Economia

GM dobra investimentos no País.
Essa é uma boa e uma má notícia

DANIEL LIMA - 29/07/2015

A General Motors, que tem em São Caetano mais da metade do universo de 19 mil trabalhadores de cinco unidades de produção no Brasil, anunciou ontem que vai dobrar investimentos para R$ 13 bilhões até 2019, contando-se a partir de 2014. Isso é uma boa notícia e também uma má notícia para a região -- mais especificamente para a unidade de São Caetano.


 


É boa notícia porque a empresa vai se tornar mais competitiva. Os valores publicados serão em larga porção aplicados numa nova família de veículos já à venda no País e em modelos de segmentos em que a marca ainda não atua. Ou seja: a GM está decididíssimo a continuar forte em terras verde-amarelas.


 


A notícia é muito ruim porque vai apertar o cerco num dos pontos mais frágeis da cadeia de custos da multinacional, o de recursos humanos, sobretudo em plantas mais antigas. Mesmo que a situação da unidade de São Caetano não seja tão preocupante como a das montadoras sediadas em São Bernardo, monitoradas por um sindicalismo mais agressivo, o fator produtividade não está equacionado quando se observa o quadro nacional e internacional.


 


Sindicalismo múltiplo


 


Sorte, portanto, da Província do Grande ABC que o sindicalismo da Força Sindical em São Caetano não tenha tanto parentesco com o sindicalismo da CUT sediada em São Bernardo e, principalmente, com a turma de São José dos Campos, muito mais à esquerda dos cutistas.


 


No Vale do Paraíba a situação é tão assustadora entre capital e trabalho que o presidente da General Motors, Jaime Ardila, responsável pelas operações da companhia na América do Sul, afirmou durante a entrevista coletiva de ontem que nadinha de nada do montante já em fase de investimentos irá para aquela unidade, exatamente por conta de hostilidades sindicais. “Ainda buscamos maior competitividade em São José, mas não conseguimos. A fábrica, além de ter salários e benefícios muito maiores do que a média, tem muita inflexibilidade nos contratos trabalhistas”, afirmou o dirigente que programou aposentadoria para o final deste ano.


 


Sobre Jaime Ardila vale adendo à parte do anúncio da GM ontem. Entrevistado pela jornalista Cleide Silva, o Estadão de domingo abriu uma página inteira para o dirigente da multinacional. Raras vezes se viu um representante do setor pronunciar-se tão incisivamente claro sobre o mercado automotivo no País. E também pouco se vê uma bateria de questionamentos tão próxima da demanda dos leitores.


 


Relações fortes


 


Sei lá se as declarações têm alguma relação prática com a aposentadoria agora anunciada. Sei lá se Jaime Ardila diria o que disse se tivesse mais alguns anos de trabalho pela frente, mas tudo o que disse, restrito à análise de especialistas independentes do setor automotivo, soou de forma contundente porque partiu do comando de uma corporação que, como as demais do setor, tem proximidade histórica com os poderes constituídos e, portanto, geralmente, produzem frases protocolares tuteladas pela diplomacia.


 


O que faltou de informação da General Motors no anúncio de ontem foi a discriminação dos valores e dos respectivos endereços de alocações. Quanto virá para São Caetano? Provavelmente por volta de 30%? É um chute. A quantia daria a dimensão e a profundidade do que vem por aí com a roupagem dualística de investimentos geradores de competitividade e eliminadores de improdutividades. É segredo de Estado daquela companhia – e das demais do setor -- os referenciais de competitividade nacional e internacional, cujos medidores são tão diversos quanto atentamente observados a cada mudança de humor do mercado.



É instigante a estratégia da General Motors de, mais que dobrar os investimentos previstos, comunicar a decisão praticamente sobrepondo-se às declarações do presidente Jaime Ardila ao Estadão e, mais que isso, num momento em que a economia nacional coleciona percalços em todos os campos. Mais ainda, diria, num momento em que a própria multinacional faz série de ajustes, inclusive com corte de trabalhadores para sair do sufoco da brutal queda de produção e venda de veículos.


 


Ajudando o governo


 


Quem é do ramo automotivo e conhece as intimidades das relações corporativo-governamentais garante que não é por acaso que a General Motors saiu a campo para comunicar a grandeza de volume de investimentos que integra o portfólio de competitividade. A GM ofereceu uma contribuição à governabilidade da gestão Dilma Rousseff e emitiu claros sinais ao mercado em geral de que, mesmo numa data em que a sustentação de investimentos no Brasil foi colocada sob suspeita por consultoria especializada em bons pagadores, não há motivos para desespero. Muito pelo contrário.


 


Ou seja: quem acredita que a General Motors e as demais montadoras produzem apenas veículos está redondamente enganado. Por força da inserção no PIB do País, e da riqueza de espalha por diversos segmentos, as montadoras compõem organograma à parte do governo federal, espécie de ministério extraoficial cujo peso, em várias situações, é muito maior que o de ministérios de fato.


 


Resta saber apenas até que ponto a Província do Grande ABC -- e particularmente São Caetano -- se dará bem com os resultados pós-investimentos. E essa avaliação não passa exclusivamente pela abordagem de produção geral de veículos na fábrica de São Caetano.


 


Riqueza em risco


 


A contabilidade burra do PIB geralmente esconde perdas de geração de riqueza em forma de salários e renda. Resumidamente, produzir mais veículos com menos trabalhadores e menos espalhamento de riqueza regional por conta de contração do número de autopeças atenderia perfeitamente aos anseios da General Motoros -- o que é muito justo.


 


O drama subjacente, que se avoluma na região, é que perdemos mobilidade social por conta de descentralização dos ganhos de produtividade. A equação pode parecer estranha, mas é real. Esse ajuste de contas com o passado de baixa competitividade nacional do setor é tão importante e dolorido quando inadiável. 


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