Não, caro leitor, não existe nada de errado no título acima. Você já leu algo parecido antes, em 2010. Agora estamos retomando a série. Chegamos à oitava parte – e serão pelo menos mais duas nos próximos dias – porque vamos reproduzir e analisar uma bomba cantada nestas páginas digitais: o Residencial Ventura, um conjunto de 320 apartamentos construídos pela Cyrela em parceria com a família De Nadai num terreno repleto de irregularidades ambientais no coração do Bairro Jardim, em Santo André, é um amontado de problemas confirmados, agora, pelo Ministério Público Estadual.
O resumo dessa ópera – e escrevo sem medo de mais uma vez ser levado às barras de um tribunal por milionários que pensam que podem tudo – é que aquele empreendimento é um atentado à ética, à moralidade e a segurança dos moradores que caíram no conto de que estavam fazendo o melhor negócio do mundo. Não vou nem dizer que também se trata de um estelionato informativo com repercussões financeiras, porque seria dispensável.
Mídia silenciosa
Para variar, embora tenha colocado à disposição da mídia em geral documentos aos quais recorro agora para dar continuidade a esse trabalho, ninguém se interessou. Onde já se viu uma comunidade de 320 famílias jogada à própria sorte? São os interesses econômicos e financeiros que muitas vezes pautam a mídia. O mercado imobiliário é devorador de reputações. Quando escrevo que o quadrilheiro Milton Bigucci me proporcionou o diploma de idoneidade profissional, como se precisasse, não estou exagerando. Muito pelo contrário. Sabia que enfrentar aquele contraventor seria barra pesada. Mas quem disse que tenho medo de cara feia?
Vou recorrer nesta oitava parte de uma série que imaginava encerrada em 2010 aos questionamentos do promotor de Justiça do Meio Ambiente de Santo André, José Luiz Saikali, ao engenheiro Benedito da Conceição Filho, assistente técnico do CAEX – Centro de Apoio Operacional à Execução. O conjunto das ações do promotor ambiental me foi enviado recentemente em forma de notificação sobre as investigações naquele empreendimento imobiliário, estabelecendo prazo de 30 dias para que me manifeste. O farei em breve. Antes, entretanto, levo aos leitores os pontos mais importantes do inquérito civil que objetiva apurar os fatos denunciados por mim.
Condenação iminente
Convém lembrar que por conta da assimetria entre as reportagens que publiquei neste espaço e a cronologia da ação criminal movida pela Cyrela, construtora e incorporadora responsável pelo empreendimento, cheguei à beira de uma condenação absurda em última instância. Só não fui enquadrado nos rigores das leis que invariavelmente protegem os milionários porque houve erro processual. Por isso, ao tomar conhecimento e, mais que isso, ser notificado pelo Ministério Público do Meio Ambiente de Santo André sobre os novos lances daquelas matérias, não poderia deixar de comemorar.
Vamos, então, reproduzir o questionamento do promotor José Luiz Saikali ao engenheiro do Ministério Público Estadual:
Promotor ambiental – O conjunto habitacional encontra-se regularmente licenciado?
Engenheiro do MP – Não constam as licenças mas minutas sem assinatura. Caberia o fornecimento das Licenças prévia, de Instalação e de Operação, citadas como emitidas no inquérito, para se responder à questão.
Promotor ambiental – As Licenças Ambientais foram expedidas após a realização dos estudos de investigação ambiental de contaminação?
Engenheiro do MP – Sim, as Licenças Prévia e de Instalação foram precedidas de estudos considerados incompletos, cujas complementações foram solicitadas como exigências técnicas. Já a Licença de Operação foi precedida de Investigação Complementar e Parecer Favorável da Cetesb, com restrições. Cabe verificar se as Licenças foram emitidas pois constam apenas minutas nos autos.
Promotor ambiental – Em caso positivo, os estudos técnicos foram regular e corretamente elaborados por empresas especializadas.
Engenheiro do MP – Sim, foram adotadas nos estudos analisados pelo Semasa e/ou Cetesb, as normas nacionais e internacionais cabíveis, com exceção da exclusão dos riscos ao ambiente.
Promotor ambiental – Tais estudos foram regularmente submetidos à análise dos órgãos ambientais competentes?
Engenheiro do MP – Sim, sendo considerados incompletos ou limitados.
Promotor ambiental – A apontada contaminação da área deveria ser objeto de outros estudos técnicos, ainda não realizados pela empresa interessada?
Engenheiro do MP – Sim, pelos motivos citados no item anterior. Os problemas dos odores e da destinação das drenagens subsuperficiais não foram esclarecidos. Fica também a dúvida: os moradores tiveram ciência da situação ambiental da área antes da compra dos terrenos? Conheceram as restrições contidas no parecer da Cetesb sobre intervenções na área? Aceitaram conviver com tais condições? Com um lençol freático entre zero e cinco metros não é possível o afloramento das águas? As agências ambientais internacionais trabalham com o direito de saber do cidadão. Esse direito foi observado no presente caso?
Minhas observações
Interrompo neste ponto esta nova versão da série “Não tenho coragem de morar no Residencial Ventura”. Faço suspense sobre o que virá nos próximos dias. Paro porque é preciso esclarecer alguns questionamentos de quem respondeu às indagações do promotor do Meio Ambiente de Santo André. É claro que os moradores do Residencial Ventura jamais foram informados oficialmente pelos empreendedores sobre as irregularidades apontadas por este jornalista, apoiado por farta documentação. A maioria dos compradores que participaram da reunião para entrega das chaves, em 2010, tinha conhecimento de minha narrativa. Mas foram devidamente engabelados pelos empresários.
O parecer do engenheiro do Ministério Público Estadual não deixa dúvidas: todos foram enganados. Era obrigação dos incorporadores comunicarem antes mesmo do lançamento do empreendimento que aquele terreno continha contaminação ambiental apontada pelo superintendente do Semasa, Ney Vaz, a um representante da Cyrela e a Sérgio De Nadai, cuja família detinha a propriedade do imóvel negociado com a construtora paulistana.
Descaso total
Como explico em detalhes num dos capítulos desta série, a Cyrela e o representante da família De Nadai, no caso Sérgio De Nadai, então muito influente nos bastidores políticos do governo do Estado, simplesmente desdenharam da advertência do titular do Semasa, a autarquia de Santo André que zela pelo meio ambiente no Município. Uma semana antes do lançamento comercial do empreendimento, em dezembro de 2006, um encontro no gabinete de Ney Vaz, no Semasa, foi encerrado de forma abrupta: os visitantes, Sérgio De Nadai e Ubirajara de Freitas, da Cyrela, deram as costas ao representante do Poder Público ante a advertência de que cometeriam abuso ao tratarem como algo desprezível o laudo ambiental que exigia novas investigações ambientais.
Aguardem o próximo capítulo. E não duvidem: mesmo com tudo o que a diretoria de engenharia do Ministério Público Estadual produziu é possível que a construtora e incorporadora paulistana volte a me ameaçar com nova ação criminal. Enquanto isso, as demais mídias regionais se calam. O poder econômico dos mercadores imobiliários há muito ultrapassou as fronteiras do razoável. Operação Andaime neles.
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