Quem foi embora, o repórter da industrialização ou a industrialização? -- perguntará o leitor mais crítico. Os dois, respondo. Foi-se aos 62 anos o jornalista Édison Motta que, juntamente com o jornalista e memorialista Ademir Médici, produziu série de reportagens que, além de ganhar o Prêmio Esso Regional em 1976, contribuiu para dar cores ao Grande ABC que merecia a denominação porque exalava poderio e exuberância. Édison Motta descansou menos de três meses depois de o Diário do Grande ABC assumir publicamente mea-culpa por ter-se omitido sobre a desindustrialização da Província do Grande ABC, denunciada insistentemente por este jornalista com um arsenal de dados estatísticos e experiências humanas.
Acho que perdi uma grande oportunidade de colher o depoimento de Édison Motta no Hospital Brasil sobre a sensação de ter vivido duas fases tão antagônicas da região. Melhor dizendo: perdi uma oportunidade de atualizar a avaliação de Édison Motta sobre as mudanças na região que ele tão brilhantemente expôs num artigo publicado em 2008 na revista LivreMercado.
Muitos já viveram e continuam a viver essas duas metades de uma mesma laranja socioeconômica, mas da voz de um jornalista que protagonizou aqueles tempos seria diferente. Sei lá se extrairia dele mais desencanto ainda em relação ao artigo de sete anos atrás. Teria valido a pena tê-lo ouvido. Nem sei se Édison Motta teria tido condições, durante o período de internação, iniciado em primeiro de maio no Hospital Brasil, de aprumar os pensamentos e de verbalizar o senso crítico para matar a curiosidade de quem gostaria de saber o que se passava na cabeça de alguém que se consagrou precocemente com aquela premiação e se preparava igualmente precocemente para nos deixar.
Longevidade abreviada
O jornalista com o qual convivi pouco profissionalmente, mas que espalhava estardalhaço por onde andava naquela redação do Diário do Grande ABC em meados dos anos 1970, não era um jornalista qualquer. Tinha talento, comunicabilidade, senso aguçado, essas coisas que , quando associadas, redundam num modelo inspirador.
O problema de Édison Motta é que parecia não se dar conta disso, como se pretendesse desafiar a vida. Tivesse tido vida profissional combinada com vida pessoal menos exacerbada no direito sagrado de fazer o que bem entendia, fosse mais contido e se aproximasse do comportamento da maioria dos mortais, provavelmente teria tido trajetória mais brilhante ainda, independentemente da longevidade. Mas quem somos nós para estabelecer regras comportamentais?
Provavelmente os mais próximos de Édison Motta tenham feito de tudo nesse sentido; mas quem pode segurar uma força da natureza?
Já faz mais de um ano que me encontrei casualmente com Édison Motta, num almoço de jornalistas no Restaurante Florestal. Nem parecia o Motta de outros tempos. Estava calado, quase taciturno. Soube mais tarde que passara por internação hospitalar. A próstata já emitia sinais de que pretendia nocauteá-lo. Nossos caminhos raramente se cruzaram. O reconhecimento público que lhe faltara, e também a Ademir Médici, pelo Prêmio Esso, tive o prazer de proporcionar numa das edições do Prêmio Desempenho diante de mais de dois mil convidados. Eles foram homenageados. Não me perguntem a data porque minha memória não é das mais prodigiosas.
Sei que antes disso, também, Ademir Médici recebeu o prêmio de Imortal do Grande ABC numa edição do Prêmio Desempenho. Desta vez o colégio eleitoral era integrado por formadores de opinião da região, que compunham o Conselho Editorial da revista LivreMercado.
Sobre os novos tempos
Não me perdoo por ter subestimado a possibilidade de Édison Motta não sair com vida do leito hospitalar. Tenho certeza de que mesmo submetido a tratamento rigoroso ele encontraria forças para um depoimento específico sobre a premiação que ganhou em dupla com Ademir Médici e o despertar do jornal para novos tempos. Ainda bem que ainda contamos com Ademir Médici para pensar no assunto.
Tomara que demore bastante para agendar essa ideia e que, mesmo assim, tenha tempo de sobra para atender à sugestão. Não perdoaria um memorialista de tamanho quilate que, mesmo vivendo mais de um centenário, tenha se descuidado de um legado ao qual Édison Motta não tinha obrigação de deixar do alto da juventude de 62 anos.
A cobertura do Diário do Grande ABC sobre a morte de Édison Motta vai muito além da homenagem a um profissional que vestiu intensamente a camisa daquela organização. É uma prova provada de que os jornalistas que colaboraram para fazer a história do jornal e da região possivelmente terão novos referenciais de tratamento na politica de valorização da regionalidade.
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13/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (33)