Uma das 11 unidades de refino do sistema Petrobras, a Refinaria de Capuava está pronta para a competição global. A concorrência que se aproxima após a abertura total do mercado brasileiro para os negócios da gasolina e do óleo diesel é apenas o tempero extra no caldo de transformações vivido pela empresa de Mauá nos últimos 10 anos. A estatal que exerceu meia década de monopólio sobre os combustíveis passou por profunda reformulação técnico-operacional para encarar de frente o mundo dos negócios sem fronteiras. Na condição de unidade da Petrobras responsável por 40% do abastecimento da Grande São Paulo, a Recap coloca à prova todas as ações de gestão integrada planejadas pela diretoria executiva da Petrobras a médio prazo para chegar em 2002 exatamente ao lado do cliente.
Nada parece mais lógico do que empresas estarem em sintonia com quem lhes garante o faturamento no final do mês. No caso da Refinaria de Capuava, porém, essa regra básica das transações comerciais ganha contorno diferenciado de outros setores da economia brasileira. O monopólio do petróleo foi quebrado em 1997, mas até o início deste ano somente a Petrobras tinha autorização para importar nafta, o que garantia à estatal exclusividade no fornecimento do produto a eventuais interessados na produção de combustíveis. Também estava sob o manto exclusivo da Petrobras a importação de gasolina e diesel. Com o fim da reserva de mercado, tanto a nafta quanto os produtos acabados já podem ser adquiridos por outras empresas diretamente no mercado internacional.
Diferente do que ocorreu com outros setores da economia que ficaram escancarados à competição internacional do dia para a noite, a abertura do segmento petrolífero obedeceu etapas pré-definidas. O cronograma permitiu à Refinaria de Capuava planejar a transição de um mercado protegido para outro totalmente aberto com cautela e, principalmente, velocidade compatível com as diferentes fases de transformação. "Nos últimos dois anos temos nos preparado intensamente para ganhar o reconhecimento do cliente" -- comenta o gerente-geral da Recap, João Ricardo Barusso Lafraia.
A Refinaria de Capuava planejou cada passo para enfrentar a livre concorrência. Entre as 11 refinarias da Petrobras, Mauá alcançou a condição de unidade que apresenta o melhor retorno financeiro por barril de petróleo processado porque investiu em aprimoramento de produção e modernização administrativa. Foram US$ 143 milhões de investimentos nos últimos cinco anos e outros US$ 222 milhões estão planejados para período idêntico. As somas nada desprezíveis expressam a preocupação em continuar na dianteira de um jogo estudado às minúcias. O adversário é conhecido, mas a batalha envolve a Grande São Paulo, maior mercado consumidor da América Latina e onde estão 25% do PIB nacional.
Liderança metropolitana
A Recap lidera o mercado de combustíveis na Região Metropolitana de São Paulo com 40% do abastecimento de gasolina, 40% do óleo diesel e 30% do gás de cozinha. Os três produtos que compuseram o carro-chefe do faturamento superior a R$ 1 bilhão da refinaria em 2001 são também o objeto de desejo das corporações estrangeiras que almejam aproveitar o fim das barreiras no mercado de combustíveis. A Recap enfrenta o desafio de manter a hegemonia tecnológica e comercial porque tem entre os principais clientes grandes empresas que podem optar por comercializar e até vender a terceiros o produto trazido diretamente de bases internacionais. Além da BR Distribuidora, que também integra o sistema Petrobras, Shell, Texaco e Ipiranga estão entre os principais compradores de combustíveis da Refinaria de Capuava e, agora, são potenciais concorrentes.
"Se formos competentes nada muda, porque temos custos e processos de produção iguais aos do mercado internacional" -- confia o gerente de comercialização Neilson Francisco Rosa. A contundente argumentação do executivo remete à equação na qual o resultado positivo não está apenas na dependência de números superlativos. Para manter e até ampliar o fornecimento mensal de 80 mil metros cúbicos de gasolina -- quantidade suficiente para abastecer 1,6 milhão de tanques com média de 50 litros cada --, a Recap precisa driblar variáveis sujeitas às intempéries macroeconômicas e políticas.
Uma dessas variáveis é o preço. O custo do produto está permanentemente sujeito às cotações do dólar e ao cartel internacional do petróleo. É esse custo que vai determinar se a gasolina e o diesel devem ser adquiridos no Brasil ou no Exterior. Apesar da recente reclamação pública do presidente Fernando Henrique Cardoso, a Petrobras tem liberdade para fixar o preço dos combustíveis que comercializa e procura manter os valores adequados aos praticados no Exterior.
A tática, teoricamente, desestimula a importação. Mas a chegada do navio Storm Lady no início de março a Pernambuco dá sinais emblemáticos de que preço competitivo já não é suficiente para manter a hegemonia. O navio proveniente do Golfo do México trouxe a bordo 19,5 milhões de litros de óleo combustível para abastecer o Nordeste. A importação foi realizada pela Petro, empresa que representa as distribuidoras Dislub e Total e que tem sob essas bandeiras 240 postos de gasolina na região. Apesar dos impostos e dos trâmites que envolvem as operações de comércio exterior, a Petro já manifestou intenção de repetir a importação mensalmente para tornar o preço mais acessível ao consumidor.
A chegada dos combustíveis ao Nordeste não interfere diretamente nos negócios da Recap, porque a refinaria só atua no mercado paulista. Mas a transação é o primeiro sinal de como vai funcionar o mercado totalmente aberto e reforça a tese detectada pela Recap já há alguns anos de que preço baixo não é argumento suficiente para sustentar os resultados positivos dentro da nova configuração dos negócios. Não à toa, a refinaria elegeu outros fatores que complementam o item custo e estão alçados à condição de igualmente cruciais na manutenção da hegemonia.
A refinaria demonstra preocupação especial em adequar a distribuição à necessidade do cliente. Assim como as outras 10 unidades da Petrobras, a Recap foi geograficamente instalada para aproveitar a proximidade com os clientes. Mas o endereço aparentemente confortável deixou de ser exclusivo desde o ano passado, quando a vizinha Petroquímica União começou a produzir 15 mil metros cúbicos de gasolina/mês. É apenas um exemplo de como a concorrência instala-se sem cerimônia no próprio quintal para, obviamente, desfrutar de potencialidades logísticas similares.
A ordem é agilizar e eliminar operações que acrescentem custos ao produto final. A Refinaria de Capuava planeja investir R$ 15 milhões em uma nova base de carregamento para aumentar a agilidade na distribuição. A maior parte do combustível produzido na refinaria segue por dutos até as principais distribuidoras. O transporte rodoviário responde por apenas 4% do volume de entrega dos produtos, mas deve ser ampliado até atingir patamar de 20%. A estratégia de ampliar a distribuição por terra vai beneficiar clientes corporativos e postos de combustíveis que estão mais próximos da refinaria do que dos terminais de distribuição, já que caminho mais curto até as bombas representa agilidade e custo reduzido.
O projeto também tem ligação direta com as anunciadas obras que prometem desafogar o sistema viário no entorno da empresa. O prolongamento da Avenida dos Estados e a construção do trecho sul do Rodoanel desembocarão praticamente às portas da Recap, que recepciona diariamente entre 100 e 120 caminhões. As duas intervenções viárias caem como luva no trecho urbano onde está a refinaria. O ultrapassado sistema viário local é um traiçoeiro gargalo para quem precisa fazer chegar seu produto ao destino final, mas não pode enfrentar mais complicações de tráfego.
Cliente satisfeito
A preocupação da Recap com a distribuição de produtos está respaldada por argumentos significativos. A empresa encerrou 2001 com 10 pontos percentuais acima dos 70% de meta estipulada como índice de satisfação do cliente. Os números pularam de 60% em 1997 para 80% em 2001 e o superávit é creditado à eficiência na entrega. A entrega, aliás, teve peso preponderante na pesquisa anual de avaliação realizada pelo Instituto da Qualidade Julio Lobos.
Além da distribuição, são analisados itens como documentação, produto, pós-venda e relacionamento. Os cinco pontos passíveis de análise fornecem feedback preciso porque foram eleitos pelos próprios clientes como os mais relevantes nas transações com a refinaria. Para este ano a unidade planeja atingir 90% de satisfação do cliente, patamar 10% superior ao considerado ideal pelo Instituto da Qualidade Julio Lobos. "Houve uma mudança cultural na empresa que culminou com a transparência exibida atualmente" -- orgulha-se o gerente geral João Ricardo Barusso Lafraia.
Os subsídios obtidos com a avaliação anual monitoram a gestão integrada da Refinaria de Capuava entre as áreas de refino, produção e marketing e criam opções além das formas tradicionais de contato comercial. O Canal-Cliente formatado para o e-business já é utilizado por 80% da clientela e potencializou a agilidade que a Recap já havia alcançado após a informatização e a transmissão on line de dados entre seus setores internos. O site Canal-Cliente fornece em tempo real o histórico comercial completo com cotas, crédito, pagamentos a vencer, documentação e certificado do produto. O espaço virtual também privilegia a distribuição aos postos de combustíveis e já colocou em teste mais uma ferramenta para melhorar o relacionamento: o link e-truck oferece a opção de agendar pela Internet o horário de carregamento dos caminhões de postos e de empresas que optam por retirar os combustíveis diretamente na refinaria.
A Refinaria de Capuava pretende potencializar ainda mais o relacionamento com clientes e deve implementar a partir de maio próximo reuniões internas denominadas de Subcomitê Cliente-Mercado. Grupo de 30 funcionários de diversas áreas passará a se encontrar periodicamente para dar sugestões de melhoria, avaliar procedimentos e estudar a procedência das reclamações registradas pelo SAC (Serviço de Atendimento ao Consumidor). A equipe terá também a essencial missão de multiplicar as informações entre os 300 funcionários que compõem os quadros da refinaria. "Se um homem da manutenção conserta com eficiência uma máquina, está ajudando a atender o cliente com mais rapidez. É fundamental que ele tenha a consciência do todo, de sua importância no conjunto" -- explica o gerente de comercialização Neilson Francisco Rosa.
Arrancada tecnológica
A arrancada que deixou a Refinaria de Capuava preparada para o mercado aberto começou com o desenvolvimento de tecnologia que agregou valor aos derivados de petróleo. Desde que inaugurou a Unidade de Craqueamento Catalítico de Resíduos, no final de 1999, a planta de Mauá se transformou em uma das empresas de ponta da Petrobras porque o mix de produtos refinados a partir do mesmo barril de petróleo está bem mais atrativo. A empresa substituiu gradativamente a produção de óleo combustível, considerado primo pobre dos subprodutos do petróleo, por derivados mais valiosos. Nos últimos dois anos a unidade praticamente encerrou a produção de óleo combustível para duplicar a de gasolina e GLP.
A Unidade de Craqueamento Catalítico é um marco na história recente da empresa. Desenvolvida com tecnologia forjada na própria Petrobras, permitiu à segunda menor refinaria do conglomerado estatal alcançar níveis de rentabilidade comparáveis às principais refinadoras de petróleo do mundo. Nos últimos quatro anos o lucro por barril de petróleo processado pela Recap aumentou 10 vezes. A planta de Mauá, que em tempos passados esteve na marca do pênalti da desativação, pôde então olhar sem medo para o gigantismo das irmãs mais poderosas. A Recap processa 45 mil barris/dia, contra 330 mil da Replan (Refinaria de Paulínia), no Interior de São Paulo. Como não pode contar com as mesmas vantagens de escala, a Recap deposita fichas na rentabilidade.
A Refinaria de Capuava também exercita a saudável proximidade sistêmica com os consumidores de matéria-prima petroquímica. Recentemente tornou-se parceira da vizinha Polibrasil em estação separadora de propeno que entrará em operação no final 2002. A estação foi construída em área da empresa e vai transformar gás propeno em insumo para produção de resinas. A Refinaria de Capuava também está ampliando o fornecimento de GLP, com instalação de duas novas engarrafadoras na área do pólo petroquímico: Nacional Gás Butano e Copagaz. A vizinhança estabelece sinergia de distribuição que aumenta em mais de 10 mil toneladas mensais o fornecimento de gás de cozinha somente para essas duas empresas. Instalada em área de 3,7 milhões de metros quadrados, a Recap disponibilizou perto de um milhão de metros quadrados para atrair outros integrantes da cadeia petroquímica. "Temos de exercitar cada vez mais essa aproximação" -- enfatiza o gerente comercial Neilson Rosa.
Consumidor do futuro
A visão de futuro que a Refinaria de Capuava habituou-se a exercitar engloba também aspectos que extrapolam seus muros. A refinaria garante a qualidade do combustível que vende e só tem a certeza de que o produto não chegará adulterado no veículo do consumidor porque conta com amparo do programa De Olho No Combustível, que mantém sob estreita vigilância nos postos da bandeira BR. Mas como não pode responsabilizar-se pela idoneidade de bandeiras que não integram o sistema da Petrobras, decidiu fortalecer a marca entre a comunidade regional como forma de combater a adulteração e educar o consumidor do futuro.
Instalada na divisa de Santo André, a refinaria treinou 83 professores da rede estadual de ensino no Município em 2001 para disseminarem noções sobre o uso racional e correto de energia. O trabalho, denominado Conpet na Escola, integra o Programa Nacional de Racionalização do Uso dos Derivados de Petróleo. O programa foi criado em 1991, mas ganha nova dimensão com a abertura do mercado. Ao mesmo tempo em que o livre comércio aumenta as opções para o consumidor, pode também facilitar as práticas de adulteração de combustíveis. O assunto é de tirar o sono porque deixa fabricantes vulneráveis nas mãos de fraudadores, que se valem de preços bem mais baixos para ganhar mercado. São grupos organizados que não hesitam em matar. Basta lembrar o recente assassinato de um promotor de Justiça em Belo Horizonte.
"As crianças precisam conhecer desde cedo as marcas que trabalham com seriedade" -- acredita o gerente geral da Refinaria de Capuava, João Ricardo Lafraia. A Recap pretende expandir a experiência para outros municípios da região porque o Conpet na Escola ajuda a sedimentar o relacionamento da refinaria com a comunidade. A empresa desenvolveu know-how em ações de cidadania como doações de material escolar, parceria em programas municipais de saúde, patrocínios esportivos e frequentemente convida moradores vizinhos para conhecer os procedimentos de segurança adotados dentro e fora da refinaria.
A unidade também recupera o passivo ambiental ao investir R$ 7,5 milhões este ano em obras de despoluição do meio ambiente. Desde janeiro de 2002 a empresa deixou de emitir 3,5 toneladas por dia de amônia porque instalou incinerador que transforma gases poluentes resultantes do refino de petróleo em nitrogênio que já existe em estado natural na atmosfera. A refinaria também complementa a remoção de oito mil toneladas de borras oleosas iniciadas no primeiro semestre de 2001 que eram depositadas nas dependências da empresa e que agora são queimadas em cimenteiras. O processo de recuperação do solo está sendo monitorado pela Cetesb. A lista de projetos ambientais para 2002 envolve 11 pontos que ratificam a certificação ISO 14001 conquistada em dezembro do ano passado.
A estimativa da Recap é processar 2,8 milhões de metros cúbicos de petróleo nacional e importado durante 2002, o mesmo número processado no ano passado. Traduzido em produtos, esse volume de matéria-prima vai se transformar em 30 mil toneladas de gás natural, 350 mil toneladas de gás de cozinha, 960 mil metros cúbicos de gasolina, 1,2 milhão de metros cúbicos de diesel, 170 mil metros cúbicos de solventes especiais e 2,5 mil toneladas de enxofre líquido. O crescimento da produção em volume e notadamente em valor agregado pode ser dimensionado pelo salto de R$ 373 milhões para R$ 890 milhões do ICMS arrecadado, respectivamente, em 1999 e 2000. Números que fazem os cofres da Prefeitura de Mauá aplaudirem o esforço de pé.
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