Havia muito tempo a economia da Província do Grande ABC não oferecia uma boa notícia, dessas boas notícias sem enrolação e manipulação. Notícia boa de verdade, não notícia boa de marketing mequetrefe. Pois não é que o noticiário desta terça-feira indica que temos duas boas notícias. Uma é garantida, embora não seja lá uma Brastemp em termos de interferência acentuada na geração de riqueza. De qualquer maneira faz bem para aplacar em parte o gataborralheirismo regional. A outra é aparentemente positiva, mas pode ser que não seja. Vou tentar explicar contando para tanto com as informações noticiadas.
Quem está na vitrine de um otimismo que pode ser passageiro, mas que de alguma forma introduz um pouco de alívio à sequência de desconsolo regional, são a Toyota e a Pirelli. A Toyota de São Bernardo, que produz peças para modelos fabricados nos Estados Unidos, receberá reforço de anunciados 540 funcionários de setores administrativos, de pesquisa e de desenvolvimento, hoje espalhados nas fábricas de Sorocaba e Indaiatuba, Interior do Estado. Eles vão se juntar aos 40 recentemente transferidos da Capital, num processo inverso ao adotado no final dos anos 1990, quando ficamos apenas com atividades operacionais e administrativas básicas.
A Toyota conta com 1.545 trabalhadores em São Bernardo. Um terceiro turno consta dos planos da empresa de capital japonês para abastecer a fábrica a ser inaugurada em Porto Feliz, também no Interior do Estado. O presidente da Toyota do Brasil fez uma declaração ao jornal Diário Regional que sugere compromisso com a região: “Começamos uma nova história em São Bernardo, com todas as funções concentradas nesta que é a nova sede da Toyota do Brasil. Assim, vamos melhorar a comunicação entre as áreas, tomar decisões mais rapidamente e ampliar a sinergia entre as equipes”, disse Koji Kondo.
Qual é o milagre?
Na cerimônia realizada ontem em São Bernardo, oficialmente de inauguração da fase inicial do projeto “São Bernardo Rebom”, de revitalização da fábrica, planta na qual foram investidos R$ 19 milhões, dois oponentes políticos compartilharam com executivos da multinacional japonesa o simbólico corte da fita. O governador Geraldo Alckmin e o prefeito Luiz Marinho estavam separados fisicamente apenas pelo presidente da Toyota.
Não se tem informações sobre o grau de importância de um e de outro à opção da empresa por São Bernardo. Tampouco não se veiculou nada que diz respeito ao relacionamento entre capital e trabalho naquela autopeças. Teria o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, indutor de fuga de investimentos na região, oferecido tratamento diferenciado para não só manter aquela unidade como também para favorecer a vinda de executivos de áreas de inteligência?
Juro que tenho curiosidade em saber o que se passa entre sindicalistas e dirigentes da Toyota. Em outras montadoras e autopeças nas quais os comitês de fábricas são uma bomba de efeito permanente à baixa produtividade nestes tempos em que produção virou palavra fora de moda o ambiente é de desencorajamento a reforço de participação regional no mercado nacional. Tanto que cálculos mais ajuizados colocam na linha de tiro de desemprego ao ajuste entre custos e receitas nada menos que oito mil trabalhadores das montadoras da região.
Quem sabe a fórmula seletivamente adotada pelos sindicalistas no tratamento ao capital japonês representado pela Toyota não seja uma boa alternativa ao espraiamento regional de um capitalismo menos subjugado ao regime socialista que emana dos sindicatos que fizeram emergir o Partido dos Trabalhadores?
Ou o que se passa na Toyota de São Bernardo está tão acima das armadilhas sindicais, com vantagens competitivas ditadas pela proximidade com o Porto de Santos, que até mesmo o sindicalismo com data de validade vencida não causa complicações?
Ou seja: é possível que a fábrica de peças da Toyota em São Bernardo seja tão especificamente especial que nem o estruturalmente antiquado sindicalismo dos metalúrgicos é capaz de inibir investimentos.
Boa notícia mesmo?
A outra boa notícia, a se confirmar como boa notícia, vem da Pirelli de Santo André, que, recentemente, transferiu praticamente todos os profissionais de inteligência para a Capital. Foram mais de 300 cabeças da área administrativa que se escafederam, num processo inverso ao registrado pela Toyota.
A Pirelli acabou de firmar um negócio com a ChemChina, um conglomerado da indústria química chinesa com faturamento anual superior a US$ 39 bilhões. A empresa italiana passou o controle da companhia aos chineses e com isso vai ganhar musculatura e escala – segundo reportagem do jornal Valor Econômico – para se tornar um fabricante global de pneus para caminhões e tratores, hoje responsáveis por apenas um terço das vendas da multinacional italiana.
É esse o ponto central da notícia em termos regionais: a fábrica da Pirelli de Santo André produz pneus para ônibus e caminhões. Ou seja: estaria na rota de investimentos da nova Pirelli. A notícia é boa na medida em que a fábrica de Santo André seja reconhecida como parte importante do projeto chinês. E preocupante na medida em que houver uma reviravolta no mix locacional de produção. É isso que não consta da matéria. Daí a preocupação com a qualificação da notícia.
Até que ponto a integração dos negócios da divisão industrial da Pirelli com a marca Aelus, do grupo chinês, alterará a estrutura distributiva de produção? A multinacional italiana reúne pneumáticos usados em veículos comerciais pesados e máquinas de construção e agrícolas. A capacidade de produção anual da empresa com a inserção dos chineses dobra para 12 milhões de pneus.
Cadê Grana e Oswana?
Qualquer administrador público razoavelmente competente ou previdente, e qualquer secretário de Desenvolvimento Econômico que saiba diferenciar Valor Adicionado de PIB não hesitariam em tomar providências diplomáticas, por assim dizer, para saber o que se passará com a fábrica da Pirelli em Santo André. Será que o prefeito Carlos Grana e a secretária Oswana Fameli já estão informados sobre o controle acionário da Pirelli pelos chineses? Será que tomarão medidas urgentes para conhecer oficialmente os planos na fábrica em Santo André?
A palavra mágica que costuma decidir a sorte de investimentos de companhias gigantes é produtividade -- que também pode ser entendida como rentabilidade. Seria a fábrica de Santo André suficientemente competitiva para um embate agora mais que nunca globalizado? Os dirigentes da Pirelli declararam que o acordo com os chineses não atingirão os empregados. Seria surpreendente se afirmasse o contrário. A literatura econômica é impiedosa com a força de trabalho em situações análogas. Ganhos de escala costumam ser rigorosamente dimensionados em operações assemelhadas e incluem o efetivo de trabalhadores como parte importante.
O que o prefeito Carlos Grana e Oswana Fameli estão fazendo hoje que ainda não pegaram o telefone para marcar uma reunião de emergência com o comandante da fábrica da Pirelli em Santo André? A mesma fábrica que já foi muito maior e importante para os cofres públicos de Santo André, até que divisões de produtos marcharam em direção a outras geografias para se tornarem mais leves e competitivas.
Grana e Oswana são rima mas não afinam os instrumentos de recuperação econômica de Santo André, têm obrigação de irem à Pirelli e, em seguida, transmitirem informações com total transparência à sociedade. Sem manipulações e prestidigitações semânticas, como têm feito até agora.
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