Economia

Encalhe reduz fortemente preço
do metro quadrado na Província

DANIEL LIMA - 03/12/2014

Darão com os burros nágua leitores que acreditarem que o valor do metro quadrado de imóveis na Província do Grande ABC segue a planilha geralmente contaminada de interesses de sites especializados em coletar informações de vendedores, não de compradores na ponta final das negociações. A Província do Grande ABC, que vive crise econômica provavelmente nada passageira, porque estrutural, está liquidando imóveis. E está liquidando imóveis porque há gigantesco encalhe. Não escapa um único Município da Província. Nem a badalada São Caetano. Até porque, a metástase da indústria automotiva em baixa não encontra anticorpos em nenhuma comunidade local.


 


Há uma diferença que vai muito além da semântica entre “encalhe imobiliário” e “estoque imobiliário”. A primeira expressão não sai da boca de nenhum representante do setor imobiliário porque seria a comprovação de que a situação está mais delicada do que gostariam. A segunda expressão é a preferida, até mesmo como retaguarda de argumentação. “Encalhe imobiliário” é a curva seguinte de “estoque imobiliário”. É o poço sem fundo de fracassos de medidas para impedir que a distância entre oferta e demanda não provocasse estragos nos balanços das construtoras. “Estoque imobiliário” é exercitado como força estratégica preconcebida com a finalidade de provar que o mercado imobiliário é inteligente e coeso suficientemente para equilibrar o jogo de preços durante eventual período de desequilíbrio entre vendedores e compradores.


 


A situação está tão feia na região que chega a ser acintoso, quando não irresponsável, isolar o mercado imobiliário local do quadro de descontrole econômico. Se o Brasil como um todo vive em crise, a situação regional é muito pior. Não temos banda suficientemente larga para domesticar infortúnios macroeconômicos.


 


Peso da economia centralizada


 


Sofremos da Doença Holandesa da indústria automotiva. O noticiário, por mais discreto que seja, não deixa margem a dúvidas: as montadoras e as autopeças que carregam a região nas costas vivem situação dramática. A crise na Argentina, para onde enviamos a maior carga de exportações automotivas, já é mais que conhecida. E a crise verde-amarela, de estagnação econômica, levou o governo de Dilma Rousseff a trocar toda a equipe econômica e também o projeto de desenvolvimento do País. Agora só falta combinar com o mercado. Tudo isso temperado a roubalheiras na Petrobras. A crise está longe de atingir o ápice. Esperem quando a lista de políticos corruptos aparecer para valer.


 


A carreira de corretor de imóveis na Província do Grande ABC viveu pares de anos de deslumbramentos. O crédito farto e a demanda reprimida por longos anos de descaso turbinaram o mercado regional com resultados sem paralelo na história. Entretanto, não faltaram alertas nesta revista digital: opondo-se aos nichos de mercado que se abriram, não faltavam micos potenciais a cavar a sepultura de rentabilidade de muitos empreendimentos.


 


Agora os micos estão declaradamente expostos. Tanto na área residencial quanto na comercial. Nem o presidente do Clube dos Especuladores escapou do encalacramento geral. Imóveis da MBigucci são anunciados com descontos incomuns, embora o dirigente jamais tenha se preocupado em levar à sociedade a realidade do setor e as implicações decorrentes disso ao bolso de milhares de famílias.


 


Acreditar que a Província do Grande ABC ficaria imune ao desencontro imobiliário é pedir para ser ludibriado. Se a Capital tão próxima e muito mais robusta economicamente sofre as consequências do descasamento entre oferta e demanda, como a Província superaria o declínio no setor? Os estoques residenciais continuam a subir em São Paulo, conforme noticiou o jornal Estadão na edição de domingo. A venda de apartamentos novos na Capital, que somou 14,4 mil unidades entre janeiro e setembro, despencou 44% em comparação com o mesmo período de 2013, segundo cálculos do Secovi.


 


Referência enganosa


 


Naquela reportagem o presidente do Zap Imóveis, Eduardo Schaeffer, disse textualmente: “O preço vai ficar abaixo da inflação, não muito, mas aquém”, referindo-se à perda do valor real de imóveis nos próximos seis meses. Se um representante de uma empresa especializada no mercado imobiliário admite que haverá perdas, é melhor o leitor se preparar porque perdas já existem e vão se acentuar. Por isso essa contabilidade marota que referencia o preço do metro quadrado de apartamentos em 20 municípios brasileiros com base em anúncios na Internet é a maneira mais apropriada a um péssimo negócio. A realidade prática é diferente. Basta sair às ruas. A hora é de pechinchar.


 


Vou dar um exemplo que serve em larga escala aos demais empreendimentos assemelhados na Província do Grande ABC. O preço pedido para a venda de uma sala comercial de 37 metros quadrados no condomínio Domo, no entorno do Paço Municipal de São Bernardo, já foi superior a R$ 300 mil. Hoje se oferece a R$ 220 mil. Quem souber negociar arranca por menos de R$ 200 mil. E mesmo assim trata-se de um negócio que embute riscos. O comprador será candidato a Robson Crusoé. O Domo, tanto comercial quanto residencial, é uma cordilheira de cimento à espera de ocupantes.


 


A mesma reportagem do Estadão de domingo ouviu o economista-chefe do Secovi, Celso Petruci. O que repasso em forma de declaração do executivo do Sindicato da Habitação atesta que o presidente do Zap foi generoso ao admitir que haverá perda do valor real do metro quadrado nos próximos meses. A imposição da lei da oferta e da procura já está cristalizada. Vejam o que disse Celso Petruci, após informar que o consumidor compra com 30% a 40% de desconto: “Esses estoques estão servindo como regulação de preços”.


 


O entrevistado do Estadão poderia ir mais longe, mas não o fez porque o espirito corporativo sempre fala mais alto. Ele poderia ter dito que essa margem de desconto é para começo de conversa. Basa insistência de bom negociante para se obter desconto ainda maior. Desconto que não aparece com o impacto da realidade prática nas pesquisas de sites especializados em perscrutar o preço do metro quadrado.


 


Silêncio midiático


 


Há uma dúzia de razões para o mercado imobiliário ter mergulhado de vez num ambiente de inquietação mas provavelmente quem acompanha a mídia regional jamais terá conhecimento do que se passa. Muito pelo contrário. Veículos locais estão doutrinados a seguir a cartilha do triunfalismo vazio, quando não do compadrio com forças de pressão do setor. Quando Milton Bigucci se reúne com os repórteres para anunciar o balanço sempre sem lastro do mercado imobiliário, jamais aparece um questionamento substancioso. Não se trata de entrevista, mas de comunicado autocrático, como é a gestão de metade da metade de um século naquela entidade. Ai de quem se meter a questionar a suposta metodologia que daria suporte científico à planilha de lançamentos e de vendas. Tudo é abstrato. Chutometria até que se prove em contrário.


 


Isso quer dizer que os consumidores de imóveis da região são órfãos de informações, exceto se tiverem o cuidado de acompanhar esta revista digital que, ao longo dos anos, mantém-se conectada com fontes insuspeitas. Que fontes insuspeitas? Tudo que não tenha relação com os gatos pingados que compõem o Clube dos Especuladores Imobiliários.


 


Corretores de imóveis que sobreviveram à derrocada dos últimos tempos na região abrem o jogo quando colhidos no contrapé. Ouço-os como suposto interessado em imóveis, não como jornalista. A diferença é semelhante ao que a presidente Dilma Rousseff diz pessoalmente a Lula da Silva sobre o escândalo da Petrobrás e o que informa aos jornalistas nas raras entrevistas.


 


A omissão da mídia regional sobre a realidade do mercado imobiliário é um desserviço à sociedade e um desrespeito aos leitores, caminhos curtos e fatais à quebra de credibilidade das publicações.


 


Imaginar que os potenciais compradores de imóveis na região não estão a pesquisar exaustivamente as alternativas que se lhes oferecem é subestimar o grau de comprometimento da renda familiar consequente à decisão de compra.


 


Entretanto, é forçoso reconhecer que há sempre uma camada de incautos que se deixam levar por manchetes desajuizadas e que quebram a cara. O que não falta na região é um contingente expressivo de moradores que já começam a fazer as contas de imóveis adquiridos durante período especulativo e que agora, na maré baixa, valem muito menos que os valores financiados.


 


A liberdade perniciosa que se dá aos mercadores imobiliários não tem relação alguma com o sagrado direito capitalista de ganhar dinheiro.  Os mercadores imobiliários usam e abusam do direito de utilizarem a mídia permissiva para artificializar valores que, em muitos casos, se configuram estelionatos disfarçados de liberdade econômica. Construir riquezas sobre bases eticamente deterioradas é a especialidade dos espertos e o cadafalso dos parceiros de jornadas.


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