Economia

Mercedes-Benz segue desventura
um ano depois em São Bernardo

DANIEL LIMA - 19/03/2015

Um ano e uma crise muito maior depois que a revista Exame exumou a baixa competitividade da fábrica da Mercedes-Benz em São Bernardo tudo continua como antes. Ou seja: sob forte marcação de um sindicalismo sem preocupação alguma com o resultado final da economia da Província do Grande ABC, a fábrica de caminhões e ônibus segue obesa à espera, agora, de alguma reação do novo plano do PDV (Programa de Demissão Voluntária) lançado inicialmente no ano passado sem resultado prático. Enquanto isso, o Ministério do Trabalho anuncia que a região voltou a registrar perda de emprego industrial com carteira assinada, além de a crise ter atingido também outros setores.


 


Foi na edição de 19 de março do ano passado que esta revista digital abordou a reportagem da revista Exame sobre a situação da Mercedes-Benz em São Bernardo. O título da matéria da quinzenal de economia da Editora Abril (“A fábrica-problema”) foi parcialmente surrupiado (“Mercedes-Benz é fábrica-encrenca de uma região que perdeu o eixo”) porque considerei a inspiração daquela publicação e a liberdade de reformulação do enunciado como a junção da fome do senso de oportunidade editorial com a vontade de comer da regionalização do tema.


 


Quem conhece a região sabe que não foi por obra do acaso que as montadoras de veículos locais se converteram em algo muito maior que apenas problemas regionais. Transformaram-se mesmo em encrencas. Sobretudo porque o sindicalismo não larga o osso de acreditar que somos um País à parte e que, portanto, o restante da geografia nacional é que deve se adaptar ao chamado Custo ABC.


 


Saindo devagar e sempre


 


Possivelmente está a faltar uma reportagem que atualize dados microcorporativos da Mercedes-Benz expostos pela revista Exame, mas o peso de eventuais novas informações não altera o ritmo do jogo. A multinacional alemã acumula mais e mais razões para repensar a fábrica de São Bernardo. É claro que não está no horizonte próximo da companhia tirar o time de campo. Convém, entretanto, prestar mais atenção. A literatura empresarial está carregadíssima de exemplos de empreendimentos que preferiram a saída discreta de quem sabe fazer a hora do que a retumbância da exasperação com danos colaterais. 


 


Uma fábrica pode muito bem sair de um determinado Município com o uso da paciência de redirecionar investimentos, calibrando-os conforme o ritmo da chuva de competitividade. Foram centenas de casos registrados na Província ao longo dos anos. A Brastemp não virou shopping center em São Bernardo, por exemplo, num estalar de dedos, mas mesmo assim, quando anunciou que estava zarpando de vez para Santa Catarina, onde já concentrava grande parte da produção, os sindicalistas reagiram. Tratou-se de uma retirada lúcida sob o ponto de vista econômico: os custos trabalhistas eram referenciados pela pauta sindical imposta às montadoras. O mundo dos eletrodomésticos não tem nada a ver com o mundo dos automóveis. 


 


Cadê o sindicato?


 


Está no Estadão de hoje que a Mercedes-Benz abriu mais um Programa de Demissão Voluntária em São Bernardo. A projeção é reduzir o quadro de trabalhadores dos 11 mil atuais em pelo menos 1.950 vagas. Nada diferente de um ano atrás. Fazem parte da contabilidade de baixas da Mercedes-Benz os 750 trabalhadores que estão em lay-off (suspensão temporária dos contratos de trabalho), além de outros 1,2 mil que estão em atividade. A empresa chegou a um ponto que não poupa incentivo à adesão, que, no primeiro pacotaço de vantagens, não entusiasmou mais que 100 trabalhadores. No novo PDV a Mercedes-Benz oferece, além dos direitos normais da rescisão, salário extra de R$ 18,5 mil, independente do tempo de trabalho. Quem está em lay-off tem bonificação e receberá R$ 35 mil.


 


Nestas alturas do campeonato o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC não sai da toca para posicionar a sociedade sobre o andar da carruagem do mercado de trabalho na região. A explicação é tão lógica quanto o céu é do avião: a política de comunicação ignora completamente os desafios que se impõem ao modelo trabalhista imposto às empresas, sobretudo às empresas de grande e médio porte, com reflexos diretos nas camadas de pequenos empreendedores do setor industrial.


 


Admitir que uma companhia internacional propõe-se a pagar os tubos para se livrar de trabalhadores fere de morte matada o mundo artificial em que os sindicalistas se meteram, de lidar apenas com os trabalhadores empregados. Não importa que ao longo dos tempos a Província do Grande ABC tenha perdido milhares de empregos na indústria de transformação. Eles também estão se lixando para a debandada de empresas, quando não com a mortalidade elevada.


 


O que interessa mesmo é o discurso seletivo para uma elite de trabalhadores que, importante para o equilíbrio distributivo de renda e riqueza da região, forma cada vez mais contingente menos expressivo e, paradoxalmente, desestimula a chegada de novos empreendimentos. Tanto que os Investimentos produtivos na região encontram muitos obstáculos insuperáveis.


 


Harmonia forçada


 


O sindicalismo, menos beligerante que em outros tempos, porque mais ardiloso, abre a fileira de espantalhos a ser evitada. Há suposta harmonia entre capital e trabalho na região que, exatamente por ser suposta, abre espaços à desconfiança. Grande parte das empresas é submetida a comitês de fábricas que deitam e rolam na condução do chão de fábrica ao ritmo que mais lhes convêm.



Há um equilíbrio tão sólido quanto a integridade física de cristais entre brinquedos de crianças. Prevalece mesmo ambiente de extremos cuidados, de silêncio coercitivo, de unanimidades forçadas. Dissensões podem causar repercussões desagradáveis. Prefere-se, portanto, a falsificação da transparência, do empenho solidário e da meritocracia sem tutela ideológica. 


 


A cronologia de desencantos da Mercedes-Benz em procurar ganhar competitividade nacional mostra bem até que ponto a Província está encalacrada. Ao longo do ano passado, segundo o Estadão de hoje, a montadora abriu dois PDVs, operou em semana reduzida de trabalho, deu 25 dias de folgas coletivas, um mês de férias no fim do ano e colocou 750 trabalhadores em lay-out por cinco meses a partir de julho. Vencido o prazo, renovou o programa assumindo o pagamento integral dos salários. Na primeira fase do lay-off, explica a reportagem do Estadão, o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) contribuiu com parte dos salários (R$ 1,3 mil para cada funcionário). A prorrogação do lay-off termina no fim de abril.


 


Gravidade maior


 


A crise no setor automotivo é mais grave na Província do Grande ABC e provavelmente será mais longa porque contamos com montadoras moldadas no passado de grandes plantas e de contingentes superlativos de trabalhadores. Além disso, embora pouco se fale a respeito e muito se esconda, perdemos feio em produtividade para a quase totalidade de fábricas instaladas no País.


 


Como se não bastasse, são inúmeros os estudos que provam a perda de competitividade da indústria automotiva nacional ante os principais centros produtores. Perdemos o rumo e o prumo na cadeia de produção mundial.


 





Ou seja: somos um time de Segunda Divisão no mercado nacional que cai automaticamente à Terceira Divisão quando os termos comparativos tratam do negócio de veículos automotores em escala mundial. Isso tudo ao se adotar simplificação do mapa-múndi automotivo. Quem se dispuser a ir mais a fundo nos remeterá a posições bem menos interessantes.


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