supera a desmobilização coletiva de instâncias de decisão da Província do Grande ABC na disputa por recursos federais que contam com gladiadores políticos de outras regiões e Estados.


 


As múltiplas atividades de uma ministra de Estado não são novidade para quem conhece os meandros da gestão pública, porque a tendência à improdutividade também se dá nas mais diferentes esferas de governo, inclusive dos governos municipais. O que faz a diferença é a ação de forças de pressão para colocar olhares e atenção dos comandantes de projetos no foco desejado.


 


E foi exatamente isso que faltou aos dirigentes em geral da Província do Grande ABC. Os arquivos dos jornais locais provam que, embora fosse pauta obrigatória e que, portanto, devesse ser sinalizada permanentemente em todos os encontros do Clube dos Prefeitos, o PAC regional se perdeu em meio a um festival de inutilidades temáticas.


 


Miriam Belchior não tinha obrigação como ministra que conduziu o PAC a dar atenção especial à Província do Grande ABC. Talvez tivesse mais sentido que priorizasse a região por questão estratégica, de futuro político pessoal, se assim o desejasse. Se não o fez, das duas as duas: foi negligente consigo mesma e contou com a ineficiência dos supostos interlocutores locais. Uma obra-prima de descuido, como se vê.


 


O mínimo que se espera do Clube dos Prefeitos nestas alturas do campeonato é que apresente com transparência e seriedade um balanço completo dos projetos do PAC na região, com detalhamento de cada obra em termos de execução final, parcial ou ainda a ser iniciada, além dos respectivos valores monetários. Um mapeamento que deveria ter sido apresentado publicamente desde o lançamento oficial do projeto do governo federal e da inscrição das demandas da região. Ou seja: um mínimo de planejamento para colocar a sociedade mais próxima a informações consistentes.


 


O Diário do Grande ABC poderia ter feito um trabalho melhor, mas fez o suficiente para mexer com os brios da região, embora tenha transformado Miriam Belchior em senhora absoluta do fracasso. A manchetíssima merece nota seis. 


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