Economia

Brasil campeão mundial de
empreendedorismo. E daí?

DANIEL LIMA - 31/03/2015

Daí que tudo não passa de uma grande trapaça triunfalista incensada por gente que não se dá ao trabalho de pensar, de refletir e de questionar. O ranking mundial da Global Entrepreneurship Monitor (GEM) foi produzido no Brasil por uma entidade suspeita de manipular senão os dados, mas os complementos dos dados. Não interessa ao Sebrae esmiuçar as razões que levaram o Brasil ao topo da lista porque o espírito corporativo está tão presente como nas manipulações do mercado imobiliário e em tantas outras instituições geralmente livres para defender exclusivamente seus próprios interesses. Vivemos em permanente estado de regozijo oficial enquanto os fatos insistem em contrariar os mandachuvas. Somos um eterno Brasil festivo às vésperas dos 7 a 1 alemão.


 


Revelou a matéria publicada pelo Estadão na edição de domingo que três em cada 10 brasileiros adultos entre 18 e 64 anos possuem uma empresa ou estão envolvidos com a criação de um negócio próprio. Em 10 anos, a taxa total de empreendedorismo no Brasil aumentou de 23% em 2004 para 34,5% em 2004. Até aí é possível enganar o distinto público quando, como se posicionou o Sebrae, o resultado teria sido decorrente de processo voluntário dos empreendedores, não de necessidade.


 


Um parágrafo do texto do Estadão, entretanto, é bastante esclarecedor para quem não lê apenas por ler: “Metade desses empreendedores abriu seus negócios há menos de três anos e meio”. Charada esclarecida: os piores anos do desempenho econômico do Brasil neste século, os anos da presidente Dilma Rousseff, levaram muita gente a tentar se virar por conta própria porque, principalmente os empregos de qualidade, desapareceram. Aliás, desapareceram antes também, mas durante Dilma1 foi pior. E será muito pior ainda durante o Dilma2.


 


E os outros indicadores?


 


A matéria do Estadão afirma que, na comparação mundial, o Brasil se destaca com a maior taxa de empreendedorismo, quase oito pontos percentuais à frente da China, o segundo colocado com 26,7%. O número de empreendedores entre a população adulta no País é também superior ao dos Estados Unidos (20%), Reino Unido (17%), Japão (10,5%) e França (8,1%). Entre as economias em desenvolvimento, a taxa brasileira é superior à da Índia (10,2%), África do Sul (9,5%) e Rússia (8,6%).


 


Fosse o Brasil um País de empreendedorismo prospectivo, saudável, enriquecedor, tecnologicamente aparelhado, nosso PIB médio nas últimas décadas não passaria vergonha ante nações mais desenvolvidas e mesmo dos emergentes. Tratar a o índice de empreendedorismo como massa bruta, em forma de quantidade de negócios, sem atentar para as nuances que envolvem cada país em diferentes indicadores, é como sugerir que alguém em pleno gozo de funções cognitivas está com a saúde em ordem quando um câncer lhe fragiliza o organismo.


 


É claro que o presidente do Sebrae, Luiz Barreto, ouvido que foi pelo Estadão, não perderia a oportunidade de vender o peixe. Ele explicou que o recorde de empreendedorismo no Brasil é consequência de formalizações nos últimos anos e da melhora do ambiente legal, com a criação e ampliação do Supersimples – regime simplificado de cobrança de tributos para empresas com faturamento anual de até R$ 3,6 milhões.  Felizmente o dirigente do Sebrae não fez proselitismo com suposto crescimento econômico. Só se esqueceu de dizer que a formalização facilitada pelo governo escancarou de vez o grau de informalidade empresarial que vicejava no País por conta da altíssima carga tributária, sobre a qual o Supersimples passou como um trator.


 


A pesquisa que também teve em solo nacional a participação do Instituto Brasileiro de Qualidade e Produtividade destaca que ter o próprio negócio é o terceiro maior sonho do brasileiro, atrás de comprar a casa própria e viajar pelo País. O número de pessoas que almejam se tornar o seu próprio chefe, segundo o jornal, é de 31%, praticamente o dobro das que desejam fazer carreira numa empresa (16%). A leitura mais sensata desse resultado deveria ser outra: há tanta insatisfação em ser empregado num País vilipendiado por carga tributária inibidora de desenvolvimento empresarial, achatando persistentemente os salários, que o empreendedorismo passa a ser sonho a ser alcançado, sem que as consequências sejam devidamente avaliadas por ampla e irrestrita ausência de preparo à atividade.


 


Farra consumista acabou


 


A pesquisa também diz que de cada 100 brasileiros que começam um negócio próprio, 71 são motivados por uma oportunidade e não pela necessidade. Há 10 anos a situação era outra – os brasileiros abriram negócios próprios pela falta de emprego. Seria interessante lembrar que os tempos agora e por muitos meses serão tenebrosos em matéria de emprego formal e que a farra do boi do consumismo lançada por Lula da Silva e da qual Dilma Rousseff paga alta preço já ficou no passado.


 


Provavelmente as próximas edições do ranking revertam a situação apresentada e sobre a qual tenho sérias dúvidas quanto à metodologia aplicada. A percepção sobre o elevado grau de empreendedorismo num País que não cresce envereda por dois caminhos que se cruzam: a insatisfação dos assalariados e a conversão legal de assalariados em pessoas jurídicas sob o guarda-chuva do Supersimples para fugir da escorchante carga tributária.


 


Índice mistificador


 


O Sebrae, braço do governo federal politizado como todos os braços governamentais, não inspira minha confiança porque aos valores tangíveis de uma pesquisa pouco transparente faltam elementos complementares. Se taxa de empreendedorismo fosse um bom negócio os países mais desenvolvidos e maduros seriam líderes absolutos do ranking da Global Entrepreneurship Monitor, e nossos principais concorrentes não seriam países emergentes marcados por profundas desigualdades sociais.


 


A reportagem do Estadão transforma uma desgraça social em virtude ao informar que mais de 70% das micro e médias empresas conseguem sobreviver até contemplar o segundo ano. Ou seja: uma taxa de mortalidade empresarial de aproximadamente 30% no segundo ano é avaliada como algo que dispense inquietação. Tanto que o presidente do Sebrae considera o resultado “excelente”.


 


Para completar esse olhar cético que contrasta com artigos de publicitários sempre ávidos por vender o Brasil como a oitava maravilha do mundo tendo como premissa a generalização do ambiente de riqueza que frequentam, bastaria fazer uma análise simples para se obter a resposta reta e direta sobre a qualidade do empreendedorismo brasileiro.


 


Bastaria analisar setor por setor em termos de participação relativa no PIB e dividir pelo contingente de empreendedores em períodos diferentes. A resposta será evidente: há cada vez mais gente disputando menos recursos financeiros disponíveis. O empreendedorismo brasileiro, em larga escala, é de auto-sustentação, quando não autofágico.


 


Selecionei abaixo três dos 140 artigos do acervo desta revista digital em que o empreendedorismo é protagonista ou coadjuvante.


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