Enquanto o jornal Valor Econômico traz na edição de hoje várias matérias sobre a crise no mercado imobiliário da Capital, enquanto o Estadão e a Folha de S. Paulo não conseguem fugir do assunto, mesmo com toda a pressão dos mercadores imobiliários em levar informações distorcidas ao público, enquanto tudo isso acontece, os jornais da Província do Grande ABC praticamente ignoram o estado assustador da atividade na região.
Mais que eventual lobby dos empresários do setor que detestam a realidade dos fatos quando a realidade dos fatos se transforma em fardo, o que existe em maior grau mesmo é o despreparo geral e irrestrito da mídia regional em investigar o quadro. Por isso vira presa fácil, fácil, dos vagabundos que vendem mentiras para se locupletarem. Qualquer sofisticação de linguagem que retire a interpretação dos fatos do terreno movediço seria bondade demais e não passaria de tentativa patética de dourar a pílula.
Não vou dizer o que está no Valor Econômico de hoje, mas posso explicitar é que todas as matérias sobre o mercado imobiliário já foram regionalizadas neste espaço. A mais recente, por sinal, embora sem dados estatísticos do Valor Econômico, versa sobre a quantidade de distratos, ou de desistência de compradores de imóveis. Outra, sobre a transfiguração urbanística de áreas residenciais, no caso do Valor Econômico sobre a Vila Madalena, centro de operações de uma grande construtora e submetida a novas intervenções danosas à estrutura social e econômica com a chegada de outras incorporadoras.
Liquidação geral
Enquanto isso, a enorme quantidade de apartamentos e salas comerciais à espera de compradores e ocupantes tornou a Província do Grande ABC caótico retrato da situação nacional no mercado imobiliário. À falta de dados confiáveis, porque o Clube dos Especuladores Imobiliários (Acigabc) não passa de depósito de interesses particulares de alguns poucos que se lambuzam com a estupidez quase generalizada de dar algum crédito àquela entidade, o que posso sustentar porque observo atentamente o movimento das pedras, é o seguinte: há gente desesperada porque pagou os tubos pelo metro quadrado tanto de apartamentos quanto de salas comerciais e hoje não monetiza os investimentos nem pela metade do preço que pagaram ou estão a pagar em longos financiamentos.
É o descasamento entre preço pago e preço rebaixado pelas agruras econômicas que pode provocar trombose no setor. Nada que tenha a dimensão e o impacto registrados nos Estados Unidos, mas tampouco fora da órbita do preocupante, muito preocupante. Aliás, também é por essa razão que os distratos se avolumam, já que os compradores descobriram que os imóveis estão pagando na planta ou à véspera de financiamento valem muito menos que a enchente de ofertas que tomam conta de páginas de jornais.
Não é de agora que alerto o público em geral sobre os riscos de cair na ladainha mercantilista de gente sem pudor que manipula descaradamente os dados regionais em busca de rentabilidade extrema -- sem se incomodar com as consequências da trambicagem senão incentivada pelo menos omitida pela mídia em geral. Já há empresários abrindo o bico, fugindo inclusive do País. A loucura praticada ao longo dos últimos anos tem consequências óbvias. Um setor que cresceu muito, mas muito acima do PIB, não pode sustentar a artificialidade por muito tempo, sobretudo quando confrontada com tempos difíceis como agora. Mesmo que esse setor tenha habilidades extraordinárias em dar nó na racionalidade. Trocou-se o aquecedor pelo congelador.
Vida artificial
Só vou acreditar no jornalismo verde-amarelo como inspirador de liberdade de expressão autêntica, sem reparos, no dia em que o mercado imobiliário for devidamente enquadrado nos rigores de análises e reportagens de fôlego, entre outras razões para que os empresários honestos e competentes sejam reconhecidos pela capacidade de gerar riqueza, não por roubarem cofres públicos e bolsos particulares.
O que se passa na Província do Grande ABC é um acinte. O Ministério Público do Consumidor precisa estar atento porque, entre as modalidades delitivas, está a depreciação dos valores a serem devolvidos a compradores de imóveis que desistem do negócio ao descobrirem que não há mais renda suficiente para a garantia do almoço de amanhã, quanto mais para uma nova moradia. O Brasil da mentirinha de nova classe média está morto, porque viveu artificialmente.
Total de 1884 matérias | Página 1
13/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (33)