O modelo da indústria automotiva que permeou a história de desenvolvimento econômico e social da Província do Grande ABC já foi para o chapéu há muito tempo. O que estamos vivendo é um período de prorrogação, cujos custos diretos e indiretos penalizam o conjunto da sociedade. As mastodônticas montadoras de veículos são uma roubada regional.
A obesidade que prevalece na Província cedeu lugar a um modelito típico de maratonistas, com muita musculatura e fôlego. As montadoras que chegaram ao território nacional nos últimos 15 anos são enxutas e por isso mesmo resistem muito mais nestes tempos de quebra de consumo sobrerrodas.
Os sindicalistas da Província que atuam diretamente nas montadoras de veículos conhecem esse riscado do figurino industrial do setor automotivo, mas resistem demagogicamente a encarar os fatos. A demissão de 500 dos quase dois mil trabalhadores da lista de excedentes da Mercedes-Benz em São Bernardo é uma crônica anunciada. Há outros seis mil trabalhadores em excesso nas demais montadoras.
Os acordos para prorrogar um jogo de baixa eficiência e reduzida produtividade são quebra-galhos que amenizam o estouro da boiada. Não interessa às companhias comprar brigas com representantes sindicais bem articulados na arte de contrapor-se inclusive com apoio de forças nem sempre apenas ocultas do governo federal. Mas, a consequência disso é a fuga de investimentos da região. Multinacionais fogem do nosso sindicalismo em direção a outros territórios menos inóspitos. É a lei da competitividade que impera.
Dando as cartas
Os sindicalistas são bem articulados na região. Sobretudo nos ramos de maior proeminência econômica, casos de metalúrgicos e de químicos. Eles determinam as regras do jogo às empresas de todos os portes. E isso faz um bocado de tempo.
As pequenas metalúrgicas da região praticamente desapareceram ou se escafederam porque não suportaram o peso do tratamento pelos sindicalistas como se grandes montadoras fossem. Pequenas, médias e grandes são colocadas no mesmo pacote de reivindicações, embora a grade de custos de mão de obra, entre outros itens, seja muito maior nas menores.
O movimento grevista na Mercedes-Benz, deflagrado ontem, é uma reação natural de uma articulação sindical distante da realidade macroeconômica nacional. Desde março do ano passado, quando o mercado de caminhões e ônibus exibia números bem melhores que os atuais, a direção da Mercedes-Benz anunciou à revista Exame excedente de dois mil trabalhadores. Escrevi nesta revista digital várias matérias desde então. A primeira, em 20 de março do ano passado, sob o título “Mercedes-Benz é fábrica-encrenca de uma região que perdeu o eixo” está atualizadíssima.
A constatação de que a montadora de São Bernardo mantém um tripé mambembe de competitividade comprometida foi apontada com clareza pela revista Exame, da Editora Abril: baixa produtividade, altos salários e máquinas ociosas. Se estava assim, imagina hoje, então, quando, no primeiro trimestre, a produção do setor de pesados caiu mais de 40%.
No século passado
O sindicalismo da região insiste em vender a ideia de que é uma usina de responsabilidade social. Entretanto, salvo raras exceções que confirmam a regra, mantém bases doutrinárias no século passado. Uma sintonia fina com a primeira candidatura presidencial do então metalúrgico Lula da Silva.
A abertura alfandegária no começo dos anos 1990 e o Plano Real levaram a economia da Província a uma sequência de gargalos que nos custaram baixas impressionantes no Produto Interno Bruto, como reflexo, entre outros, da quebra do emprego formal industrial.
A proposta do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC de incorporar direitos trabalhistas que os alemães exibem não passa de bobagem. Desconsidera as fundas diferenças macroeconômicas e microeconômicas que separam o Brasil daquele país que lidera a produção de riquezas na União Europeia.
A transposição de conquistas dos trabalhadores a um território cuja indústria foi esfacelada sobretudo nos últimos anos, quando se deu prioridade ao consumismo irresponsável, é uma falácia de quem não quer enfrentar a realidade dos fatos.
O sindicalismo da região envelheceu estruturalmente. Os dirigentes jovens que emergiram carregam o mesmo viés anticapitalista. Até onde lhes interessam, é claro.
Precisamos encarar os fatos e as realidades que nos dominam e nos cercam: perdemos, como tenho mostrado a exaustão nestas páginas, capacidade de concorrer em igualdade de condições essenciais com outras regiões do País. Nossos custos são elevadíssimos e nossa produtividade abaixo do necessário. Uma combinação infernal, como se nota.
Diferentemente do que podem inferir alguns, não estou a fazer apologia da precarização do trabalho industrial. Simplesmente estou a registrar uma constatação do quadro do setor de transformação industrial no País. Ficamos caros demais para as condições de competitividade interna e mais ainda no jogo bruto do mercado internacional.
O PIB Industrial da Província tem registrado seguidas quedas, contaminando os resultados do PIB Geral, que envolve as atividades de serviços privados e públicos. Em consequência, a mobilidade social, um traço de expectativas sempre otimistas no passado, porque o caminho da riqueza material era muito mais visível, entrou em parafuso.
Passando a limpo
Nosso sindicalismo de discursos mais que manjados e de soluções importadas em completo delírio precisa ser passado a limpo. As terapias radicais que aplicam nas empresas não valem nos redutos político-partidários onde exercem participação significativa. Caso da Administração Luiz Marinho. O Paço de São Bernardo não tem o menor interesse e vocação à transparência na relação com a sociedade mais esclarecida e formadora de opinião. O Escândalo do Marco Zero é apenas um dos muitos exemplos de opacidade deliberada.
Entretanto, o ex-sindicalista que chefia o governo da cidade mais importante da região sempre estimulou e ainda estimula, com a influência que detém nos sindicatos cutistas, a forte representação de trabalhadores no chão das fábricas, onde o jogo da competitividade se decide. Dois pesos e duas medidas de ditadores de plantão travestidos de democratas.
A crise explicitada pela Mercedes-Benz há mais de um ano e que só se agravou nestes tempos sombrios é generalizada nas montadoras e nas grandes autopeças da Província. A diferença é que a empresa de capital alemão decidiu acabar com o jogo de faz de contas de que é possível contornar a situação, o que só agrava o quadro no futuro.
Precisamos cair na real de que vamos de mal a pior no campeonato nacional de investimentos e produção. Somos um território marcado para sofrer coletivamente, embora prevaleça o encantamento com falsos vendedores de soluções.
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