Não resisto como ombudsman não autorizado da mídia regional a dar pela primeira vez uma nota máxima. A manchetíssima de hoje do Diário do Grande ABC (“Trabalhadores da Pirelli temem demissão após venda a chineses”) e a reportagem de página interna são mesmo de lavar a alma. A cobertura pode, quem sabe, tornar-se ponto de extraordinária inflexão do jornalismo regional em direção a um protagonismo crítico que geralmente tem faltado e, porque tem faltado, proporciona aos oportunistas de plantão e aos históricos malandros juramentados campo livre para desfilar baboseiras filosóficas, quando não a incrementar ações danosas ao conjunto da sociedade.
A reportagem do Diário do Grande ABC é crítica sim à politica de governança social da multinacional, cujo controle acionário acaba de ser adquirido por chineses sempre ávidos por resultados. E também é crítica à gestão petista de Carlos Grana, em Santo André, que comporta uma inútil secretária de Desenvolvimento Econômico, a educadora Oswana Fameli. Uma executiva pública que, indagada sobre o futuro da Pirelli em Santo André, só não se mostrou apenas desinformada porque também vestiu a indumentária de patética.
Aliás, sobre Oswana Fameli, indicada pela Acisa (Associação Comercial e Industrial de Santo André) a um cargo suplementar além do de vice-prefeita, o Editorial do Diário do Grande ABC reserva alguns parágrafos que poderiam ter sido escritos por este jornalista. Vejam: “Para piorar o caso, chama a atenção a inércia da secretária andreense de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia, Oswana Fameli (PRP). Enquanto a cidade está em polvorosa, ela lava as mãos. Dois dias após a divulgação da história, ela sequer procurou a diretoria em busca de esclarecimento, como se o assunto não lhe dissesse respeito”.
Jornalismo crítico
A premissa nuclear de que jornalismo não é uma atividade social que se preste a atuar como claque a quem quer que seja deveria ser mantra da mídia regional. A realidade envolvendo a Pirelli, que expõe a nudez de despreparo da secretária municipal imposta pela Acisa ao governo petista, além de tudo é chocante para quem consome informações. E só chegou a esse grau de desfaçatez porque, para executivos públicos, dirigentes econômicos, políticos e sindicais da região, há certo consenso estapafúrdio e desmoralizador de que o grau de tolerância da mídia é elástico o suficiente para não registrar tamanhos disparates.
O jornalismo declaratório, que consiste em possibilitar franquia absoluta ao desfilar de unilateralidades dos entrevistados, é o pior tipo de jornalismo. Não se pode deixar que os protagonistas do noticiário afirmem impunemente o que mais lhe interessam. A mídia não pode reproduzir sem qualquer preocupação com anteparos o que na maioria dos casos são peças publicitárias disfarçadas de entrevistas. A sociedade merece mais respeito ao recepcionar as publicações. Daí o sentido crítico ser vital à credibilidade dos produtos jornalísticos.
O que Oswana Fameli disse à reportagem do Diário do Grande ABC quando entrevistada sobre a possibilidade de a fábrica de pneus da Pirelli de Santo André esvaziar produção e empregos por conta dos interesses globais dos chineses, foi de lascar. Leiam:
A vice-prefeita e secretária (...) Oswana Fameli, embora admita que não tenha se encontrado e nem procurado a direção da empresa, não vê motivos para preocupação: “Acho difícil a empresa sair de Santo André. Nosso trabalho neste momento é garantir que nosso País e nossa cidade sejam ainda grandes possibilidades para o investimento”, afirmou. “Também queremos a manutenção de dos empregos”, completou Oswana, sem dar qualquer garantia de permanência das vagas – escreveu o jornal.
Nada surpreendente
No fundo, no fundo, as declarações de Oswana Fameli não surpreendem quem conhece a verborragia de político antiquado que ela incorporou ao vocabulário de educadora como se tivesse sido tomada pelo espírito de caciques partidários que não deixaram saudade alguma ao desenvolvimento econômico e social.
Oswana Fameli é uma interlocutora que encanta apenas quem desconhece a diferença entre volume e conteúdo. No caso específico da ameaça de a Pirelli arrefecer ainda mais o apetite por Santo André, o tratamento da secretária beira à irresponsabilidade. No dia anterior ao da entrevista ao Diário do Grande ABC, quando escrevi sobre o risco Pirelli, sugeri que a secretária e o prefeito mobilizassem ação junto à direção da multinacional. Eles preferiram se fazer de desentendidos porque racionam com a simplicidade e com o recall institucional de que, por mais que pequem por omissão, estarão imunizados contra qualquer contrapartida jornalística mais densa.
Por isso que, repito, a manchetíssima do Diário do Grande ABC pode significar novos tempos em matéria de comunicação permanente com a sociedade. O jornal da Rua Catequese – e os demais que tenham interesse em ver a Província do Grande ABC reestruturar-se – não pode desperdiçar a oportunidade que a Pirelli oferece. Até porque não se trata de um episódio isolado na história econômica regional. A debandada de empresas vem do passado de esvaziamento industrial e não pode seguir indefinidamente sem que forças institucionais se organizem e reajam para antepor medidas que estreitem as relações entre Mercado, Governo e Sociedade.
Reação demorada
A ameaça que paira após a aquisição do controle acionária da Pirelli pelos chineses precisa ser entendida nestas alturas do campeonato como algo de dimensões muito maiores e profundas à economia regional. Não se trata de um caso isolado. Há potencialmente a perspectiva ,quando não a realidade, de outros casos de possíveis esvaziamentos produtivos na região.
A verdade incontestável de que a institucionalidade da Província é frágil demais e por isso mesmo permite série de desvarios no relacionamento entre capital e trabalho não pode ganhar a forma de fatalismo de fragilização do tecido econômico regional. Estamos atrasadíssimos no processo de reação, de reorganização, de reestruturação. Mas não chegaremos a um estágio diferente do atual, de congelamento do cérebro, com modelos de secretários de desenvolvimento econômico como Oswana Fameli.
A indicação da Acisa representa à economia de Santo André o desastre daqueles 7 a 1 do Brasil frente a Alemanha na Copa do Mundo. A diferença é que aquela goleada permanecerá na história tendo como referencial uma data específica, enquanto a economia de Santo André vem sendo fragorosamente derrotada todos os dias há mais de duas décadas. Não à toa despencou no ranking do PIB Industrial do G-20, dos maiores municípios paulistas.
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