Imprensa

Cientista afirma que é fácil enganar
jornalistas. Ele não conhece a região

DANIEL LIMA - 10/08/2015

Deu na Folha de S. Paulo de ontem, domingo, bem no alto da página interna dedicada à Ciência e à Saúde, que um doutor em biologia molecular e também jornalista, John Bohannon, garantiu que é fácil enganar jornalistas. Coincidentemente, na coluna Contexto ABC, que publico aos domingos no Diário do Grande ABC, escrevi mais de cinco mil caracteres sobre as facilidades que os sindicalistas de maneira geral, e os sindicalistas metalúrgicos do ABC, em particular, encontram para passar a perna nos profissionais de comunicação -- daqui e de todos os jornais do País -- com versões informativas mais que enviesadas.


 


O cientista em questão, norte-americano, ficou um pouco mais famoso recentemente, segundo a reportagem da Folha de S. Paulo, por falsificar um estudo dizendo que chocolate poderia ajudar no emagrecimento, inventando até mesmo um instituto de pesquisas. O resultado foi parar na capa do Bild, o principal jornal popular da Alemanha, junto do acidente com o avião da Germanwings, e apareceu em veículos de demais de 20 países.


 


Na Província do Grande ABC, a norma é coleção de asneiras às quais as publicações conferem credibilidade ao editá-las sem o menor esforço crítico. Exemplos são fartos e ninguém toma providência para impedir a derrama de aberrações. Há casos fantásticos. Luiz Marinho virou manchetíssima de jornais ao dizer no final de 2011 que construiria um Aeroporto Internacional em São Bernardo. Não bastasse a idiotice juramentada da obra em si, em conflito com todos os estudos técnicos e econômicos conhecidos, o acinte ganhou proporções ainda mais escandalosamente abusivas com o complemento da notícia: a área escolhida consta do acervo ambiental de São Bernardo, sob severas restrições de uso e ocupação do solo.


 


Adivinhem os leitores quem foi o único jornalista a apontar tamanha barbaridade? Houve recuos em seguida, até que o Aeroportozão virou Aeroportozinho, mas a área reservada em território de mananciais, cujos proprietários jamais foram revelados, seguia na algibeira do investimento. É claro que sempre omitindo a origem espetaculosa do Aeroportozão.


 


Ao longo de décadas quebrei o pau de verdade com falsificadores estatísticos e com vendedores de ilusão. Gente sempre pronta a servir o poderoso de plantão é capaz de tudo. Jogam no lixo da ambição pessoal os diplomas que obtiveram em universidades exclusivamente para fazer coro às tentativas de enganar o distinto público. Houve um doutor em várias especialidades que, inclusive, foi à Justiça contra mim, porque não suportei a bobagem dele destilar informações pecaminosas que procuravam descaracterizar a desindustrialização na região. O tempo provou quem tinha razão. Mas seria dispensável esperar pelo futuro. Aquele presente já oferecia respostas seguras sobre a debacle produtiva regional.


 


PIB maior que o chinês


 


A Administração Aidan Ravin, desastre de quatro anos em Santo André, seguiu o lugar-comum das demais gestões municipais da região na área econômica. Mas abusou da paciência ao transformar um de seus servidores, no sentido amplo do termo, em propagandista de estultices. Chegou aquele assessor a divulgar – e a mídia regional publicou a matéria com destaque e sem nenhum tipo de restrição – que o PIB de Santo André em 2012 alcançaria 17% de aumento. Um índice de fazer inveja aos chineses. É lógico que não me calei.


 


Informação é insumo precioso demais para ser mercantilizado ou marqueteado de forma tão constrangedora. Quando os dados do IBGE saíram tempos depois com o PIB dos Municípios, Santo André perdera 4% ao invés de crescer aquela montanha anunciada. A mesma mídia que divulgou com destaque aquela peça de ficção ignorou o assunto solenemente.


 


Especuladores fazem a festa


 


O caso mais repetitivo, desrespeitador e impune de abusos contra a Imprensa, se não bastassem os abusos contra os adquirentes de imóveis, é patrocinado pelo mercador Milton Bigucci, presidente do Clube dos Especuladores Imobiliários do Grande ABC, oficialmente Acigabc.  Vire e mexe e lá está ele anunciando novos números fantasiosos sobre o comportamento da atividade na região. As planilhas são meticulosamente organizadas para supostamente retratarem a realidade do setor, quando, de fato, não passam de renitentes invencionices jamais submetidas a avaliação de profissionais independentes de outras áreas. 


 


Lamentavelmente, a Imprensa regional jamais questionou e provavelmente jamais questionará as numeralhas alardeadas pelo Clube dos Especuladores Imobiliários. Houvesse ao menos uma entidade a questionar judicialmente as atividades do Clube dos Especuladores, sobretudo os dados que procuram embalar manipulações, provavelmente Milton Bigucci já teria recolhido o trem de pouso de irresponsabilidade em uma atividade que integra a cesta básica das finanças de milhares de famílias.


 


Quem sabe um dia o mesmo Ministério Público do Consumidor de São Bernardo que nomeou o conglomerado MBigucci campeão de abusos contra a clientela resolva ir adiante no desmascaramento do ramal de marketing do empresário Milton Bigucci na esfera institucional, no caso o Clube dos Especuladores Imobiliários?


 


Falastrões irrecuperáveis


 


Por tudo isso e muito mais, quando bati os olhos naquela manchete de página da Folha de S. Paulo de ontem e após a leitura atenta de cada parágrafo, cheguei à seguinte conclusão: pobre biólogo-jornalista norte-americano que não teve o prazer de conhecer a Província do Grande ABC. Se o fizesse saberia que a margem de erro do jornalismo quando se trata de assunto tão complexo como biologia é café pequeno e conta até mesmo com certo grau de admissibilidade. Duro mesmo é a Imprensa se deixar levar diariamente, constantemente, dolorosamente, por fontes de informações toscas, primárias e suspeitíssimas.


 


O jornalismo desta Província não se encaixa, portanto, na “facilidade” observada pelo cientista. Aqui o que vigora mesmo é muito mais que isso – é uma linha de produção informativa sem valor agregado, sem alma, sem o ideário da desconfiança em primeiro plano e decididamente pronta a acreditar em falastrões irrecuperáveis.


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