Completam-se hoje dois anos desde que o Diário do Grande ABC publicou a última de uma série de matérias denunciando seguidamente durante duas semanas as relações obscuras entre a Administração Luiz Marinho e a empreiteira OAS. Marinho é uma das estrelas do petismo, partido envolvido até o pescoço no escândalo da Petrobras. A OAS é uma das integrantes do chamado Clube das Empreiteiras, que assaltou os cofres da maior estatal brasileira em parceria com o PT, o PP e o PMDB, segundo os delatores ouvidos pelo juiz federal Sergio Moro. Então, a pergunta é óbvia: por que o Diário do Grande ABC não volta àquele assunto, esquecido há dois anos?
É preocupante que o jornal não tenha dado sequência às matérias-denúncias que ocuparam suas páginas durante 15 dias seguidos, entre 21 de novembro e 4 de dezembro de 2012. Se não houvesse a intersecção entre petistas e a empreiteira no escândalo da Petrobras o buraco negro já seria estranho. Com o que temos hoje na praça em matéria de desdobramento dos assaltos àquela estatal, o estranho se torna inexplicável.
Ainda outro dia li um editorial do Diário do Grande ABC (editorial é o espaço no qual uma publicação imprime seus princípios em forma de abordagens de determinadas situações) e fiquei estarrecido com a arrogância do articulista. Não vou reproduzir literalmente o que foi levado aos leitores porque o sentido implícito me parece mais apropriado. Escreveu o articulista, com outras palavras mas com o sentido que vou expor, que o Diário do Grande ABC é a única métrica do que é importante para a região. Traduzindo: qualquer assunto tratado pelo Diário do Grande ABC é assunto digno de abordagem. Os demais, abordados por outros veículos mas ignorado pelo Diário, não valem nada.
E a desindustrialização?
Fosse esse acinte avaliativo mesmo que uma verdade tangencial, a revista LivreMercado, que comandei durante 20 anos, não seria lembrada como o melhor produto editorial desta praça. Melhor não significa o mais importante, devo reconhecer. Uma publicação que circulava a cada 30 dias não reunia massa crítica semelhante a uma publicação diária. Mas era um veículo de comunicação tão à frente dos demais que seu diretor de redação, no caso este jornalista, foi convencido a comandar o próprio Diário do Grande ABC.
A coleção de bobagens publicadas pelo Diário do Grande ABC ao longo dos anos é o contraponto da credibilidade alcançada pela revista LivreMercado e por esta revista digital. Pelo Diário do Grande ABC a desindustrialização seria uma miragem na região. O jornal não ignorou os solavancos econômicos na Província do Grande ABC durante os anos de chumbo. Fez muito pior que isso: deu guarida e, mais que isso, assumiu uma linha editorial que negou o tempo todo a fuga industrial. Os arquivos estão à disposição à aferição desta sentença.
A desindustrialização negada não é o único passivo do Diário do Grande ABC muito antes e também desde que o empresário Ronan Maria Pinto assumiu o controle acionário da publicação. As glórias e os percalços do Diário do Grande ABC vêm do passado e não são exclusividades do jornal no mundo da comunicação.
A pretensão de arvorar-se fonte suprema do acompanhamento da realidade regional exposta em editorial só não é anedótica porque constrange o bom senso. Tudo isso está, em outras palavras, documentado no Planejamento Estratégico Editorial com o qual desembarquei na condição de diretor de Redação do jornal em julho de 2004. Este texto, portanto, não é uma crítica circunstancial sustentada por algum sentimento abjeto como eventualmente um ou outro imbecil pode sugerir em manjada velharia tática para desclassificar a análise.
E o escândalo do Semasa?
Como leitor do Diário do Grande ABC, mais que como jornalista metido a observar o cenário regional, tenho obrigação de cobrar da publicação coerência editorial para, no caso específico envolvendo Luiz Marinho e a empreiteira OAS, esperar que tudo seja esclarecido. Já imaginaram os leitores se, como se pressupõe, tanto o prefeito petista quanto a construtora colhida em delito na Petrobras, aparecerem nas denúncias dos delatores?
A omissão do Diário do Grande ABC durante os dois últimos anos é um convite a especulações. Não é normal dentro das regras de liberdade de imprensa que uma publicação faça tanto e justo alarido durante 15 dias sobre determinadas relações entre um prefeito e uma empreiteira e em seguida impere completo apagão.
Aliás, este não é o único caso em que o Diário do Grande ABC saiu com tudo na publicação de denúncias próprias e de terceiros e, súbito, cala-se. São muitas outras situações. O escândalo do Semasa, que, igualmente o jornal noticiou com constância, desapareceu de suas páginas, embora as conclusões das investigações do Ministério Público jamais tenham sido levadas a público. E olhem que o caso Semasa é anterior ao da Máfia do ISS na Prefeitura de São Paulo, cujas apurações estão avançadíssimas, inclusive com prisões de alguns dos envolvidos, além de processos criminais contra dezenas de construtoras e incorporadoras que surrupiaram mais de R$ 500 milhões dos cofres públicos.
Importância relativizada
Provavelmente, seguindo a lógica do editorialista do Diário do Grande ABC, nada disso seja importante, porque só é importante o que o jornal publica. Nesse caso, até a importância do importante é provisória, porque o que é pauta obrigatória hoje pode se tornar pauta dispensável amanhã, mesmo que tudo indique que os rumos da importância do que era importante sejam ainda mais importantes.
O critério de importância editorial do Diário do Grande ABC não é o critério de importância da realidade regional nem mesmo se admitindo que vivemos há muito tempo o pior período do que chamaria generosamente de institucionalidade regional, algo tão abstrato que chega a ser um abuso utilizar a expressão como indicativo de suposta realidade de relacionamentos entre organizações da sociedade.
Grandes questões regionais foram abandonadas ou subestimadas, quando não ignoradas, pelo Diário do Grande ABC ao longo dos anos. Antes que o final do ano chegue, vou publicar os primeiros 50 motivos que tornam esta revista digital, extensão editorial de LivreMercado, uma ferramenta obrigatória à leitura de quem sabe que a Província do Grande ABC está muito distante do sonho individual e coletivo da sociedade. Na maioria dos casos, o Diário do Grande ABC se manteve refratário como agente motivador a transformações.
O jornal precisa torcer para que as relações entre Luiz Marinho e a OAS não ganhem as manchetes de outras publicações por conta do escândalo da Petrobras. Ou então, pretensioso como se colocou naquele editorial, interprete eventuais desdobramentos como algo sem a menor importância, depois de lhe ser muito importante. Como prova o próprio acervo do jornal.
Relativizar a importância do importante é um artifício muito cômodo para quem não dá valor à memória informativa ou para quem só dá valor à memória informativa se a memória informativa coincidir com a relativização da própria linha editorial.
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13/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (33)