A Carta do Grande ABC que o Diário do Grande ABC publica na primeira página da edição desta segunda-feira, quando completa 57 anos de atividades, é um documento histórico que dispensa completa materialidade dos pressupostos, embora esses mesmos pressupostos sejam de extraordinária importância.
O que quero dizer de cara e sem meias palavras é que a Carta do Grande ABC tem um significado especial para o próprio jornal e para a sociedade regional. O significado de que agora ou vai ou racha a regionalidade jamais alcançada no nível necessário, embora seja muito mais expressiva do que em outros territórios metropolitanos que jamais contaram com pelo menos um veículo de comunicação a conectá-los – ou se contaram não chegou aos pés da principal publicação desta região.
Está na agenda do Diário do Grande ABC, cujos pontos foram listados na Carta do Grande ABC, algo que provavelmente resume a guinada editorial da publicação. Trata-se do fato de que a direção editorial e a direção corporativa da publicação assumiram mea-culpa específica sobre um dos fantasmas que sempre rondaram a redação do jornal -- a verdade, a verdade da desindustrialização.
Quem diria que o Diário do Grande ABC, um dos membros da orquestra de dissimulação da quebra industrial da região a partir dos anos 1990, principalmente, partiria para a impressão de uma sentença de arrependimento ao lamentar os artifícios em que se deixou levar por especialista em traquinagens semânticas?
Pois esse Diário do Grande ABC que emoldura em azul uma Carta do Grande ABC que lhe vai servir de bússola temática de comprometimento com a sociedade regional não se recusou a expor um revisionismo que antecessores no comando diretivo e editorial jamais aceitariam em nome de uma teimosia idiota.
Fazendo história
Só por isso, se não fosse a agenda do Diário do Grande ABC um facho de luminosidade a apontar o caminho do futuro, a Carta do Grande ABC já seria suficiente para estabelecer juízo de valor sobre as reais pretensões da publicação.
O Diário do Grande ABC do diretor de redação Sérgio Vieira e do presidente Ronan Maria Pinto está fazendo história, repito, só no apontamento das novas diretrizes conceituais e temáticas que a primeira página de hoje explicita. Só por isso já vale a pena ter o jornal como companheiro de leitura a cada dia. Agora, se essa que será uma maratona de transformações, alcançar os pontos viscerais desta Província, terá valido a pena acreditar para valer.
O recado às instituições inúteis e aos protagonistas improdutivos da Província do Grande ABC foi contundente na Carta do Grande ABC. Eles não terão sossego. Vão ser questionados e pressionados a mostrar trabalho. Eles vão descobrir – e os demais cidadãos e organizações da região também – que aqueles 10 pontos listados vão virar um mantra que não será um peso a ser sustentado exclusivamente pela publicação. Afinal, o reformismo daquelas linhas e daquela mensagem é uma obra coletiva que tem o jornal como general da banda.
Contrapartidas inevitáveis
Seria uma burrice sem tamanho se o mesmo jornal que assume com destaque em primeira página o erro cometido ao longo da história -- quando não considerou o quadro econômico da região inquietante ante as transformações ditadas pelo recuo permanente do setor industrial -- não contasse em contrapartida a essa confissão pública com o empenho da sociedade a qual abastece com informações ao longo de quase 60 anos. Até porque, convenhamos, o saldo positivo do Diário do Grande ABC nessa longa trajetória se projeta como maior do que parece, embora seja muito, porque do outro lado estão instituições e individualidades de destaque que, salvo raras exceções, construíram um imenso déficit de comprometimento social.
Mudar a realidade desta Província é, portanto, uma tarefa extraordinariamente complexa. O ponto de partida, se já foi dado no passado com apontamentos de perdas e desequilíbrios insistentemente por este jornalista, somente agora com a força institucional do Diário do Grande ABC poderá ter a alavancagem indispensável.
Tomara que a iniciativa do jornal se propague às demais mídias da região. Não há nada mais corrosivo ao conjunto da população do que a continuidade mesmo que em menor proporção do enaltecimento estúpido de figurinhas carimbadas que, em contrapartida à vaidade pessoal natural dos humanos, não oferecem absolutamente nada de substantivo às causas regionais.
Mão dupla
A Carta do Grande ABC configura-se, portanto, com importante largada numa prova de resistência que tem o principal jornal da região como incentivador e, mais que isso, como gestor de um trajeto que não pode sofrer desvios de rota porque já perdemos tempos demais durante pelo menos durante as últimas três décadas.
A humildade pública exposta pelo Diário do Grande ABC na primeira página de hoje jamais poderá ser observada como gesto unilateral e isolado. É uma iniciativa que tem dupla face: de um lado um passado pouco esclarecido que ganhou a oficialidade do erro de avaliação da realidade econômica regional; de outro, o engajamento geral e irrestrito daqueles que têm todo o direito de cobrar mais e mais eficiência do jornal, mas que, também, têm de fazer a sua parte. Responsabilidade recíproca, eis o nome da nova ordem regional. É assim que se constrói cidadania.
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13/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (33)