Imprensa

Diário está apenas começando uma
reforma editorial ousada e decisiva

DANIEL LIMA - 11/06/2015

Não me faltam assuntos para abordagens neste espaço, mas não resisto e, de vez em quando, tenho de escrever sobre o Diário do Grande ABC, maior veículo de comunicação da região. Se antes já o fazia, agora nem se fale porque estou a colaborar oficialmente com aquela publicação, espécie de ombudsman e consultor.


 


Mal comecei o trabalho. Diria que nem 10% do que é possível contribuir coloquei em execução. E o faço com entusiasmo. Encontrei naquela empresa, tanto na área de Redação quanto Diretiva, caloroso suporte profissional. Não fosse assim já teria picado a mula.


 


O empresário Ronan Maria Pinto, um dos então dirigentes esportivos que mais critiquei neste espaço, está concedendo a este jornalista e ao quadro editorial do jornal a liberdade que nenhum antecessor corporativo possibilitou ao longo dos tempos, entre outros motivos porque havia, no passado que antecedeu a chegada do atual presidente, uma configuração conflitiva entre os fundadores que refletia na gestão editorial sob o comando de Fausto Polesi.


 


Nessa nova marcha, Ronan Maria Pinto poderá entrar para a história do jornalismo regional como revolucionário. Mas isso leva tempo, muito tempo. Tomara que queime a língua ao acreditar que não seria com Ronan Maria Pinto ou qualquer outro empresário de comunicação que teríamos um jornalismo independente.


 


Confidencialidade


 


A doutora Elaine Mateus, uma das principais executivas do Diário do Grande ABC, é prova provada do pacto que fiz com o Diário do Grande ABC assim que cheguei àquela empresa. Me impus – e disse a ela, brilhante advogada – um código de confidencialidade sobre tudo que disser respeito às minhas ações corporativas naquela empresa. É claro que isso não inclui avaliações técnicas sobre fazer jornalismo, porque assim não teria sentido minha presença, que física, quer espiritual. Meu contrato ético com o Diário do Grande ABC, quando à confidencialidade, é verbal. Mas assino qualquer documento que venha a ser preparado.


 


Sou especialista em jornalismo e como tal tenho de me manifestar ao público quando considerar indispensável. Não fujo jamais de minha responsabilidade social. Não sou delinquente ético que atua nos bastidores como liderança de classe e quer se manter incólume a críticas da imprensa livre avocando prejuízos à imagem pessoal.


 


Tracei o limite ético de confidencialidade como consultor ou qualquer coisa que o valha do Diário do Grande ABC porque me conheço muito bem. Sei separar o profissional de redação do profissional em assuntos paralelos. Disse à doutora Elaine que me impunha limites porque assim estabeleceria um trato comigo mesmo, e dos tratos que trato comigo mesmo não abro mão. O jornalista morre quando o assunto diz respeito à corporação como um todo. O jornalista está sempre vivo quando se trata de oferecer seus préstimos à Redação. É assim que tem de ser. Há questões estratégicas do mercado de comunicação que não podem ser socializadas ao mercado de informação.


 


Comparação inadequada


 


Escrevo este artigo movido por um foco de indagações que leitores diversos me fazem sobre a guinada de decidir aceitar um compromisso profissional com uma empresa e um presidente de empresa aos quais dirigi seguidamente muitas críticas. A resposta mais simples é fácil de articular, porque verdadeira: que moral teria este jornalista se, com o histórico de questionamento ácido que todos conhecem, decidisse fugir da raia de colaboração ante um convite de um empresário desprendido?


 


Algo que, por exemplo, jamais passou pela cabeça de Milton Bigucci, do Clube dos Especuladores Imobiliários do Grande ABC, que, ao invés de solicitar algo semelhante às críticas deste jornalista ou simplesmente ignorar as muitas observações feitas, preferiu a bobagem ditatorial de judicializar meus artigos. O mesmo Milton Bigucci a quem enderecei há alguns anos uma plataforma de projetos que poderiam ser utilizados no clubezinho mequetrefe que dirige. É evidente que não me deu bola. Ele prefere submeter parceiros à vassalagem.


 


Aliás, colocar no mesmo saco de comparações Ronan Maria Pinto e Milton Bigucci é uma tremenda mancada deste jornalista, atenuada pelo objetivo esclarecedor de definir um contraste comportamental. A Ronan sobra aderência democrática, por mais forte que seja sua personalidade, razão, aliás, do sucesso de cobrador de ônibus que virou empresário e dono da publicação mais importante da região. A Milton Bigucci abundam arrogância e desfaçatez.


 


Aos leitores impactados com a notícia de que este jornalista e Ronan Maria Pinto estão tão próximos, a melhor resposta no momento é que existe a caótica Província do Grande ABC, em toda a sua extensão cultural, econômicas e social, como ponto em comum. E claro que nada disso seria possível se não encontrássemos uma Redação aberta ao diálogo, ao assessoramento, ao comprometimento com o futuro regional.


 


Tudo isso, aliás, ficou explicitado no texto produzido pelo diretor de Redação Sérgio Vieira, na primeira página de 11 de maio último, quando aquela publicação completou 57 anos de circulação. “Carta do Grande ABC” é um conjunto de princípios, de definições, de plano de voo editorial, que deveria multiplicar-se nas esferas públicas, privadas e sociais da região como mantra extra publicação. Ou alguém é capaz de acreditar que será factível colocar a região nos eixos, sufocando a predominância provincial em favor de comprovada contemporaneidade comportamental, sem o suporte da sociedade como um todo?


 


Melhor que o soneto


 


A vida nos ensina tanta coisa que o melhor mesmo é não subestimar a experiência. Tenho-me imposto um autocontrole profissional -- jamais vivenciado -- quando o foco de atuação é o Diário do Grande ABC.


 


A responsabilidade coletiva daquela publicação me tornou mais tolerante em relação às prioridades a executar. Separar a individualidade da coletividade nem sempre é possível quando se tem certa vocação à impetuosidade de resoluções imediatas. Foi essa pressa que contribuiu, entre outros vetores mais importantes, à abortagem de uma mudança revolucionária que propus há uma década ao Diário do Grande ABC. Como Deus escreve certo por linhas tortas, hoje não tenho dúvida em afirmar que a emenda está melhor que o soneto.  Desembarquei fora de hora no Diário do Grande ABC em julho de 2004, após 15 anos de atuação entre os anos 1970 e 1985.


 


Disse outro dia a Ronan Maria Pinto que em 2004 eu era o profissional certo no local certo, mas na hora errada. Hoje o diretor de Redação do Diário do Grande ABC, Sérgio Vieira, é o profissional certo, na hora certa e no local certo. E isso me deixa muito feliz. Sonho com o dia em que, velhinho e esperto, possa olhar para o horizonte editorial da região e dizer para mim mesmo: que bom ter colaborado para aflorar, forjar e consolidar novos profissionais que levem a sério tudo que diz respeito à nossa regionalidade.


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