Acabo de transferir para o estoque de lorotas do Observatório de Promessas e Lorotas da Província do Grande ABC uma proposta do prefeito de São Bernardo, Luiz Marinho, até então tratada como promessa. A iniciativa do petista foi formulada em novembro de 2010 juntamente com representantes da Saab do Brasil, e divulgada amplamente pelos jornais. Marinho disse que iniciaria no primeiro trimestre de 2011 as ações do Polo Aeronáutico de São Bernardo. E tudo começaria com um Centro de Pesquisas Aeronáuticas a atuar como grande núcleo estratégico responsável pela viabilidade de projetos na área de Defesa, Aeronáutica e Inovação Urbana. Já se passaram quatro anos e quase nada foi efetivamente concretizado. O Observatório tem flexibilidade conceitual para transformar promessa em lorota e lorota em promessa.
Luiz Marinho acompanhava e, mais que isso, corroborava as declarações de Bengt Janér, executivo da Saab do Brasil, que visitou o chefe do Executivo de São Bernardo, no Paço Municipal. “Estaremos a todo vapor”, disse o diretor geral da Saab. Divulgou-se também naquele novembro de 2010 que a iniciativa contaria com um Conselho de Administração integrado por representantes da Prefeitura e universidades locais, casos da FEI, Faculdade de Engenharia Industrial, e da UFABC, Universidade Federal do Grande ABC, entre outras. O Centro de Pesquisas ainda é miragem em termos de operacionalidade material. Bem diferente, portanto, da efetividade dos trabalhos que estariam bombando, segundo as projeções transmitidas há mais de quatro anos em tom de euforia.
Tanto quanto transmitir a importância do que seria o Centro de Pesquisas Aeronáuticas, Marinho e o executivo da Saab comunicaram que o investimento total chegaria a US$ 50 milhões. Até uma área de 500 metros quadrados, no Bairro Nova Petrópolis, já estaria reservada. Marinho estava particularmente entusiasmado com a iniciativa: “Toda a região será beneficiada com a instalação do Polo Aeronáutico que trará riqueza intelectual. Produção de tecnologia é importante para qualquer região do mundo. É motivo de muita alegria. É positivo para nossa cidade e para a região”, declarou o petista.
Reforçando laços históricos
É claro que tudo aquilo que foi anunciado e que caracteriza a inclusão da proposta como passivo de Luiz Marinho no Observatório de Promessas e Lorotas criado por esta revista digital tinha como pano de fundo reforçar os laços entre a Saab e um importante ramal do petismo no governo federal na tentativa de definir favoravelmente a ambas as partes – suecos e gestão Marinho – a escolha dos caças Gripen NG para abastecer a FAB (Força Aérea Brasileira). No final de 2013 os suecos, favorecidos pelo lobby petista de São Bernardo, ganharam de fabricantes franceses e norte-americanos a preferência dos militares e do governo Dilma Rousseff para a compra de 36 caças.
No mês seguinte àquele anúncio, em dezembro de 2010, os jornais já davam conta de que a Saab poderia derrotar a concorrência e assinar o acordo comercial com o Brasil. Tanto que o próprio presidente da Saab, Hakan Buskhe, reforçou o compromisso de investimento de US$ 50 milhões, em cinco anos, para a criação do Centro de Pesquisas e Desenvolvimento de Alta Tecnologia. Ressaltou-se, inclusive, que a iniciativa independia da escolha do governo federal para a renovação da frota dos aviões-caça da FAB. Apenas um disfarce do lobby petista de São Bernardo, é claro. Havia intrínseca complementariedade entre uma coisa e outra, ou seja, o Centro de Tecnologia servia como isca à sensibilização das forças políticas dedicadas a convencer o Palácio do Planalto e o entorno aeronáutico a apreciarem com mais carinho a proposta da empresa sueca.
O executivo da empresa sueca declarou num encontro com a imprensa: “Queremos realizar uma sinergia entre governo, academia (que envolve educação e pesquisa) e indústria, e não somente vir aqui para vender coisas. Nosso objetivo é fazer um intercâmbio de tecnologia e inovação entre os dois países”.
Convencendo o governo
Luiz Marinho também participou da coletiva. Depois de dizer que esteve pessoalmente com a presidente Dilma Rousseff e com o ex-presidente Lula da Silva para convencer o governo federal a engrossar as fileiras em torno dos caças suecos, declarou: “Acho que as chances aumentaram depois das conversas. De qualquer forma, o governo vê com bons olhos prefeitos que se movimentam para conquistar mais investimentos. A Saab andou mais rápido do que seus concorrentes, transferindo tecnologia e conhecimento para o Brasil. Um aporte dessa magnitude vai beneficiar não só São Bernardo, mas a região como um todo” – disse o prefeito. Mais não disse porque seria imprevidente. Há pontos obscuros no processo de escolha da Saab sobre os quais nos ocuparemos na hora certa.
O Centro de Pesquisas Aeronáuticas divulgado há mais de quatro anos virou Cisb (Centro de Pesquisa e Inovação Sueco-Brasileiro). Está sediado no Centro de São Bernardo mas não passa de embrião do parque tecnológico que São Bernardo anunciou com pompa combinada com imediatismo de resultados.
Tanto a Saab quanto a Prefeitura de São Bernardo evitam detalhamentos sobre o que seria um exagero chamar de operação daquela unidade. O mais correto é dizer que o Cisb foi instalado. Mais que isso: dão-lhe certo revestimento de grandeza, com o anúncio de que conta com 12 associados e mais de uma centena de parceiros internacionais.
Recentemente o Diário do Grande ABC publicou matéria que dava conta de que o Cisb promove intercâmbio entre profissionais que possuem doutorado ou curso de aperfeiçoamento na Suécia. Dois pesquisadores, isso mesmo, dois pesquisadores, já tiveram a oportunidade de estudar naquele país europeu.
Bolsas de estudos também constam da proposta. O Centro de Pesquisas tem todas as características de uma célula acadêmica em busca de consolidação. Uma realidade que não guarda qualquer proximidade com uma força-tarefa tecnológica-cientista destinada a revolucionar o tecido econômico e social de São Bernardo, como foi prometido como abre-alas à contratação dos caças suecos. Até porque, a parte que caberá a São Bernardo na produção dos aviões suecos não agrega alto índice de tecnologia, reservada aos centros geográficos mais adiantados na área, em São José dos Campos e Gavião Peixoto, Interior de São Paulo.
Escolha surpreendente
A surpreendente escolha dos caças suecos foi uma inegável vitória política do grupo alinhado à gestão de Luiz Marinho, mas pode representar novos desgastes ao petista, especialista em transformar propostas em promessas e lorotas. Tanto que só perde no ranking de CapitalSocial para o prefeito de Santo André, Carlos Grana.
Resta saber se as sacolejadas econômicas associadas a ascensão do PMDB no organograma gerencial do governo federal não vão produzir mudanças que alterem o rumo das negociações com os suecos. Os caças Gripen eram a terceira opção entre os finalistas do FX-2. Eram vistos no Planalto como um projeto.
Dois meses antes do anúncio oficial do acordo comercial, o entorno político de Dilma Rousseff não estava convencido de que fosse o ideal. O jornal Valor Econômico de setembro de 2013 escreveu: “Até agora, a ofensiva da fabricante Saab não foi capaz de desfazer a percepção de que sua escolha seria uma espécie de tiro no escuro, embora o próprio governo da Suécia já tenha encomendado 60 unidades do Gripen NG (New Generation) – a Suíça adquiriu outros 22 jatos”.
O que oficialmente pesou à escolha dos caças suecos foi o fato de o projeto estar em desenvolvimento e que, visto por ângulo positivo, possibilitaria que a fabricante sueca garantisse a produção de 80% da estrutura do avião no Brasil. Além disso, os suecos ofereceram financiamento integral para os equipamentos, de forma a aliviar o orçamento da FAB, com início de pagamento seis meses após a entrega da última das 36 unidades, ou seja, após cerca de 15 anos.
O que se pergunta é simples: se havia tantos elementos de negociação que permitiriam ao governo brasileiro natural inclinação à proposta comercial da Saab, qual a razão que levou a empresa a se juntar à Administração Luiz Marinho num projeto de suposta libertação da economia de São Bernardo do jugo automotivo? Foi exatamente essa a projeção quando se anunciou um centro de estudos tecnológicos que, em colisão com a lógica produtiva, abasteceria um agrupamento de pequenas empresas voltadas a industrializar carcaças de baixo valor agregado.
Com os novos 20 pontos de passivo, a Administração Luiz Marinho alcança o total de 590 no Observatório de Promessas e Lorotas. Antes, como estava na categoria de promessa, a iniciativa custara apenas 10 pontos negativos. Marinho ainda muito distante dos 850 pontos de Carlos Grana. Cada promessa vale 10 pontos e cada lorota soma 20 pontos no passivo de cada prefeito da região. Não exista na mídia mundial projeto semelhante ao de CapitalSocial para medir o tamanho de ilusionismos públicos.
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