Imprensa

O que explica surpreendente saldo
de emprego industrial em janeiro?

DANIEL LIMA - 03/03/2015

Se alguém tivesse me proposto uma aposta sobre o comportamento do mercado de trabalho com carteira assinada na Província do Grande ABC em janeiro último não teria dúvida em apontar novo registro negativo. Os 15.093 empregos decepados na indústria regional no ano passado e a deterioração das expectativas e da realidade econômica, social e política nesta temporada me assegurariam acerto inquestionável. E não é que levei um baile dos dados do Ministério do Trabalho, que apontou saldo de 242 carteiras assinadas no setor de transformação industrial num janeiro em que o setor automotivo que nos move e nos comove, quando não nos assola, sofreu baque de quase 30%, quando comparado a janeiro do ano passado?


 


Seria ótimo se o resultado do emprego industrial formal na Província do Grande ABC em janeiro fosse expandido à temporada toda, mas desta feita não há o menor resquício de dúvida de que teremos mil complicações. Não sou dado a chutometrias. Mesmo quando aparentemente chuto na verdade exercito a soma de conhecimento e sentimento. Por isso, possivelmente somaremos ao final do ano déficit de mão de obra industrial superior ao do ano passado. Os indicadores macroeconômicos não nos permitem otimismo. Os movimentos internos, provinciais, nos incentivam ao ceticismo.


 


Assunto para ombudsman


 


Os leitores podem estranhar que este artigo não está na editoria de “Economia” e sim de “Imprensa”. Não há equívoco na distribuição. Decidi que juntaria as coisas para construir mais um capítulo da série de ombudsman não autorizado dos veículos de comunicação da região.


 


No caso dos dados do Ministério do Trabalho, o jornal Diário Regional se deu bem nas informações e no posicionamento gráfico. Diferentemente do Diário do Grande ABC. Explico: enquanto o Diário Regional acertou em cheio ao elevar a matéria à manchetíssima (manchete das manchetes de primeira página) com um título bem encaixado (“Indústria do ABC volta a contratar após 15 meses”), o Diário do Grande ABC relegou a informação a discretíssima matéria de página interna, de difícil localização e redutora de relevância: “Região perde 2.580 postos com carteira em janeiro” não foi a opção mais saudável, porque ignorou a importância do emprego industrial como elemento de desenvolvimento econômico.


 


Já é quase regra o Diário Regional contextualizar com mais acabamento as informações econômicas da região. Tanto que no caso específico do novo balanço do emprego, sobretudo o emprego industrial, voltou no tempo e cercou os 15 meses seguidos de destruição de vagas. No total, segundo o jornal, a região perdeu 19,5 vagas fabris no período. 


 


A matéria do Diário do Grande ABC, embora mal editada em termos espaciais, desta vez foi mais completa e abrangente que a do Diário Regional, porque saiu do quadradismo dos dados estritamente estatísticos. Tanto que ouviu algumas fontes da área econômica que me levaram a reflexões, situação que provavelmente se multiplicou entre os demais leitores.


 


O Diário do Grande ABC quis saber de gente qualificada a razão de a Província ter estancado mesmo que temporariamente a vazante do emprego industrial. É verdade que o texto não teve o que chamaria de molho, de ingredientes que valorizassem as respostas obtidas, mas valeu o esforço de reportagem.  Por ser surpreendente, o saldo de emprego industrial no janeiro tenebroso que só perde para o fevereiro horripilante deveria ser o mote da matéria do Diário do Grande ABC, como o foi do Diário Regional, mas com a vantagem de que foram ouvidas vozes importantes que tentam explicar o fenômeno.


 


Explicações importantes


 


E há explicações interessantíssimas na reportagem do Diário do Grande ABC. O vice-diretor da regional do Ciesp de Diadema, Anuar Dequech Júnior, relaciona o saldo positivo de empregos industriais à quebradeira de pequenas empresas ao longo do ano passado. Segundo o dirigente da entidade que representa a indústria de Diadema, os sobreviventes empresariais de pequeno porte foram beneficiados pela mortalidade, porque teriam conquistado fatias do mercado deserdado. 


 


Esse raciocínio tem certa lógica e poderia ser traduzido em algo como canibalização empresarial proporcionada por políticas públicas desastradas do governo federal, entre outras variáveis. Inclusive a ausência de planejamento privado e público na ocupação industrial de determinados territórios municipais. 


 


Já o diretor-titular do mesmo Ciesp de Diadema, Donizete Duarte da Silva, considerou outros dois fatores segundo a reportagem do Diário do Grande ABC. O primeiro é que as companhias estão descapitalizadas e por isso não contam com recursos para demissões sempre custosas porque as verbas rescisórias são uma espada permanente a inibir a oxigenação das empresas tanto em momentos críticos como em situações de avanço. A outra explicação do empresário é que as empresas exportadoras da região podem estar recompondo quadros operacionais para aumentar a frequência e a intensidade de negócios com outros países, agora que a cotação do dólar é amplamente favorável à extroversão dos negócios.


 


O mesmo Donizete Duarte da Silva lembrou, para fortalecer a ideia de que o câmbio estaria entre as respostas aos dados do Ministério do Trabalho, que os Estados Unidos estão elevando os níveis de negócios com bens manufaturados brasileiros, substituindo em parte as perdas que estamos acumulando desde que os preços das commoditties desabaram no mercado internacional.


 


Ouvindo quem interessa


 


Acho as explicações dos entrevistados do Diário do Grande ABC tão plausíveis quanto providenciais. Ouvir quem entende do riscado empresarial, que vive o dia a dia dos negócios, que sente na pele o quanto cada resolução governamental significa de complicação ou benção -- eis uma fórmula ao sucesso de uma abordagem jornalística diferenciada que, mantida e aperfeiçoada, contribui imensamente porque desperta o interesse dos leitores.


 


Mas nada disso ou quase nada disso terá a importância potencial que carrega quando um bom produto de informação se perde em meio a uma edição manquitola. A manchetinha de página interna da edição de sábado passado do Diário do Grande ABC poderia ter sido levada à condição de manchetíssima de primeira página (com perdão da redundância) se a pauta econômica do jornal fosse cláusula pétrea no tratamento cotidiano, nas reuniões preparatórias de cada edição.


 


O jornal preferiu manchetinha também de primeira página, dando enforque à perda líquida de empregos, ou seja, desconsiderando o setor industrial. Perdeu uma oportunidade mais que legítima de abordar um ponto positivo da economia regional. Mesmo que seja um ponto positivo precário e, mais que isso, ludibriador dos fatos vividos e a viver enquanto o Brasil desprezar o desenvolvimento econômico como fonte segura e confiável de ajustamentos sociais prolongados. 


 


Como num jogo de futebol, no qual mais que o relato dos 90 minutos é indispensável que se explique aos consumidores de informações as razões que determinaram o resultado final, na economia os números se perdem ou se esvaziam quando não avaliados. O Diário do Grande ABC amealhou diagnósticos interessantes ao entrevistar empresários, mas preferiu descartá-los no tratamento burocrático de fechamento de primeira página. 


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