Duas notícias publicadas na edição desta segunda-feira do Diário do Grande ABC – uma apenas tangencialmente e a outra com relevância editorial – transmitem a esperança de que a indústria regional, em alguns de seus guetos, dá os primeiros passos de uma reação coordenada para botar um ponto final ou pelo menos amenizar a trajetória de esquartejamento contínuo de que é vítima.
O Ciesp de Santo André prepara para divulgar amanhã, terça-feira, uma manifestação contra a política econômica do governo federal, enquanto empresas do Polo Petroquímico, atividade que salva a lavoura de receitas de Santo André e de Mauá, anunciam nova instituição para representá-las.
Tomara que tudo isso tenha sequência e sirva de exemplo a outras organizações industriais. Quem sabe uma reunião de forças dos empresários da região coloque em xeque, para valer, não só as estripulias governamentais como também o predomínio indecoroso de sindicalistas no jogo do capitalismo subjugado? Quem sabe, também, por meio da indústria em revolta o setor de comércio, em larga escala apêndice dos governos municipais, saia da mesmice burocrática em que se meteu?
Não vou entrar na avaliação da manchetíssima do Diário do Grande ABC de hoje sobre a queda de unidades industriais na região. O assunto merece texto específico, porque é contraditório não na essência da informação, de enfraquecimento do setor industrial, abordada por mim ao longo de décadas, mas no critério de análise. O que mais importa mesmo no momento são as últimas linhas da reportagem, que trata do manifesto do Ciesp à sociedade e ao governo para mostrar, segundo consta do jornal, “que o setor produtivo nacional está de luto”.
Distribuindo responsabilidades
Como quem está entre os cabeças da reação da casa dos empresários de Santo André, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra (zona de atuação do Ciesp-Santo André) é o médico e empresário Fausto Cestari, tenho certeza que a reação será bem elaborada. Torço muito para tanto, mas não custa lembrar que o direcionamento de críticas ao governo federal, por mais que o governo federal seja o ponto central da desgraceira econômica brasileira, não seria completamente justo.
Também o governo do Estado e os governos municipais precisam ser devidamente instalados não num patíbulo de castigo público, como sugeririam os radicais, mas numa plataforma de atenta observação e por que não de repartição de responsabilidade.
A agonia da indústria regional é uma crônica anunciada há muito tempo. Não tenho dúvidas de que a medida tomada pelo Ciesp de Santo André tem tudo a ver com os novos tempos editoriais que o Diário do Grande ABC apresenta aos leitores.
Um dos 10 pontos centrais da nova linha editorial do jornal versa sobre “desindustrialização”, assunto proibido naquelas páginas durante muitos e muitos anos. Sei bem, como especialista no assunto em termos regionais, o quanto tive de entreveros abertos ou de bastidores com a direção de Redação do jornal naqueles idos de 1990 só porque insistia em alertar sobre os vazamentos de produção industrial da região. A revista LivreMercado que dirigi por duas décadas é uma preciosidade em matéria de cantar caçapas.
Triunfalismo enganador
O Diário do Grande ABC mantinha uma linha ufanista na área econômica por influência, má influência, do Departamento de Publicidade, contaminando diretamente o tom editorial ao vender a falsidade de que más notícias gerariam fuga de investimentos. Pura bobagem, como o tempo provou. A omissão diante de uma situação que se prolonga só agravou o quadro. Um choque de realidade sempre é preferível a um coquetel de embromação se o que está em jogo é credibilidade do veículo de comunicação, motor da sustentabilidade econômica.
Possivelmente com a reviravolta editorial do Diário do Grande ABC os representantes do Ciesp de Santo André tenham se dado conta de que há espaço para ocuparem. Nada mais justo. É preferível ter maior volume e constância permanente de noticiário denso do setor econômico regional do que preencher páginas de jornais com futricas político-partidárias.
Não vou esconder que estou ansioso com os insumos do manifesto do Ciesp de Santo André nesta terça-feira. A curiosidade é explicada sem enrolação: até que ponto o texto preparado vai ser suficientemente abrangente em territorialidade e denso em especificidade? Vou ser mais claro: até que ponto os dirigentes do Ciesp vão concentrar as penúrias atuais e antigas sobre os ombros do governo federal, e até que ponto o governo estadual e os governos municipais serão poupados?
Por mais que entenda que o manifesto preparado tenha a diplomacia de frases como condão de manter as portas abertas ao diálogo com a classe política e administrativa, é impossível acreditar que se fará omelete sem quebrar alguns ovos de contundência prática.
Lamentável que apenas o Ciesp de Santo André tenha se preparado para introduzir um manifesto na agenda obrigatória da mídia regional nesta terça-feira. As demais unidades de condução industrial da região deveriam estar unidas nesse sentido. Da mesma forma que o setor comercial poderia tomar medidas assemelhadas nos próximos dias.
Mais que manifesto, sugeriria a todas as instituições que sigam o exemplo do Diário do Grande ABC e construam um compromisso público com a sociedade regional, adotando premissas de mudanças elencadas em pelo menos uma dezena de temas.
Polo em transe
Para completar, até porque estava me esquecendo do segundo ponto deste artigo, o surgimento do Comitê de Política Industrial do Polo do Grande ABC, integrado inicialmente por empresas do Polo Petroquímico, é uma baita noticia entre outras razões porque, segundo consta, não se fechará em copas em defesa de um corporativismo empresarial que apenas repetiria os acertos e erros do sindicalismo fechado em si mesmo.
O Cofip ABC, como é resumido em nomenclatura o movimento, substitui o Projeto Apolo, que demarcou ações comunitárias e corporativas daquele agrupamento de empresas. O dispositivo estatutário da Cofip que prevê o fomento do setor na região, não pode, entretanto, perder-se na timidez de relacionamento direto com os prefeitos locais, alertando-os sobre o esgotamento gradual e inexorável da galinha dos ovos de ouro de tributos que sustentam principalmente Santo André e Mauá.
O torniquete da concorrência internacional está apertando o setor químico e petroquímico da região tanto quanto o setor automobilístico. Convém estimular uma instituição vigorosa na mensagem de que todos têm muito a perder com a manutenção do processo de debilidade que vem do passado e solapa o futuro.
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