Quem tem histórico de coerência não tem medo de expor ideias, por mais que essas ideias sejam contraproducentes num mundo em que a hipocrisia do politicamente correto prevalece diplomaticamente em público, embora seja detonada no silêncio conveniente do ambiente familiar. Completaram-se no último cinco de janeiro 18 anos de um texto que preparei e foi impresso nas páginas da revista LivreMercado, publicação que criei e dirigi na área editorial por duas décadas. “Montadoras não podem continuar sendo referencial de reivindicações” é um dos alicerces sobre os quais me sustento para dizer com todas as letras que as críticas recentes à dinastia do sindicalismo na Província do Grande ABC estão conectadas à minha história profissional. Não troco de casaca como a maioria dos políticos e tampouco trafego ao sabor dos ventos de muitos coleguinhas da mídia. Podem me chamar de pernóstico, mas não custa reiterar um perfil profissional pouco comum na sociedade de arreglos.
Já naquela oportunidade, ou seja, há 18 anos -- como poderão constatar os leitores que acessarem o link ao final deste artigo --, exercitava crítica à forma com que o sindicalismo se conduzia em detrimento do futuro da Província do Grande ABC. O prevalecimento do corporativo sobre o conjunto da sociedade exalava mau cheiro que não se dissipou até hoje, porque ainda há muito a se modificar.
O repasse automático de pautas de negociações com as montadoras de veículos a empresas sem qualquer parentesco funcional e de mercado com as automotivas ajuda a explicar os efeitos danosos que atingiram a economia regional ao longo dos anos. Responsabilizar exclusivamente os governantes de plantão pelos descalabros é muito cômodo. A conta também precisa ser distribuída aos sindicalistas.
Cuidando da biografia
A Província do Grande ABC perdeu tônus industrial entre outras razões porque nossos sindicalistas só se preocupam com a própria biografia, transformando-se em exemplares especiais de mobilidade social. Uma biografia esperta. Basta constatar o quanto sofremos ao longo dos anos com a queda da produção industrial e o quanto comemos poeira de outros endereços para concluir que eles, os sindicalistas, são especialistas mesmo em criar cenários que os favoreçam principalmente junto aos trabalhadores.
Ao reler aquele artigo consegui resgatar dois fatos que explicitam bem o quanto o sindicalismo das montadoras de veículos transplantado ao restante da economia regional produz estragos e reduz a mobilidade social. Ou seja: diferentemente do que cansam de alardear lideranças sindicais que não passam de papagaios, os privilégios concedidos a fórceps pelas montadoras de veículos, sob pena de sofrerem retaliações, mais prejudicam do que alimentam o tecido de desenvolvimento econômico da região. As vantagens alcançadas por uma minoria de trabalhadores pesam sobre os ombros dos demais profissionais que não ostentam dísticos de montadoras.
Os dois casos mencionados são fatos raros na historiografia de conformismo empresarial na região. Mais precisamente são dois pontos fora da curva do silêncio padrão quando não de suposta concordância com o modus operandi do sindicalismo cutista.
O primeiro depoimento coube a Hugo Miguel Etchenique, então presidente do Conselho de Administração da Brasmotor que, ao esvaziar a fábrica da Brastemp de São Bernardo, teve a coragem de dizer em público que o setor automobilístico da região causava problemas aos demais no estabelecimento de políticas salariais.
Antes dele, conforme o artigo sugerido à leitura, apenas Dirk Blaesing, executivo da Fairway Filamentos, do setor têxtil, lamentou o destrutivo efeito montadoras-metalúrgicos no relacionamento com os recursos humanos, admitindo-o como complicador de novos investimentos na região.
Silêncio da mídia
Notem os leitores que esse é um tema proibido nas mídias locais e nacionais. Há um silêncio ensurdecedor. Os jornalistas que cobrem o setor automotivo e também a área sindical não contam com liberdade de expressão para escrever o que sabem e pensam, porque se o fizerem estarão perdidos.
É verdade que existe uma turma de deslumbrados, que ainda acreditam na conversa mole de sindicalistas carreiristas que infestam o País, mas esses são uns bobocas que sentirão vergonha do que são quando passarem por novas experiências profissionais.
Os mais veteranos se calam porque ao menor deslize em favor da realidade dos fatos serão metralhados pelos sindicalistas. Metralhados é força de expressão, é metáfora. O que quero dizer é que observarão que entre o que pretendem colher de informações e o nível dos reservatórios de água que servem a Grande São Paulo haverá uma estranha coincidência de escassez, quando não de hostilidade.
Para preservar as fontes oficiais e oficiosas de informações de setor tão estranhamente protegidos como o sindicalismo, muitos jornalistas que cobrem o setor automotivo entregam a alma ao diabo porque sabem que só assim não serão superados pelo concorrentes que se submetem à lavagem cerebral da desinformação qualificada. O jogo jogado no dia a dia do jornalismo impresso, principalmente, é um jogo viciado, condicionado às contrapartidas das fontes.
Os sindicalistas de coturnos mais elevados são muito bem preparados para o jogo da comunicação social. Eles sabem lidar com a mídia. Reconhecem com facilidade o terreno em que pisam. Eventuais pedras no sapato são rigorosamente escanteadas.
Condecoração cômoda
Entre outras razões, fica fácil explicar porque a mídia praticamente condecorou com o selo de eficiência a cúpula do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC após a patética, estúpida, contraditória e derrotada ação grevista na Volkswagen de São Bernardo, como mostramos neste espaço. Quando digo “mostramos neste espaço”, quero dizer exatamente o seguinte: munimo-nos de fontes testemunhais inquestionáveis – o próprio noticiário dos jornais – para provar que os sindicalistas deram um giro de 360 graus (isto mesmo, 360 graus) porque entre a proposta inicial da Volkswagen e a assembleia que decidiu acabar com a greve o que tivemos como saldo final foi praticamente tudo que estava na origem da negociação aceita pela Volkswagen. Menos, evidentemente, e a dano dos trabalhadores, o desconto dos dias parados que, em última instância, quebrou o galho da Volkswagen de estoques coalhados de veículos.
Total de 1894 matérias | Página 1
21/11/2024 QUARTO PIB DA METRÓPOLE?