O mercado imobiliário da Província do Grande ABC vive situação mais dramática que a de outros espaços nacionais fortemente abalados com a desaceleração econômica e, principalmente, com o ambiente de desgoverno. Na esteira de encalhes de imóveis residenciais e comerciais já se abriram duas alternativas não excludentes: a possibilidade de se apostar em pechinchas e a potencialidade de cristalizar-se quebradeira de empresas. Os próximos dois anos serão terríveis para o setor, já sufocado na temporada passada.
Noticiário que negue qualquer um dos cenários -- ou seja, PIB em decomposição, pechinchas em proporções inimaginadas e derrocadas empresariais em cadeia -- não deverá ser considerado sério.
Não estamos fazendo terrorismo, como alguns pretenderão fazer crer. O mercado imobiliário é o mais ensaboado e o mais poroso em matéria de sedução midiática.
Por mais que se esforcem, jornais e revistas já não conseguem esconder o que vem lá de trás insidiosamente: o excesso de lançamentos que transformou o território nacional em nichos e micos do mercado imobiliário está custando caro às construtoras e incorporadoras. A hora da verdade chegou e pegou no contrapé empreendimentos próximos do cronograma de conclusão de obras e bolsos cada vez mais vazios dos potenciais compradores.
Ainda estamos aguardando os números oficiais de 2014 do Clube dos Especuladores Imobiliários do Grande ABC, como denomino a Acigabc, entidade de gatos pingados que é dirigida ditatorialmente há mais de duas décadas por Milton Bigucci, dono do maior conglomerado do setor na região.
É verdade que os dados do Clube dos Especuladores Imobiliários não vão fazer diferença alguma, porque deverão confirmar a tendência de disseminar informações fraudulentas que beiram à irresponsabilidade social.
Balanço furado
Bigucci deverá tirar da cartola imaginativa de números fabricados ao sabor de improvisações um balanço que possivelmente conflitará com a realidade. Já foi assim em outras situações. Quem levar a sério os números do Clube dos Especuladores poderá ganhar o troféu de ingênuo do ano. Mesmo que os números sejam os piores possíveis, o que é pouco provável. Se forem os piores possíveis, a certeza é de que são ainda piores.
É gigantesco o encalhe de apartamentos e salas comerciais na região. Praticamente nenhum dos empreendimentos lançados nos últimos três anos se salva do desencontro entre oferta e procura. Principalmente os mais reluzentes, em áreas nobres e padrão de construção acima da média. As empresas acreditaram numa Província que não existe em forma da classe média convencional pronta a atender à oferta.
Já mostramos em inúmeros estudos que a classe média perdeu força na região desde a implantação do Plano Real e não reagiu com retomada de velocidade de novas famílias do segmento nem durante os anos consumistas de Lula da Silva. Imagine agora depois de quatro anos desastrosos de Dilma Rousseff e dos dois últimos anos de quebra da produção industrial, base do dinamismo social da Província. Não perdemos por acaso em 2014 uma fábrica de Scania e uma da Mercedes-Benz de emprego industrial com carteira assinada.
A crise no setor imobiliário aqui na Província e no Brasil como um todo é muito maior do que aparece nas páginas de jornais e revistas. Há um conluio generalizado -- em nome de investimentos publicitários -- para mitigar estragos causados pela política econômica do governo central associada à fome pantagruélica de um setor extremamente guloso.
Manipulando situações
Há organizações voltadas a estudos do mercado imobiliário que não passam de braços especulativos disfarçados de institutos de pesquisas. Não lhes interessam repassar dados consolidados que atestem o mergulho da atividade. Minimizam-se quebras de valores do metro quadrado que regem as relações de negócios. Faz-se de tudo para, nestes momentos de complicações, atenuar o baque provocado pela retração econômica e também pela vantagem dos investidores em procurar o mercado financeiro. O mercado imobiliário deixou de ser atrativo como investimento e se tornou uma armadilha aos usuários. A ficha da ruptura do inchaço de cinco anos ainda não caiu para a maioria. Mas vai cair.
Os indicadores de suposta correção de preços que já não acompanham os índices inflacionários são muito menores que a realidade do mercado. Há quase generalizado contraste entre a curva de queda do preço do metro quadrado residencial e comercial e a curva do desgaste da moeda nacional em forma de inflação.
As maiores construtoras e incorporadoras do País, todas listadas na Bolsa de Valores, recorrem a medidas drásticas para atenuar os desarranjos. Vendem-se no atacado imóveis prontos e também inacabados com descontos de até 50% a investidores estrangeiros.
Rivalidade santista
Talvez a crise do mercado imobiliário na Província do Grande ABC, a bordo de falsas informações sobre o poderio econômico da população e mais recentemente por conta do recuo automotivo, seja comparável ao que a Baixada Santista, especialmente Santos, sofre com os amargos rescaldos do pré-sal. As narrativas sobre o estágio falimentar de muitos empreendimentos imobiliários lançados na onda de milionários investimentos da Petrobras já eram dramáticas antes mesmo do agravamento do noticiário sobre as roubalheiras na estatal. Imagine agora.
Outro dia o jornal Valor Econômico, que não pode ser chamado de sensacionalista, abriu manchete de página sobre a situação imobiliária em Santos. “Atraso de planos da Petrobras gera cemitério de imóveis em Santos” explicitava o grau de dificuldades que a capital da Baixada Santista destilava no setor. Escreveu o jornal:
O atraso ou recuo de investimentos da Petrobras na região da cidade de Santos (SP), que após a descoberta do pré-sal foi escolhida para ser a sede das operações da petroleira na área, resultado num “cemitério” de empreendimentos corporativos. Apenas uma das três torres da nova sede da Petrobras está pronta – mas ainda não completamente operacional – e a estatal desistiu de ter uma base logística própria na região. (...). Comercializado a jato no lançamento, há empreendimentos vazios ou parcialmente ocupados. Entre os investidores que acreditaram no potencial da cidade atraídos pela exaustiva propaganda das construtoras, há frustração e dificuldade para vender ou alugar as salas. (...). O Secovi-SP, o Sindicato da Habitação, não divulga a taxa de vacância nos empreendimentos comerciais em Santos, mas o diretor-executivo da regional do órgão na Baixada Santista, Carlos Meschini, afirma que a situação “é muito complicada”, pior que a dos imóveis residenciais: “Sou otimista por natureza e minha visão é que antes de 2018 e 2020 a situação não se equilibre. A não ser que a Petrobras mude sua estratégia, termine as torres e invista forte no pré-sal de Santos”—publicou o Valor Econômico.
Verdades escorregadias
A retração no mercado imobiliário na temporada passada não é reproduzida com clareza pela mídia mas de vez em quando escapa uma reportagem elucidativa. Como a da edição de 24 de janeiro do Estadão, sob o título “Venda de materiais de construção tem pior ano desde 2009”. Reproduzo alguns dos principais trechos:
A indústria de materiais de construção enfrentou em 2014 o seu pior ano desde 2009. O setor encerrou dezembro com uma retração de 6,6% nas vendas e espera para este ano um aumento de apenas 1% acima da inflação, segundo estimativa da Associação Brasileira de Materiais de Construção (Abramat). Em 2009, quando os efeitos da crise financeira internacional ainda afetavam a economia, o recuou foi de 8,8% -- escreveu o Estadão.
No final de janeiro o Valor Econômico colocou o dedo na ferida da realidade com a reportagem “Começa temporada de desconto na venda de imóvel”. Leiam alguns trechos:
Em 2014, os lançamentos das incorporadoras de capital aberto caíram pelo terceiro ano consecutivo, mas o nível de estoques continuou elevado. O volume de estoques das incorporadoras foi reforçado por distratos – principalmente de unidades prontas – e pela retração da demanda num ano de Copa do Mundo, eleições e Carnaval tardio. Há expectativa que o conjunto dos lançamentos das incorporadoras listadas em bolsa posa ter nova redução em 2015. Na prática, as incorporadoras tendem a dar prioridade à busca de redução dos volumes de unidades prontas ou em via de serem concluídas em relação a lançamentos – escreveu o Valor Econômico.
Textos testemunhais
Perguntaria o leitor a razão do reforço de informações de jornais neste artigo e também em outros mais. Trata-se de estratégia editorial que caracteriza o conjunto conceitual desta revista digital. Busco o que chamaria de testemunhais consagrados para enriquecer as informações locais sonegadas largamente pela mídia regional por conta de interesses que interditam os canais de informações confiáveis.
Por conta disso, desdobro-me à captura de dados sobre o mercado imobiliário regional. Seria idiotice completa, para não dizer outra coisa, botar fé nas bobagens que o Clube dos Especuladores divulga em forma de estudos que não passam de improviso e manipulação. Tanto que jamais o dirigente Milton Bigucci se dispôs a abrir as planilhas, porque as planilhas não existem. São arremedos estatísticos sob a doutrina canhestra de que não se deve repassar nada que seja traduzido como más notícias, por mais verdadeiras que sejam.
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