A Província do Grande ABC será ainda mais afetada no setor automotivo do que já vem sendo nos últimos anos na medida em que os chineses (e também os coreanos) adicionarem mais negócios de autopeças à Argentina, nosso principal parceiro comercial. Está nos jornais digitais que os argentinos querem repactuar os tratados do Mercosul para dar mais espaços aos asiáticos. O cerco contra o coração econômico da Província do Grande ABC está se fechando.
O que farão os desastrados detentores dos cordéis do desenvolvimento econômico regional ao se darem conta disso? Provavelmente seguirão ritual dos tempos em que as vantagens comparativas eram francamente alardeadas. A guerra fiscal, a baixa mobilidade urbana, a desigualdade social estimuladora da degradação da segurança pública -- tudo isso e muito mais atravancam a competitividade regional.
Sem contar o sindicalismo que já foi bom para um conjunto de trabalhadores, mas desde muito tempo dividiu a região entre empregados de primeira, de segunda e de terceira classes.
Esta não é a primeira nem a última vez que vou cutucar o setor sindical da região, notadamente os responsáveis pelos trabalhadores das montadoras de veículos e das grandes e médias autopeças. Se não acordarem para a realidade global, em que a dinâmica das cadeias de produção traça novos referenciais de competitividade, estarão todos mortos no futuro.
Doença subestimada
O Produto Interno Bruto da região vem caindo ao longo dos anos de forma acentuada, com direito a alguns respiros de recuperação sazonal quando o setor automotivo conta com a proteção governamental no rebaixamento de alíquotas e outras modalidades que estimulam a demanda. Em situação de normalidade ou de crise, como agora, estamos fritos. Milhares de demissões sacolejam a confiança regional. Puxa-se o freio de mão de forma mais incisiva do que na maioria das regiões brasileiras, menos dependentes dos humores de uma única modalidade produtiva. Nossa Doença Holandesa continua a ser subestimada. Mais que isso: continua a ser ignorada nos efeitos danosos da contraface que apresenta.
Ainda outro dia li nos jornais da região uma análise sucinta de um estudioso do Instituto Metodista. Ele faz um trabalho importante ao trazer para o presente o PIB do passado que só chegará oficialmente dois anos depois. Ele afirmou que os administradores públicos locais têm quase nenhuma margem de manobra para mudar o rumo econômico regional. Não é bem assim. Há limitações que podem ser superadas, sobretudo num ambiente de regionalidade comprometida com políticas sinérgicas. O contraveneno às intempéries sociais, estruturais e ambientais de regiões submetropolitanas como a Província do Grande ABC é um apurado espirito de regionalidade. Celso Daniel não deixou herdeiros, embora não tenham faltado falastrões na praça.
Apenas analgésico
É verdade que há limitações macroeconômicas e microeconômicas ao desenvolvimento regional, mas isso afeta a todas as regiões do País, não exclusivamente a Província do Grande ABC. Diria mais: as vantagens oferecidas intermitentemente às montadoras de veículos consistem em privilégios para a região. Nem toda a geografia nacional com suas nuances da indústria de transformação conta com regalias semelhantes. Esse protecionismo é um analgésico insuficiente à gravidade do quadro geral de desmonte gradual do tecido industrial.
O lobby das multinacionais de veículos e dos sindicalistas com força de pressão tem garantido à Província do Grande ABC espécie de salvo conduto à reestruturação que a globalização sempre haverá de cobrar. Como está cobrando agora. A indústria de transformação está cada vez mais debilitada, representando fatia menos expressiva do PIB Nacional. Quem esperar por uma reviravolta vai quebrar a cara. Tudo vai depender de reformas estruturais que devem começar com o equilíbrio das contas públicas. A gastança consumista do governo Lula da Silva seguida por Dilma Rousseff explica a intervenção de um ministro da Fazenda de viés contracionista.
Mesmo com possíveis reformas, os investimentos escolhem regiões que mais apetecem a planilha de rentabilidade. Goste-se ou não, o fato é que o custo da mão de obra automotiva na Província é exorbitante quando comparado a outras localidades. Há um Custo Sindicalismo embutido no Custo ABC que pode ser ótimo para os trabalhadores empregados e principalmente para sustentar o discurso de representantes dos sindicatos, mas, para o conjunto da população, causa estragos. Afinal, apenas uma minoria da mão de obra empregada conta com as benesses corporativas de uma agenda trabalhista específica, ditada pela tradição de representação da classe.
Para que a Província do Grande ABC se torne mais competitiva na atração de investimentos produtivos – e esse é um fator decisivo às manobras locais em resposta às dificuldades macroeconômicas e microeconômicas – é indispensável que a ficha da diferenciação de atividades caia de vez. Se o setor automotivo e seu entorno na região já sofrem com as consequências dos ganhos salariais diretos e indiretos emanados das fábricas que contam com um regime de competitividade muito particular, imaginem então o que ocorre com outros ramos, menos aparelhados econômica e politicamente.
A economia sobrerrodas da Província entrou em parafuso no ano passado e segue em parafuso neste ano porque depende demais da demanda interna e também do acordo com os argentinos, aos quais exporta quatro de cada cinco veículos. Como a anunciada disposição de se aproximarem ainda mais dos asiáticos, notadamente dos chineses que contam com montadoras de alto nível em associação com várias multinacionais tradicionais, a tendência é de recrudescimento da luta pela sustentação de um contingente de trabalhadores nas empresas de autopeças e também nas montadoras.
A competitividade da indústria automotiva nacional está fundamentada principalmente na demanda interna. Em linhas gerais a tecnologia que sai das fábricas de autopeças e de veículos está longe dos requisitos de praças que atentaram à importância da competitividade internacional. Os asiáticos querem invadir ainda mais a Argentina e outros países da América do Sul porque têm preços e qualidade superiores.
Os tratados regionais resistem até certo ponto – até o ponto de as autoridades governamentais cederem à tentação de custos comparativos alinhados a interesses político-institucionais. Os chineses que socorrem economicamente os argentinos nestes tempos de dificuldades sabem como poucos transformar diplomacia em dinheiro.
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22/11/2024 SÍNDROME DA CHINA AMEAÇA GRANDE ABC