Estou curiosíssimo, curiosíssimo mesmo. Não vejo a hora de ver liberado o manifesto prometido pelo Ciesp de Santo André, hoje, em protesto contra a situação da indústria regional. Vou até procurar esquecer que as outras unidades do Ciesp da região deveriam integrar coletivamente a carta aberta que será oficialmente apresentada pelos empresários de Santo André, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, base territorial do Ciesp em questão. Mas no fundo, no fundo, temo que o instrumental de oposição a tudo que se pratica no Brasil para esterilizar a indústria de transformação não seja lá uma Brastemp. Tomara que esteja enganado.
É verdade que não se pode esperar um tratado que considere tudo e todos que de alguma forma atravancam o progresso do setor industrial. Tampouco, entretanto, deve-se limitar a entender esse jogo de descaso somente à esfera federal. Há um congraçamento de instituições com dívida no cartório. As perdas e danos devem ser compartilhados por uma imensidão de representantes corporativos. Inclusive os próprios dirigentes do Ciesp, tanto de Santo André quando das demais unidades regionais autônomas.
Estive outro dia numa rápida confraternização do Ciesp de Diadema, a convite do diretor-titular Donizete Duarte. Conversei com alguns empresários o suficiente para chegar à conclusão de que a situação beira o caos.
Diadema encalacrada
Diadema é um caso duplamente especial para se estudar a atuação do Ciesp. Ali, a entidade sempre foi bastante ativa, com número expressivo de associados. E Diadema sempre foi colocada como um ponto fora da curva de complicações logísticas na região, cortada pela Rodovia dos Imigrantes. Sempre se definiu Diadema como a porta de acesso à Região Metropolitana de São Paulo e o Porto de Santos. A Imigrantes escancarava as condições de tráfego rápido e fácil.
Mas, infelizmente, isso tudo faz parte do passado que não resistiu às demandas demográficas sem controle e planejamento. Os próprios dirigentes do Ciesp lamentam que as indústrias locais estejam encalacradas porque só contam com dois acessos à Imigrantes. Pelo menos mais três seriam indispensáveis. Reivindicações já foram feitas ao governo do Estado mas o gargalo à aprovação ganha forma de matadouro. Com isso, a logística sofre um bocado. Os desperdícios são imensos. A debandada industrial, segundo os próprios dirigentes, tem se tornado incontrolável. Sobretudo nestes tempos bravios.
Falta aos empresários industriais da região uma massa crítica mais densa para se fazer representar com muito mais impacto nas esferas governamentais. A coletivização de propostas é o melhor caminho para evitar eventuais retaliações. O caso de Diadema é emblemático do quanto a região perdeu em viscosidade na ocupação de espaços destinados à indústria.
Movimentos por moradias populares bem concatenados junto aos poderes públicos tomaram de assalto áreas antes reservadas à produção. Mudanças nas leis de zoneamento conferiram às moradias populares mecanismos que se sobrepuseram à instalação de empresas produtivas. Uma solução ditada pelo apelo social estrangulou uma evolução orquestrada pelo desenvolvimento econômico. Só poderia dar no que deu.
Todos juntos
Ainda que considere os legislativos locais e de maneira geral no restante do País um terreno em que se desperdiçam recursos orçamentários muito maiores do que o retorno de ações dos eleitos pelo povo, sobremodo porque os Executivos não lhes dão possibilidade quase que alguma de autonomia, não consigo enxergar saída à indústria da região sem que todos os setores e segmentos se lancem numa empreitada de evangelização.
Enquanto nossa geografia não for tomada pelo estresse positivo de enxergar para valer a importância da indústria de transformação e suas vertentes de competitividade, só nos restará chorar o leite derramado em forma de deserções, de desaparecimento e de uma longa agonia de esfacelamento.
Por essas e por outras só conseguirei entender o manifesto do Ciesp de Santo André como um grito de rebeldia calculadamente voltado a chocar os responsáveis pela política econômica e os gestores públicos de diferentes esferas do País se não faltarem expressões menos diplomáticas.
O desempenho do PIB Industrial da Província do Grande ABC nos últimos anos ainda não foi devidamente avaliado pelas forças econômicas, políticas e econômicas locais. Em 2012, o mais recente período de medição do PIB Municipal do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) perdemos 15% em relação à temporada anterior. Grande parte desse volume se deve aos 23% que se derreteram em São Bernardo.
Quando os números de 2013 saírem e, principalmente, os dados de 2014, o impacto confirmará com atraso o que se observa já faz muito tempo entre os empreendedores. Quando a indústria automotiva estava a bombar, mascarou-se a crise industrial regional. Nossa Doença Holandesa tem entre outras facetas o poder de enganar o distinto público, porque embasbaca os adoradores de veículos enquanto outras atividades comem o pão que o diabo amassou.
Declínio permanente
Tomará que minha expectativa sobre o manifesto do setor industrial da base territorial de Santo André da afiliada da Avenida Paulista não vire uma bola murcha de desencanto. As lideranças industriais precisam botar o dedo na ferida. Mais que botar o dedo, precisam botar os dedos das duas mãos nos pontos nevrálgicos de uma derrocada que vem do passado em forma de endividamento, quebra do estoque de trabalhadores, baixa produtividade, produção em declínio e tudo o mais em forma de rubricas que expressam um estado de permanente enfraquecimento do setor.
Botem a boca no trombone, senhores empresários. Mostrem nossas mazelas sem medo. Estamos perdendo de goleada no setor industrial não só porque o governo federal é incompetente e o governo estadual descuidado. Perdemos porque somos permissivos internamente. Precisamos dar um safanão nas autoridades que colocam a atividade econômica no banco de reservas de um jogo marcado quase que exclusivamente por interesses político-partidários de resultados de curto prazo.
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