Economia

Província perde 24,5% de ICMS
por habitante após Plano Real

DANIEL LIMA - 10/06/2015

O repasse do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) pelo governo do Estado aos municípios paulista é a prova viva do quanto as múltiplas facetas da desindustrialização bateram forte na economia da Província do Grande ABC.


 


Entre 1995 e 2014, os sete municípios locais perderam um quarto do dinheiro resultante do valor adicionado industrial. O resultado refere-se ao que as prefeituras locais dispunham em meados da década de 1990 e em 2014 como capacidade orçamentária de investimento por habitante de cada território, ou seja, o ICMS per capita.


 


Trata-se de um desastre completo que explica, em larga escala, as razões de se agravarem os problemas sociais da região. O ICMS já representou, em média, mais de 60% dos orçamentos municipais da região. Agora não ultrapassa a 40%. A diferença não foi compensada com o aumento generalizado de impostos municipais.


 


Em termos comparativos e com a atualização de valores monetários, a Província do Grande ABC recebeu no ano passado do governo do Estado como repasse do ICMS praticamente o mesmo valor de 1995. Naquele primeiro ano pós-implantação do Plano Real, a região contabilizou em termos reais R$ 1.859.711 bilhão de receita com o imposto estadual. Já em 2014 o total chegou muito próximo, com R$ 1.840.933 bilhão.


 


Perdas profundas


 


A estagnação do repasse em valores monetários atualizados sugeriria que o impacto da desindustrialização não foi tão acentuado na região, mas a realidade é diferente. Vetores tecnológicos influenciaram na produção de valor adicionado, que parametriza a distribuição de recursos do ICMS. Ou seja: a Província perdeu empresas e empregos em parte compensados com novas tecnologias, sobretudo das montadoras de veículos.


 


O principal ponto que retrata o esfacelamento econômico e social da região no período é que houve acréscimo populacional de 638.389 pessoas -- praticamente uma Santo André destes tempos. Enquanto a distribuição per capita de ICMS em 1995 registrava R$ 909,029, em 2014 caiu para 685.990. Um desastre. Nos próximos dias vamos comparar o desempenho da região com alguns municípios do Interior de São Paulo que recepcionaram muitos investimentos industriais. A diferença é brutal.


 


Um olhar e uma análise enviesados sobre os números do ICMS por avaliadores que desprezam a quebra contínua do dinamismo econômico local poderiam sugerir que a região não teria sofrido grandes sacolejos no período. Mesmo o ICMS, uma das muitas janelas à interpretação dos fatos econômicos, não deixa dúvidas sobre os estragos.


 


A comparação que estamos expondo leva em consideração apenas dois extremos do comportamento do repasse do ICMS pelo governo do Estado. O pós-Plano Real e 2014. Todo o interior cronológico desse período não é levado em conta, embora, por experiência de outros trabalhos, o desenho interpretativo não sofra grandes diferenças quando apurado detalhadamente. Não fosse a multiplicação dos pães da indústria automotiva, a situação seria muito pior para a região, salva de uma hecatombe na distribuição de ICMS principalmente por causa do desempenho produtivo de São Bernardo e São Caetano.


 


Dobro da produção


 


Em 1995, faixa de largada desse estudo, a produção automotiva no País não passou de 1,629 milhão de veículos de passeio, comerciais leves, ônibus e caminhão. Já em 2014, com tudo o que ocorreu ao longo dos anos de mudanças no setor e com anabolizantes consumistas principalmente durante o governo Lula da Silva, a produção automotiva nacional chegou a 3,15 milhões de veículos. A participação relativa da região no setor sofreu queda ainda não dimensionada.


 


Em 1995 cálculos atualizados garantiam que 23% da produção automotiva do País se concentrava na Província do Grande ABC. Em 2014 seriam 18%. Uma queda relativa muito inferior ao mais que dobro do aumento da produção nacional entre aquelas duas temporadas. Ou seja: a indústria automotiva da região mascarou com avanço de produção a quebradeira e a evasão de muitas unidades da indústria de transformação.


 


Dos grandes municípios da região quem mais sofreu no período de duas décadas de rebaixamento do ICMS foram Santo André e Mauá, que contam com menor participação do setor automotivo. Em valores atualizados pelo IPCA (Índice Nacional de Preço ao Consumidor Ampliado) do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), utilizado pelo governo federal para medir o tamanho do PIB (Produto Interno Bruto), entre outros indicadores, Santo André perdeu em termos reais 33,22% de receita de ICMS por habitante. Em 1995 a média por habitante era de R$ 587,34 (repasse de R$ 361,280 milhões em valores atualizados para população de 615.112 habitantes), enquanto em 2014 passou para R$ 392,21 (arrecadação de R$ 278.423 milhões e população de 704.492). Mauá registrou queda per capita mais expressiva ainda: 50,07% no período, resultado de atualizados R$ 907,64 por habitante em 1995 ante R$ 453,20 no ano passado. Em 1995 Mauá contou com repasse de ICMS atualizado de R$ 267,419 milhões e no ano passado caiu para R$ 201,284 milhões.


 


São Caetano é exceção


 


A combinação de crescimento demográfico baixíssimo e incremento do setor automotivo que beneficiou a unidade local da General Motors fez de São Caetano o endereço regional mais fortemente favorecido pelo repasse do ICMS. São Caetano registrou em 1995, sempre em valores atualizados, R$ 221.362 milhões de repasse do imposto para uma população de 149.203 habitantes – média per capita de R$ 1.483,63. Dezenove anos depois São Caetano recebeu de ICMS o total de R$ 275.112 milhões para investir numa população de 156.362 habitantes, ou R$ 1.759,45 per capita. Um crescimento de 18,59% por habitante entre os dois extremos do período.


 


O que São Caetano ganhou por habitante no repasse de ICMS foi praticamente o que Diadema perdeu no mesmo período. A cidade durante mais de duas décadas administrada pelo PT e outras agremiações de esquerda recebeu R$ 229.494 milhões de ICMS em 1995 para 305.068 habitantes, média de R$ 752,27 per capita. Já em 2014 Diadema recebeu R$ 245.247 milhões de ICMS para uma população de 406.708 habitantes. Média de R$ 603,00 per capita. Uma diferença negativa, per capita, de 19,84%.


 


Demografia estilhaçadora


 


Como Diadema poderia ter sido salva se São Bernardo, a quem abastece principalmente no setor automotivo, também não deu o salto esperado? Tanto que perdeu, por habitante, nada menos que 23,93% de repasse do ICMS. São Bernardo contava em 1995 com repasse de R$ 732.745 milhões (valor atualização pelo IPCA) para população de 566.330 habitantes. Ou R$ 1.293,85 per capita. Já em 2014 o valor per capita caiu para R$ 984,19, resultado de repasse de R$ 793.156 milhões confrontado com população de 805.895 pessoas. Ou seja: enquanto em termos reais o repasse do ICMS de São Bernardo avançou míseros 8% em duas décadas, a população cresceu 42,30%. Um terço dos novos moradores da Província do Grande ABC no período está em São Bernardo. Uma São Caetano e meia de acréscimo populacional em 19 anos.


 


Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, que completam o bicho de sete cabeças da Província do Grande ABC, também acusaram golpes da desindustrialização e da demografia em forma de repasse do ICMS. Ribeirão Pires contava com ICMS per capita de R$ 471,77 em 1995, resultado de receita de R$ 40.117 milhões dividida por 85.035 habitantes. Em 2014 a receita per capita com o imposto caiu para R$ 318,77. Uma diferença de 32,43% no período. Já Rio Grande da Serra perdeu per capita 24,53%, resultado da arrecadação de R$ 7.293 milhões em 1995, quando contava com 29.848 moradores, e a arrecadação de R$ 9.815 milhões em 2014, quando a população chegou a 47.142 habitantes.


 


Indústria pesa mais



A distribuição do ICMS é definida pela Constituição Federal, que estabelece 25% da receita estadual aos municípios. A Constituição estabelece também que 75% da chamada cota-parte do ICMS deve ser distribuída proporcionalmente ao valor adicionado do Município e 25% com base em critérios estabelecidos por lei estadual. Ou seja: de cada R$ 100 que o governo do Estado arrecada com o ICMS, 25% são distribuídos aos municípios. O peso da indústria de transformação no repasse do ICMS estadual é fortemente dominador, com 75% de influência na contabilidade. Desta forma, os valores são ditados principalmente pela capacidade de gerar riqueza.


 


Há deformações históricas que tornam os grandes municípios de industrialização mais remota em peças principais de um tabuleiro de perdas. O peso relativo da população na distribuição do ICMS é extremamente baixo e afeta diretamente localidades que, como a Província, passaram e ainda passam por duplo processo de deterioração da qualidade de vida: inchaço populacional e quebra industrial.


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