Economia

Sindicato dos Metalúrgicos vende
derrota na Volkswagen como vitória

DANIEL LIMA - 20/01/2015

Somente os tontos que engolem tudo sem a menor preocupação com análises desprezaram que o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, onde Lula da Silva iniciou carreira pública, foi o grande perdedor na disputa com a Volkswagen, recentemente encerrada com a suspensão de 800 demissões.


 


É preciso recuperar a cronologia dos fatos para não deixar pedra sobre pedra de aniquilamento de qualquer gesto ou iniciativa que procure minimizar os estragos comemorados como vitória. Os sindicalistas herdeiros do ex-presidente da República acreditam contar com as virtudes e as artimanhas do líder que refez para o bem e para o mal a trajetória do trabalhismo no País. A cúpula do Sindicato dos Metalúrgicos é apenas uma caricatura dos bons tempos (ou maus tempos, segundo o outro lado da moeda de avaliação) do movimento sindical.


 


Repetindo que a cronologia dos fatos narrados pela imprensa é o melhor antídoto contra farsantes enunciadores de novas conquistas trabalhistas, convido os leitores a um passeio pelos tempos recentes. Aos detalhes, portanto.


 


Primeiro ato


 


Na edição de 1º de dezembro do ano passado o jornal Valor Econômico publicou uma matéria sob o título “Volks fecha acordo para reduzir custo trabalhista de fábrica no ABC”. Os principais trechos:


 


 A Volkswagen fechou acordo na fábrica de São Bernardo do Campo, no ABC paulista, para cortar custos trabalhistas e reduzir um excesso de mão de obra que, segundo o sindicato dos metalúrgicos da região, chega a 2,1 mil operários – o equivalente a 16% dos 13 mil funcionários empregados na unidade. Junto com incentivos à antecipação de aposentadoria, um novo programa de demissões voluntárias (PDV) será aberto na fábrica. Além disso, os salários não vão ser reajustados em março de 2015, como estava previsto. Já no ano seguinte, a Volkswagen não vai conceder reajuste salarial superior à inflação, em acordo parecido com o que foi acertado recentemente pela Mercedes-Benz na mesma cidade. Benefícios como participação nos lucros e resultados foram, porém, mantidos, e, para compensar em parte a falta de aumentos, a Volks vai pagar abonos salarias. A partir de 2017 – até o prazo do novo acordo, em 2019 – aumentos salariais superiores à inflação voltarão a ser concedidos. Para chegar a esses termos, a montadora e o sindicato dos metalúrgicos do ABC negociaram nos últimos meses a revisão de um acordo coletivo, celebrado em março de 2012, que definia reajustes reais de salários – de 2% além da correção da inflação – até 2016. (...).  Wagner Santana, secretário-geral do sindicato, diz que a revisão foi necessária para preservar empregos e dar condições para a fábrica de São Bernardo atrair investimentos previstos na renovação da linha de veículos da marca. (...).  A montadora diz que o novo acordo trabalhista tem como objetivo manter a competitividade de suas operações no ABC, bem como visa adequar a produção à demanda de mercado – escreveu o Valor Econômico.


 


Segundo ato


 


Esse poderia ser chamado de primeiro ato do acordo entre a Volkswagen e o sindicato. Agora, vejam o segundo ato, retratado na edição de três de dezembro de 2014 do Estadão:


 


 Trabalhadores da Volkswagen rejeitaram ontem em assembleia a proposta que previa a abertura de um programa de demissão voluntária (PDV) para cerca de 2,1 mil funcionários da fábrica de São Bernardo do Campo, no ABC paulista. O pacote incluía o não reajuste de salários em 2015 e 2016 e garantia de produção de três novos carros na unidade. Negociada entre a direção da Volkswagen e o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC desde julho, a proposta foi rejeitada por metade dos cerca de nove mil trabalhadores que participaram da assembleia na tarde de ontem – escreveu o Estadão.


 


Terceiro ato


 


Como se observa, houve um vácuo de representatividade envolvendo a direção do Sindicato dos Metalúrgicos e os trabalhadores da Volkswagen. O acordado entre empresa e sindicalistas foi rechaçado pelo chão de fábrica. A direção do sindicato sentiu-se traída pela classe ou tudo não passou de um jogo de cena típico de negociações trabalhistas que nem sempre encontram nas assembleias de trabalhadores o resultado acertado nos gabinetes refrigerados?


 


Agora, chegamos ao terceiro ato da empulhação de uma derrota vendida como vitória. Alguns trechos da matéria publicada dia sete de janeiro, uma quinta-feira, no Valor Econômico:


 


 A Volkswagen confirmou ontem que vai demitir 800 trabalhadores na fábrica de São Bernardo, deflagrando uma greve por tempo indeterminado pelo sindicato dos metalúrgicos para pressionar a montadora a anular essas demissões e voltar a negociar alternativas ao excesso de mão de obra na unidade. (...) Segundo a Volks, a derrocada da indústria de veículos junto com o acirramento da concorrência exige medida para melhorar a competitividade da operação. O sindicato, contudo, diz que a decisão viola o compromisso de preservação de empregos dado pela montadora no acordo trabalhista firmado em março de 2012, o mesmo que a Volkswagen tentou, sem sucesso, alterar no fim do ano passado, em decorrência da piora nas condições do mercado. (...). Entre julho e novembro do ano passado a montadora negociou com o sindicato uma revisão no acordo trabalhista firmado em 2012 para reduzir custos e a mão de obra excedente no ABC. Contudo, a proposta (...) foi rejeitada pelos trabalhadores em assembleia – escreveu o Valor Econômico.


 


Quarto ato


 


Um quarto ato dessa comédia de erros do Sindicato dos Metalúrgicos foi adequadamente tratada na edição de 16 de janeiro pela jornalista Claudia Safatie, em coluna assinada no Valor Econômico. Os trechos mais importantes:


 


 As demissões de mais de 12 mil trabalhadores da indústria automobilística em 2014 não comoveram o governo a ponto de fazê-lo reeditar medidas de incentivo fiscal como no passado recente, quando reduziu a incidência do IPI para diminuir o preço e incentivar as vendas. Um ministro, questionado sobre a situação do setor, não titubeou: “O que a indústria precisa é se expor mais” à concorrência externa, melhorar a competitividade, buscar novos mercados e exportar mais”. (...). Vai-se assim, consolidando a operação desmonte de todos os equívocos acumulados em nome de uma nova matriz econômica que marcou o primeiro mandato de Dilma Rousseff. Erros que geraram a fatura que será debitada na conta de consumidores e contribuintes.


 


Quinto ato


 


Agora vamos ao quinto ato dessa ópera-bufa de negociação trabalhista. Repasso os trechos mais importantes da matéria publicada na edição de sábado, 17 de janeiro, do Estadão:


 


 Funcionários da Volkswagen de São Bernardo do Campo, no ABC paulista, decidiram ontem encerrar a greve iniciada no dia seis, depois que a empresa suspendeu as 800 demissões anunciadas no início do mês. A produção da fábrica será retomada na segunda-feira. Um programa de demissão voluntária (PDV) será aberto a partir da próxima semana, pois a empresa insiste na necessidade de adequação de seu quatro de pessoal para garantir competitividade da fábrica, a mais antiga do grupo no País, no atual cenário econômico e de concorrência de outras montadoras. (...). Quem aderir ao PDV receberá de cinco a 25 salários extras, dependendo do tempo de casa, da área de atuação e da proximidade da aposentadoria. A empresa também alterou a proposta salarial que havia sido rejeitada em dezembro. Os salários serão reajustas pela inflação integral de 2016 a 2019 (data da vigência do acordo), e nos últimos três anos também haverá aumento real de 1%. Neste ano, o reajuste da inflação pelo INPC e o aumento real de 2% serão pagos como abono e não serão incorporados aos salários. Em 2016 só o aumento real não será incorporado. A proposta anterior previa congelamento dos salários real nos dois anos e o INPC não era integral. (...) É um acordo amplo e muito importante para todos pois traz melhores condições de competitividade e viabilidade da fábrica Anchieta”, afirma Douglas Pereira, gerente de relações trabalhistas da Volkswagen. Segundo ele, o acordo permitirá introduzir uma nova plataforma de produtos na fábrica, a maior do grupo no País. (...) Segundo Wagner Santa, secretário-geral do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC (...) o acerto garante estabilidade de emprego por cinco anos aos trabalhadores que permanecerem na fábrica. As exceções serão PDVs, aposentadorias e dispensa por baixa performance. (...) Os nove dias úteis de paralisação na Volkswagen serão parte compensadores e parte descontados de janeiro a abril – escreveu o Estadão.


 


Conclusões finais


 


Repassadas essas informações, parto para o sexto ato. Trata-se de uma análise sucinta dos acontecimentos, vistos sob a ótica de regionalidade, ponto de vista que vai muito além do corporativismo sindical e empresarial que tomou de assalto as manchetes de jornais impressos, virtuais, meios eletrônicos e redes de televisão. Vamos aos pontos mais importantes:


 


1. O programa de demissão voluntária (PDV) que a Volkswagen apresentou na primeira proposta, em conjunto com o sindicato, foi gloriosamente mantido, com alguns retoques exclusivamente para enganar o distinto público. Tanto foi bom para a empresa que um de seus executivos o exaltou. O sindicato procurou limpar a barra suja ante os trabalhadores ao trocar demissões imediatas que não constavam do plano de voo da Volkswagen no final de novembro por demissões a conta gotas. Que virão. Como vieram nos últimos 10 anos quando, mesmo com todo o avanço do mercado automotivo no País, fruto da Era Lula de Consumismo, a fábrica da Anchieta cortou três mil trabalhadores.  Sempre em surdina, porque é isso que interessa à manutenção das relações diplomáticas entre executivos privados e executivos sindicais.


 


2. A Volkswagen deixou de produzir no período de greve nada menos que 12.150 veículos. Nada mais interessante, porque pode calibrar melhor o encalhe que detém juntamente com as demais montadoras num mercado em desaceleração de vendas. Deixar de elevar o estoque e conter os gastos operacionais durante 10 dias, além de livrar-se dos custos salariais, é mesmo uma grande jogada que a pedra tática bem engendrada em forma de 800 demissões tratou de ajeitar.


 


3. O Sindicato dos Metalúrgicos do ABC comemorou uma vitória que não é da classe dos trabalhadores e tampouco da sociedade regional como um todo, mas exclusivamente de seus interesses de manter as montadoras e algumas sistemistas que giram em torno dessas fábricas como falsas vitrines de uma economia pujante que ficou no passado. Explico: as autopeças da região, sempre relegadas a segundo plano, vivem na penúria, depois de largamente desnacionalizadas nos anos 1990, quando não evadidas em busca de melhor ambiente econômico, social e sindical. A vitória vendida pelo sindicato custa caro para a economia da região porque afasta investimentos de empresas que fogem das planilhas de produção locais -- praticamente o dobro dos valores despendidos com mão de obra em outras regiões do País que contam com o setor automotivo.


 


4. Os entrechoques com a Volkswagen e consequentes dramas expostos pela mídia sempre favorável à humanização das relações entre capital e trabalho provocaram mais danos à imagem institucional da Província do Grande ABC. Pelas facilidades de cobertura da mídia, movimentos grevistas na região são um prato cheio à imprensa em geral. O jornal Nacional simboliza essa atratividade facilitada pela logística. Outras regiões do País que sofrem com as consequências econômicas da desastrosa ação do governo Dilma Rousseff não passam por traumas midiáticos como a Província do Grande ABC. Sinônimo de movimento sindical, a região reforçou com a greve na Volkswagen um viés de temor dos investidores empresariais. Os estragos no tecido socioeconômico da região nos últimos 20 anos de maior competitividade do setor automotivo traduzem o quanto perdemos de importância econômica.


 


5. A tentativa de buscar novo socorro governamental com ações que saltaram nas páginas de jornais acabou frustrada. Enviados do setor automotivo e dos metalúrgicos da Província foram a Brasília e voltaram de mãos abanando. O ministro da Fazenda Joaquim Levy continua a dar cartas à reestruturação fiscal do País: os privilégios concedidos aos favoritos do rei de plantão – no caso atual, da rainha – foram para o brejo. Sem o Estado a lubrificar as engrenagens emperradas de indústrias do setor automotivo que ainda correm em busca de competitividade, a recomposição da pauta inicial era a única saída possível. 


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